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Três em cada quatro agentes penitenciários têm saúde mental prejudicada pela pandemia, diz estudo

Medo de contaminação e tensão dentro dos presídios estão entre as queixas. Em 30 dias, confirmações da Covid-19 em presos e servidores subiram 82%

Portão de acesso da Penitenciária de Guareí, no interior de São Paulo, em registro feito em fevereiro deste ano.
Portão de acesso da Penitenciária de Guareí, no interior de São Paulo, em registro feito em fevereiro deste ano.Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
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Com a pandemia do coronavírus, o medo tomou conta do dia a dia dos agentes penitenciários do sistema prisional brasileiro. Medo de ser infectado, de levar o vírus para casa, de levar o vírus para dentro das prisões. Mas a covid-19 também trouxe um efeito colateral, muitas vezes invisibilizado: três em cada quatro agentes tiveram a saúde mental afetada, principalmente pelo distanciamento social e pelas condições precárias de trabalho.

Segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, atualizados na última segunda-feira, 6.378 servidores do sistema prisional brasileiro foram infectados pelo coronavírus e 68 morreram. Entre os detentos, o número de casos confirmados é de 13.305, um aumento de 82% de casos em um mês, e 82 mortes.

Os autores do relatório A pandemia do coronavírus e os agentes prisionais no Brasil, lançado nesta quinta-feira pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB) da Fundação Getúlio Vargas, conversaram com 613 profissionais da polícia penal (a categoria de agentes penitenciários passou a ser incluída na estrutura da polícia no início do ano) de todas as regiões do país para entender como está a rotina dentro das prisões. A pesquisa foi feita via formulário virtual entre 15 de junho e 1º de julho de 2020.

Os resultados, explica Gabriela Lotta, coordenadora do NEB, surpreendem em relação à deterioração do trabalho desses profissionais. “Esperávamos que a situação fosse estar um pouco melhor em termos de apoio do Estado e suporte para os agentes prisionais em relação ao começo da pandemia”.

Mas, entre os pontos levantados pela pesquisa, poucos indicadores mostraram melhoria. “Nesses dois meses, o cenário de contágio dentro dos presídios piorou muito e houve aumento da mortalidade tanto dos presos como dos agentes prisionais”.

Segundo o estudo, 87,1% dos agentes conhecem algum colega de trabalho que foi diagnosticado com covid-19 e 67,8% conhecem alguma pessoa privada de liberdade que contraiu a doença. O medo é constante entre os servidores: 80,3% dos agentes sentem medo do novo coronavírus e quase metade dos profissionais do sistema prisional não receberam EPIs adequados para trabalhar.

Apenas 12,1% dos participantes da pesquisa receberam algum tipo de orientação específica sobre como operar no cenário da pandemia e 73,7% declararam que a pandemia causou impactos negativos em sua saúde mental. Dos que tiveram impacto na saúde mental, só 5,1% informaram ter recebido apoio institucional para cuidar do seu psicológico.

A tensão no trabalho também aumentou, já que os detentos estão há 4 meses sem as visitas presenciais: 82,2% dos agentes afirmam que as tensões entre as pessoas presas aumentaram. Em São Paulo, por exemplo, as visitas online começaram só no último domingo de julho, e com muitas falhas.

A grande maioria dos agentes, 69%, aponta que não está preparado para lidar com a crise sanitária e só 39,5% receberam algum tipo de orientação das chefias para lidar com o novo cenário.

A pesquisa também traça um perfil dos 613 agentes que responderam à pesquisa: homens brancos representam 40,8% das respostas e homens negros 32,5%. Quando dividida por gênero, o levantamento mostra que 75,5% dos agentes são homens (que inclui brancos, negros, amarelos e indígenas) e 20,7% são mulheres.

Do total dos participantes, 11,4% são mulheres brancas e 8,2% mulheres negras. Cerca de 3% das pessoas preferiram não informar o gênero. A divisão por região aponta que 47% dos agentes são do Sudeste, 18% do Nordeste, 17% do Sul, 9% do Norte e 9% Centro-Oeste. O Estado de São Paulo representa 37,3% das respostas gerais.

Para Lotta, alguns problemas notados durante a pandemia são estruturais, como a superlotação, o ambiente insalubre, a falta de profissionais e a falta de transparência de dados. Outros, como a distribuição dos EPIs (equipamentos de proteção individual), já deveriam ter sido resolvidos. Mas a pesquisa aponta que 51% dos agentes informaram que não receberam o equipamento.

A saúde mental é o ponto mais preocupante da pesquisa, explica Lotta, porque “esses profissionais estão trabalhando com alto estresse, muito medo, pouco sentimento de preparo para o desenvolvimento do trabalho que realizam”.

“Ao mesmo tempo, não sentem suporte das chefias e do governo e vêm a tensão aumentar dentro dos presídios. Tudo isso gera aumento de depressão, ansiedade e outros impactos para saúde mental. Eles estão em sofrimento”, aponta.

Os agentes apontam que as emoções em relação aos presos são: distanciamento e frieza (49%), medo (47%), indiferença (23%), afeto e empatia (17%), raiva (10%) e pena (10%). Já entre as emoções dos presos, identificadas pelos agentes, estão: tensão (66%), medo (62%), ansiedade e estresse (57%), raiva (31%), solidão (29%), tristeza (26%) e desesperança (19%).

A alternativa para aliviar a tensão, aponta a pesquisadora, seria o Estado criar formas mais eficazes para que o preso pudesse se comunicar com a família e possibilitasse outros tipos de atividades dentro do sistema prisional, para ocupar o tempo ocioso, já que as atividades convencionais, como trabalhos e estudos, estão suspensas.

Para melhorar as condições de trabalho o fornecimento de EPIs e a testagem são o melhor caminho. “As práticas de trabalho mudam muito por causa da pandemia no sistema prisional e esses profissionais deviam ser treinados e orientados sobre como atuar durante a pandemia”, explica Lotta.

Problema de saúde mental é anterior à pandemia

Fábio Jabá, presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp), Estado com mais mortes entre servidores e presos, aponta que as questões de saúde mental entre os servidores sempre existiu.

“A nossa categoria é muito atingida por doenças mentais, como depressão, síndrome do pânico e outras diversas, uma vez que o nosso trabalho é muito mais mental”, explica.

“Tem essa questão de entender o trabalho, porque nós não temos formação correta para tratar diretamente com o preso. Enquanto o agente não se entende como um profissional, ele sofre. A partir do momento que você tem que lidar com pessoas que cometeram crimes graves e tratá-las com respeito, como a lei manda, é muito complicado”, continua.

Mas, detalha, piorou durante a pandemia, já que, além da ausência de apoio do Estado, é preciso conviver com o medo de trazer a doença para casa ou mesmo morrer. “A maioria dos companheiros sai de casa, dá um beijo no filho e sabe que pode não voltar”, finaliza.

Reportagem originalmente publicada no site da Ponte Jornalismo em 6 de agosto de 2020.

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