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Sem visitas nem acesso a advogados, presos temem coronavírus. Primeira vítima morre em cadeia do Rio

Já são ao menos 54 internos com a covid-19 confirmada. Para membro da OAB, sem advogados e defensores indo ao presídio denúncias de tortura e sobre pandemia não são tornadas públicas

Gil Alessi
O presídio da Papuda, no DF, onde foi registrada a maioria dos casos de coronavírus no sistema penitenciário
O presídio da Papuda, no DF, onde foi registrada a maioria dos casos de coronavírus no sistema penitenciárioG Dettmar

Milhares de homens e mulheres detidos nas penitenciárias brasileiras estão vivendo uma situação ambígua. Os quase 800.000 presos, a terceira maior população carcerária do mundo, dividem celas superlotadas em condições insalubres, terreno próspero para a propagação do coronavírus e de outras doenças respiratórias —situação que já foi alvo de denúncias em cortes internacionais. Por outro lado, parte desta multidão vive uma espécie de isolamento social completo do mundo externo. Além da suspensão das visitas na maioria dos Estados e no sistema penitenciário federal, medida adotada para evitar a contaminação dos presos pela covid-19, alguns Governos locais também barraram qualquer atendimento jurídico aos detentos, em um momento no qual o país já registra 54 internos com a doença e um morto (um preso de 73 anos do Rio de Janeiro). A situação é acompanhada de perto e inspira preocupação num contexto de volatilidade das cadeias dominadas por facções criminosas e tendo em vista o impacto da pandemia em outras prisões pelo mundo, como no Irã e na Itália, onde houveram rebeliões —o país persa libertou 85.000 presos para desafogar o sistema e evitar a contaminação em massa.

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De acordo com levantamento feito pelo EL PAÍS com base nas portarias e notas técnicas elaboradas pelas secretarias de administração penitenciária e enviadas ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública, ao menos 14 Estados e o Distrito Federal suspenderam o atendimento de advogados e defensores públicos em todo seu território ou em algumas unidades específicas. O mesmo vale para os presídios federais. Os Estados que estão vetando o acesso desses profissionais, até o momento, são Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Amazonas, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Maranhão, Tocantis, Sergipe, Acre, Piauí e Mato Grosso (além do DF).

Apesar de informar a suspensão, em nota o Governo do Rio afirmou que “o atendimento jurídico continua”, desde que advogados estejam “com equipamentos de proteção individual (luva, máscara e álcool em gel)”, e com horário previamente agendado. Defensores ouvidos pela reportagem confirmaram a informação, mas disseram que a burocratização do processo e os riscos praticamente inviabilizam as visitas. Já Minas Gerais informou que “passou a solicitar documentos que comprovem a necessidade de interlocução presencial com os clientes, deixando aberta a possibilidade de realização de comunicações ordinárias via correspondência”. De acordo com o Depen, a suspensão dos atendimentos no sistema federal é uma “forma de prevenção, controle e contenção de riscos do coronavírus (Covid-19)”, e que a medida não valeria para “casos urgentes”, diz a portaria assinada pelo diretor do órgão, Marcelo Stona.

Além da suspensão das visitas e atendimentos jurídicos, os Estados adotaram uma série de medidas para evitar a disseminação do coronavírus, como a ampliação do banho de sol dos detentos, a higienização das celas com maior frequência e o isolamento de presos com mais de 60 anos ou com doenças crônicas —apesar de ser questionável falar em isolamento de presos em um sistema com 461.000 vagas que abriga quase 800.000 detentos, a terceira maior população carcerária do mundo. O Conselho Nacional de Justiça recomendou que os presos do regime aberto ou semiaberto sejam enviados para o regime domiciliar se apresentarem sintomas da doença, e as defensorias públicas pediram a libertação dos idosos, medidas que foram parcialmente acatadas e vistas com ressalva por Moro.

Vulnerabilidade

Há consenso de que medidas para evitar que o coronavírus se espalhe atrás das grades são necessárias, tendo em vista a alta vulnerabilidade desta população. Apesar de o ministro Sergio Moro ter dito que os presos estão em um ambiente “relativamente seguro” com relação à pandemia, e que “não há motivo para temor” de que a doença se espalhe no cárcere, a realidade é outra. Segundo dados do Depen, até esta quinta-feira o país tinha 181 casos suspeitos de coronavírus nos presídios de todo o país, São Paulo e Minas Gerais lideram com 48 e 49, respectivamente. O primeiro caso confirmado foi registrado em 8 de abril. Pouco mais de uma semana depois, o Brasil já soma 54 presos com a covid-19, um sinal de que a doença se alastra rapidamente atrás das grades. Um interno morreu nesta quarta-feira, no Rio de Janeiro, aos 73 anos, mas o caso só foi divulgado nesta sexta-feira. Ele não teve o nome divulgado. Os internos que testaram positivo para a doença estão no Distrito Federal (38), Pará (4), São Paulo (4), Pernambuco (2), Roraima (4), Ceará (1) e Santa Catarina (1). De acordo com informações oficiais, nenhum preso morreu da doença no país.

A suspensão do atendimento presencial de advogados e defensores tem consequências graves para os presos. “Há um prejuízo muito grande à defesa das pessoas privadas de liberdade. É o advogado que recebe, muitas vezes as denúncias dos internos: falta de água, banheiro entupido, comida estragada, violência, tortura... É o advogado que requer analise de corpo delito, aciona o juiz para pedir inspeção das condições de uma unidade, e uma série de outras medidas para salvaguardar os direitos de quem está lá dentro”, afirma Everaldo Patriota, coordenador de acompanhamento do sistema carcerário da Ordem dos Advogados do Brasil. Ele aponta ainda que, no caso de presos mais pobres, o defensor que vai até o presídio é o único elo entre o detento e os familiares, que não tem dinheiro para ir até o presídio no dia de visita. “Quando você restringe o acesso do advogado ao preso, você fecha a porta dos presídios e de todos os seus problemas para o mundo exterior”. Outras entidades de direitos humanos que trabalham atrás das grades, como a Pastoral Carcerária, também tiveram as visitas suspensas.

As restrições podem, inclusive, prejudicar os processos judiciais. Petra Silvia Pfaller, coordenadora nacional da Pastoral, define a incomunicabilidade com os internos como “inconstitucional”. “Vedar ou dificultar o direito de atendimento jurídico é grave, afinal é a legitima defesa da pessoa presa que está sendo violado, existe o risco de que todo processo seja anulado por cerceamento do direito à defesa”.

Uma solução temporária para a questão da assistência jurídica, aponta Patriota, seria a implementação dos atendimentos virtuais. "Alguns Estados estão fazendo estes atendimentos virtuais. Paraná em fevereiro inaugurou esse sistema, e o Distrito Federal está regulamentando. O Ministério da Justiça e Segurança Pública anunciou na terça-feira estar negociando a compra de 600 tablets para que os presos do sistema federal possam conversar virtualmente com familiares semanalmente. Esses equipamentos também poderiam ser usados para atendimentos jurídicos, segundo afirmou Moro. “Esse projeto ainda está em estudo e tem por propósito facilitar visitas virtuais de familiares aos presos, em contexto com coronavírus ou sem. Evidentemente não será um tablet por preso, nem o equipamento será deixado com o preso para ser usado como telefone”, afirmou o titular da pasta.

Além do Paraná e do DF, outros Estados também estão trabalhando no sentido de garantir atendimento virtual para os presos. Em nota, a Secretaria de Justiça e Cidadania do Tocantins informou que “está sendo instalado um parlatório virtual para atendimento de demandas judiciais nas unidades prisionais, com o objetivo de evitar aglomerações de pessoas neste momento”. A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Maranhão e do Amazonas disseram ter assinado convênios com a OAB para regularizar os atendimentos de advogados por videoconferência no sistema prisional. As secretarias responsáveis por assuntos penitenciários dos demais Estados mencionados na reportagem não informaram quais medidas pretendem adotar para garantir o atendimento jurídico dos presos.

Sem poder atender o preso nas unidades, é preciso buscar soluções alternativas. Lúcia Helena Silva Barros de Oliveira, coordenadora da Comissão de Política Criminal da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos, afirma que “embora a suspensão seja grave os defensores não pararam, e seguem empenhados em analisar a situação de cada preso”. Segundo ela, as defensorias estão focadas em “criar e intensificar novos métodos de atendimento”, lançando mão dos recursos online possíveis. “Infelizmente existem muitos processos que são físicos, e os fóruns estão sem atendimento ao público”. “Todos nós saímos perdedores com a pandemia, e o que resta é tentar minimizar os prejuízos”, conclui.


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