Ministro do STJ manda afastar Witzel do Governo do Rio sob suspeita de corrupção em contratos
Pastor Everaldo, presidente do partido do PSC de Witzel, é preso em operação. PF fez buscas contra primeira-dama e presidente da Assembleia Legislativa. Governador diz ser vítima de perseguição política
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ordenou nesta sexta-feira o afastamento do governador Wilson Witzel (PSC) do cargo por 180 dias e expediu diversos mandados de prisão e de busca e apreensão em endereços ligados às principais autoridades do Rio de Janeiro. A investigação é um desdobramento da Operação Placebo, que investiga corrupção em contratos do Executivo fluminense na área da saúde e que mirou o governador em maio. Agora, a suspeita é a existência de um amplo esquema de corrupção que envolveria também outras áreas da administração e que teria a participação de membros do Legislativo e do Judiciário. Em pronunciamento, Witzel negou as acusações e disse ser vítima de perseguição política, levantando suspeitas contra o Governo Jair Bolsonaro e a subprocuradora-geral da República Lindôra Maria de Araújo, responsável pela investigação, que ele afirma ser aliada do presidente. “Há interesses poderosos contra mim”, declarou.
As medidas foram determinadas pelo ministro do STJ Benedito Gonçalves, que em decisão monocrática também proibiu o acesso de Witzel às dependências do Governo do Rio, com exceção do Palácio Laranjeiras, sua residência oficial, e vetou a comunicação dele com funcionários e a utilização dos serviços do Estado. O Ministério Público Federal chegou a pedir a prisão preventiva do governador, mas o ministro entendeu ser suficiente o seu afastamento do cargo para evitar a continuidade das supostas atividades de corrupção e lavagem de dinheiro apontadas na investigação.
A operação desta sexta foi chamada de Tris in Idem, uma referência ao fato de se tratar do terceiro governador do Rio que se “utiliza de esquemas ilícitos para obter vantagens indevidas”, nas palavras dos procuradores. Os ex-mandatários Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, ambos do MDB, foram presos em decorrência de investigações da Operação Lava Jato.
Witzel, que é ex-juiz, foi eleito em 2018 com um discurso anticorrupção e aliado ao bolsonarismo, tendo se afastado do presidente no ano seguinte e acentuado as críticas no início da pandemia de coronavírus. Segundo a Procuradoria, porém, desde a sua vitória no pleito organizou-se no Governo um esquema criminoso integrado por três grupos, que disputavam poder oferecendo vantagens indevidas a agentes públicos. “Liderados por empresários, esses grupos lotearam algumas das principais pastas estaduais —a exemplo da Secretaria de Saúde— para implementar esquemas que beneficiassem suas empresas”, dizem os investigadores em nota.
Em maio, Witzel foi alvo de uma operação que investigava um contrato emergencial assinado entre o Governo e a organização social Iabas no valor de 835 milhões de reais para construir e gerir sete hospitais de campanha para pacientes infectados com o coronavírus. O episódio levou à demissão do então secretário da Saúde, Edmar Santos, preso em julho. De acordo com a Procuradoria, esse esquema de direcionamento de licitações era o principal mecanismo de atuação do grupo. Os investigadores apontam a existência de uma “caixinha de propina” abastecida pelas organizações e a cobrança de um percentual sobre pagamentos que financiava mensalmente agentes políticos e servidores públicos da Secretaria da Saúde.
“O grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em plena pandemia da covid-19, sacrificando a saúde e mesmo a vida de milhares de pessoas, em total desprezo com o senso mínimo de humanidade e dignidade”, destacou o ministro do STJ na sua decisão.
O esquema de desvios não se limitava ao Poder Executivo, segundo a investigação. Na Assembleia Legislativa, deputados estaduais são suspeitos de repassar sobras de duodécimos, percentuais recebidos por lei do Governo, para o tesouro estadual. “Dessa conta única, os valores dos duodécimos ’doados’ eram depositados na conta específica do Fundo Estadual de Saúde, de onde eram repassado para os Fundos Municipais de Saúde de municípios indicados pelos deputados, que, por sua vez, recebiam de volta parte dos valores”, detalha a Procuradoria.
Na esfera do Judiciário, por sua vez, as organizações atuariam por meio do pagamento de dívidas trabalhistas judicializadas. Com a ajuda de um desembargador, segundo aponta a investigação, entidades pagavam honorários a uma advogada que, após obter as decisões favoráveis, repassava os valores para os participantes do esquema.
Em outra frente de investigação, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Witzel, a primeira-dama Helena Witzel e outras sete pessoas, incluindo advogados e empresários, sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro. A denúncia é assinada pela subprocuradora Lindôra Araújo e pede a decretação da perda do cargo público de Witzel e o pagamento de indenização mínima de 1.108.473 reais aos cofres públicos. O objeto da investigação são os pagamentos de empresas ao escritório de advocacia da primeira-dama, realizados supostamente a partir de contratos simulados para permitir a transferência de valores à família do governador. Foram denunciados os empresários Mário Peixoto, Alessandro Duarte e Cassiano Luiz; Lucas Tristão, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de Witzel; João Marcos Borges Mattos, ex-subsecretário executivo de Educação; Gothardo Lopes Netto, ex-prefeito de Volta Redonda (RJ); e o contador Juan Elias Neves de Paula.
Agentes da Polícia Federal cumpriram mandados no Laranjeiras, no Palácio Guanabara e na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, além de outros endereços no Estado. Entre os alvos das ordens de busca e apreensão estão Helena Witzel, o vice-governador, Cláudio Castro (PSC), e o presidente da Assembleia Legislativa, André Ceciliano (PT). Foram expedidos 17 mandados de prisão, sendo seis preventivas (sem prazo) e 11 temporárias. Um dos alvos é Pastor Everaldo, presidente do PSC, partido de Witzel, que foi detido no início da manhã.
“Eu estou incomodando prendendo miliciano?”, diz Witzel
Em pronunciamento na manhã desta sexta-feira, Witzel negou irregularidades, classificou a investigação de “rasa” e sem provas e disse que não praticou nenhum ato desde a operação de maio que indicasse tentativa de atrapalhar a apuração. Destacou que demitiu na época os investigados e que foi enganado pelo ex-secretário da Saúde Edmar Santos, a quem chamou de “canalha” e “vagabundo”.
O governador afastado disse que a investigação contra ele se trata de uma “questão pessoal”, acusando a subprocuradora Lindôra de Araújo de perseguir outros governadores. Segundo ele, é preciso investigar a hipótese de influência da família Bolsonaro, com quem rompeu, nas medidas contra seu Governo. “O presidente Bolsonaro já falou que quer o Rio e já me acusou de perseguir a família dele”, declarou. “Estou incomodando prendendo miliciano?”, indagou, em referência a suspeitas de elo do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) com criminosos ligados ao Escritório do Crime.
Witzel questionou ainda o período de afastamento, de seis meses, afirmando que o prazo tem ligação com o fato de que ele escolheria, em dezembro, o novo procurador-geral de Justiça do Estado. Disse ainda que seu Governo está combatendo a pandemia e repassou sete bilhões de reais para a Saúde nos últimos meses. “Nunca se investiu tanto dinheiro.”
Mais cedo, sua defesa afirmou em nota ter recebido “com grande surpresa a decisão de afastamento do cargo, tomada de forma monocrática e com tamanha gravidade”. Os advogados dizem que aguardam o acesso ao conteúdo da decisão para tomar as medidas cabíveis. Também em nota, o PSC declarou que o Pastor Everaldo sempre esteve à disposição de todas as autoridades, assim como o governador Wilson Witzel. Com a prisão de Everaldo, o ex-senador e ex-deputado Marcondes Gadelha, vice-presidente nacional, assume provisoriamente a presidência da legenda.
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