Bolsonaro ‘pró-vacina’ busca se reaproximar da cúpula empresarial após ser acuado por Lula

Presidente aposta em um Zé Gotinha ‘armado’ e desiste de atacar vacinas de olho no apoio do mercado nas eleições de 2022. Pesquisas apontam que a volta do petista ao cenário eleitoral diminuem chance de reeleição

O presidente Jair Bolsonaro em evento no Palácio do Planalto no dia 11, quando usou a máscara, que costuma criticar.UESLEI MARCELINO (Reuters)
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Aparições com máscara facial, a divulgação da imagem de um Zé Gotinha com uma injeção em formato de fuzil e um novo lema: “A nossa arma é a vacina”. A recente mudança de postura de Jair Bolsonaro, um presidente de viés negacionista, chamou a atenção ao longo desta semana. Mas a atual precupação do mandatário brasileiro não é com a desenfreada pandemia de coronavírus, que já matou mais de 275.000 brasileiros, mas com a campanha eleitoral. Com a popularidade em queda e a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao cenário de 2022, Bolsonaro escutou da rede que o cerca que as críticas às vacinas e os embates com os defensores da imunização já tinham chegado ao estágio máximo. Foi alertado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de uma conta óbvia: sem imunização em massa dificilmente a combalida economia brasileira reagirá no próximo ano, justamente quando ocorrerá o pleito. E uma crise financeira junto às centenas de milhares de mortes provocadas pela covid-19 derrubam suas chances de reeleição.

Já alertado desde ao menos a semana passada de que era preciso moderar o discurso, Bolsonaro se viu obrigado a acelerar sua mudança de postura após a primeira aparição pública de Lula, em coletiva de imprensa feita dois dias depois de o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anular suas duas condenações na operação Lava Jato e, com isso, restabelecer seus direitos políticos. Em seu discurso, na última quarta-feira Lula antagonizou com Bolsonaro e atacou a falta de gestão do atual presidente na crise provocada pela pandemia. “Vocês sabem que a questão da vacina não é uma questão se tem dinheiro ou se não tem dinheiro. É uma questão se eu amo a vida ou amo a morte”, afirmou. Em sua fala, o petista também fez acenos de que voltará à cena com uma postura mais moderada, que agrada os mercados, e que pretende voltar a circular pelo país assim que tomar a vacina —ele recebeu a primeira dose neste sábado—um privilégio até então de Bolsonaro, que tem circulado pelo país como se o vírus altamente contagioso não existisse.

Os números de duas pesquisas de opinião feitas após a decisão que beneficiou Lula demonstram que, se a eleição fosse hoje, Bolsonaro teria dificuldades em se reeleger. Levantamento da consultoria Atlas Político, divulgado na quinta, apontou que em um eventual segundo turno entre os dois políticos, o petista acabaria com 45% dos votos, enquanto Bolsonaro teria 37%. A pesquisa XP Ipespe, publicada nesta sexta-feira, mostrou que a disputa garantiria 41% dos votos a Bolsonaro e 40% a Lula, um empate técnico.

O discurso do petista agradou o mercado. E para tentar reverter o quadro, Bolsonaro tentará se aproximar ainda mais do alto empresariado brasileiro. Nos próximos dias, conforme seus assessores, ele pretende se encontrar com representantes da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Quer tranquilizar o PIB de que seu Governo está empenhado em aumentar exponencialmente a imunização da população, ainda que não haja mais tantos imunizantes a serem comprados porque a maior parte da produção das farmacêuticas está comprometida com Governos que “reservaram” os produtos ainda no ano passado —o que não foi o caso do Brasil.

Como moeda de troca, Bolsonaro insistirá de que sua gestão estaria empenhada com a agenda de reformas econômicas. Apresentará como trunfo a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) emergencial, que deve ser promulgada na segunda-feira, e o andamento da reforma tributária, que deve ocorrer na próxima semana. Se essa caminhar, contudo, será mais por um empenho do Congresso Nacional do que, necessariamente, do próprio presidente, que pouco contribuiu para o debate.

O mascote da vacinação no Brasil, Zé Gotinha, com uma injeção com o formato de um fuzil.Reprodução Twitter @BolsonaroSP

Apesar de ter dado sinais de que começa a entender a necessidade de moderar seu discurso anti-ciência, Bolsonaro ainda segue seu embate contra as medidas restritivas adotadas por governadores. Ele tenta emplacar a tese de que a crise financeira não foi provocada pelo Governo federal, mas sim pelos mandatários estaduais, que restringiram o comércio e prejudicaram a economia, ainda que estejam seguindo as recomendações de especialistas para tentar minimizar o colapso dos leitos de UTIs no país. A medida, entretanto, pode começar a prejudicá-lo. Dados da pesquisa XP Ipespe apontam que prefeitos e governadores responsáveis são mais bem avaliados que o próprio presidente neste momento. De maneira geral, governadores são aprovados (índices de gestão ótimo e bom) por 35% dos entrevistados e reprovados (ruim e péssimo) por 28%. Os prefeitos receberam 43% de ótimo e bom e 18% de ruim e péssimo. O Governo Bolsonaro atingiu 45% de ruim ou péssimo, 30% de ótimo e bom. Além disso, a atuação de Bolsonaro no enfrentamento do coronavírus é reprovada por 61% dos entrevistados, que a consideraram ruim ou péssima. Só 18% a classificam como ótima e boa.

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Definição por partidos

Para a corrida de 2022, o presidente tem ainda precisa definir por qual partido concorrerá. Desfiliado do PSL que o elegeu em 2018, Bolsonaro fracassou em fundar a Aliança pelo Brasil. Faltou-lhe liderança e empenho para colher as assinaturas de apoio. Ele definiu o mês de março —depois postergou para abril— como limite para a sua escolha partidária. No radar estão o regresso ao PSL ou a filiação a outras legendas de centro direita, como o Progressistas, o Republicanos, o Partido Trabalhista do Brasil, o Patriota ou o Partido da Mulher Brasileira (PMB).

A favor do PSL está o fato de que ele tem a segunda maior bancada de deputados federais e, consecutivamente, o segundo maior fundo partidário e tempo de TV, atrás apenas do PT de Lula. Contra, tem dezenas de parlamentares e dirigentes com quem ele rompeu porque não deixaram com que ele administrasse o diretório nacional da legenda. As negociações para o retorno já começaram, ainda que o atual presidente do PSL, Luciano Bivar, negue e trabalhe para que o partido não o aceite de volta.

A dificuldade nos outros partidos também será a de Bolsonaro comandar suas executivas nacionais. Ciro Nogueira, presidente do Progressistas, Marcos Pereira, do Republicanos, e Roberto Jefferson, do PTB, não estão dispostos a entregar o comando a Bolsonaro. O PMB é um partido nanico. Enquanto o Patriota, que chegou a mudar de nome em 2017 para receber Bolsonaro e se frustrou, diz estar confiante em recebê-lo, desde que ele não queira assumir a direção da legenda. “Bolsonaro não precisa só de tempo de TV de um partido ou de recursos para a campanha. Se ele escolher um partido médio, ele consegue uma coligação de cinco ou seis legendas e já estará na propaganda. E os recursos, qualquer arrecadação por vaquinha já o ajuda”, disse o presidente do Patriota, Adilson Barroso.

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