Evangélicos e ‘voto miliciano’ repetem aliança em teste de fogo para o bolsonarismo no Rio
Prefeito Marcelo Crivella, em franca crise de popularidade, abriga Flávio e Carlos Bolsonaro em seu partido. Acordo mira eleitor em área de influência de grupos armados, diz sociólogo
Marcelo Crivella não tem apoio popular e está, nas palavras de um ex-assessor, “desesperado”. Jair Bolsonaro não conseguiu ainda pôr de pé o partido que fundou, o Aliança, após desembarcar do Partido Social Liberal (PSL) que o elegeu em 2018. Ele ainda enfrenta um importante teste nas urnas nas eleições municipais de novembro deste ano, na cidade que é justamente o seu reduto eleitoral. Esse é ponto de partida da aproximação promovida entre o prefeito do Rio de Janeiro e o presidente da República. O mandatário garante que não apoiará nenhuma candidatura municipal, mas em março deste ano seus filhos, o senador Flávio e o vereador Carlos Bolsonaro, se filiaram ao Republicanos, partido ligado à Igreja Universal do Reino de Deus que tem Crivella como seu principal nome. O Republicanos também integra o chamado Centrão, bloco formado por legendas pequenas e médias na Câmara dos Deputados com o qual o presidente vem tentando costurar um acordo de governabilidade.
O Rio de Janeiro é o berço do clã Bolsonaro e foi o trampolim para a carreira política da família. Ainda capitão do Exército, Bolsonaro pai elegeu-se vereador da cidade em 1988. Depois, lançou-se a deputado federal, cargo para o qual foi eleito por seis vezes, até enveredar para a corrida presidencial. Seus filhos, Flavio e Carlos, também pavimentaram as respectivas carreiras políticas ali. O primeiro como deputado estadual desde 2003, até se eleger senador em 2018. E o segundo como vereador desde 2000. Os sinais da aproximação com o atual prefeito da cidade estão aqui e ali. No último dia 21 de julho, por exemplo, Flávio participou de uma live com Crivella na qual o chamou de “meu prefeito”. Apesar de não ter falado sobre as eleições, mencionou a importância do “alinhamento” com “uma pessoa experimentada na política”.
Ambos também criticaram a imprensa e sua cobertura da pandemia de coronavírus. “Existem adoradores do caos. Veículos que não estão nem aí para as coisas certas. Nós respondemos à perseguição de parte da imprensa com muito trabalho. Agradeço ao senhor e ao seu pai, que me ajudou a viabilizar voos vindos da China trazendo centenas de respiradores e monitores. Nosso povo é muito grato ao Governo Federal”, afirmou Crivella, que terminou a live agradecendo “devotadamente ao Flávio e ao [Jair] Bolsonaro, grande líder que esse país precisa”.
Em semanas anteriores, Crivella também havia demonstrado sua solidariedade a Flávio por conta da prisão de seu ex-assessor, Fabrício de Queiroz, e as notícias sobre as investigações sobre suposto esquema de rachadinha em seu gabinete quando cumpria mandato de deputado estadual. O prefeito do Rio também começou a flexibilizar sua política contra a pandemia de coronavírus conforme o presidente intensificava as críticas a prefeitos e governadores pelas medidas de distanciamento social. Em julho, a filha do ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, ganhou um cargo de confiança na Rio Saúde, empresa pública da Prefeitura.
O que está em jogo nessa aproximação? O sociólogo José Cláudio Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e um dos mais antigos pesquisadores das milícias, cita os conhecidos elos e aproximações da família Bolsonaro com esses grupos armados que atuam em bairros e favelas da cidade, principalmente na vasta zona oeste. Sobretudo a ligação de Flávio e de seu ex-assessor Queiroz, vinculado a Rio das Pedras —onde o atual senador teve mais de 70% dos votos nas últimas eleições.
“Existe toda uma estrutura de apoio de Bolsonaro. Crivella está tentando reproduzir um modelo vitorioso de 2018 e que não foi desmontado, permanece forte”, explica o pesquisador. Trata-se de uma máquina eleitoral que, além do alegado apoio das milícias, conta com toda a influência de instituições evangélicas. Uma dobradinha que pode tornar a candidatura de Crivella, que começa a disputa com apenas 12% das intenções de voto, competitiva. Foi o que aconteceu com o atual governador do Estado, Wilson Witzel. O ex-juiz era desconhecido, mas colou seu nome ao de Flávio Bolsonaro, prometeu atirar “na cabecinha” de bandidos e decolou —um fenômeno que não aconteceu apenas no Rio em 2018, diga-se de passagem.
“Na zona oeste do Rio e em várias favelas dominadas por milícias, esse jogo vai ser decisivo. A máquina eleitoral bolsonarista está em pleno funcionamento. Essa coisa de a economia e os mercados não pararem durante a pandemia é grana para a milícia”, afirma Souza. Ele ainda explica que a milícia atua “intimidando eleitores, impondo candidatos e controlando urnas”, ao mesmo tempo em que coíbe outros candidatos de fazer campanha em suas áreas. “A aproximação é uma jogada. Bolsonaro pode dizer que não vai apoiar ninguém, mas há setores no Rio ligados a ele que estão em expansão”.
O pesquisador acredita que, a longo prazo, tanto Bolsonaro como Crivella desejam ganhar capilaridade eleitoral para as eleições de 2022. Mas a tarefa é menos simples do que parece. De acordo com a cientista política Camila Rocha, pesquisadora do CEBRAP que estuda o eleitorado bolsonarista e conservador, existe uma decepção entre aqueles que apostaram no atual presidente nas últimas eleições. Ela cita uma pesquisa qualitativa feita em conjunto com a socióloga Esther Solano que entrevistou por até três horas 27 eleitores de Bolsonaro que pertencem às classes populares.
“Dentro do segmento evangélico que Crivella representa, existe uma decepção bastante importante com a postura de Jair Bolsoanaro na pandemia, sobretudo entre as mulheres. São pessoas que o elegeram pensando que ele seria o candidato que protegeria a família e os bons costumes, e que estão chocadas com sua postura”, explica Rocha sobre os resultados do estudo. Apesar de as entrevistas terem sido feitas em São Paulo, ela acredita que a conclusão da pesquisa poderia facilmente ser replicada para o Rio de Janeiro. Ela ainda pondera que as outras candidaturas serão importantes para definir a força eleitoral de uma candidatura apoiada por Bolsonaro. “As pessoas se dizem decepcionadas, mas ao mesmo tempo afirmam que votariam nele de novo por falta de opção”. Ela explica que esses eleitores decepcionados e pouco entusiasmados, mas que ainda assim votariam Bolsonaro, estão entre os 30% que ainda apoiam o presidente, segundo as pesquisas de opinião.
O jogo no Rio segue embaralhado. Em primeiro lugar nas primeiras pesquisas está o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM). Marcelo Freixo (PSOL) aparecia em segundo lugar, mas o atual deputado federal abriu mão de sua candidatura. O partido deve lançar agora a deputada estadual Renata Souza. Benedita da Silva deve concorrer pelo PT, enquanto que a ex-delegada Marta Rocha disputará a partir de uma aliança entre seu partido, o PDT, com o PSB e a Rede. Correndo por fora ainda está o bolsonarista Rodrigo Amorim, deputado estadual PSL —e um dos que quebrou a placa de Marielle Franco durante a campanha de 2018—, que promete lançar candidatura.
Um antigo assessor de Crivella ressalta que em todas as disputas para cargos no executivo o bispo licenciado partia dos 20% dos votos. Agora ele começa com cerca de metade. Desde que assumiu, vem responsabilizando a antiga gestão Paes pela falta de recursos financeiros para executar seu programa eleitoral. Para se viabilizar no poder e, inclusive, evitar um impeachment, foi entregando cargos para os partidos da Câmara dos Vereadores. O prefeito que se elegeu prometendo cuidar das pessoas apela, agora, para a família Bolsonaro para tentar sobreviver. E a família presidencial, que surfou a onda da antipolítica, se associa cada vez mais aos políticos tradicionais para manter a chama do bolsonarismo acesa.
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