Anvisa libera testes rápidos para coronavírus nas farmácias, mas médicos alertam que eles não são passaporte para deixar quarentena
Medida que autoriza tipo de exame, que identificam anticorpos em quem teve a doença, divide envolvidos no setor, por diferença de qualidade e desempenho
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou nesta terça-feira uma proposta de aplicação de testes rápidos para detectar o coronavírus em farmácias e drogarias. Trata-se de um tipo de exame só detecta anticorpos em quem já foi infectado pelo vírus após um determinado período de tempo, em geral alguns dias depois. Se feito na data equivocada, pode resultar em um grande número de “falsos negativos”, ou seja, o resultado aponta que a pessoa não tem o vírus, ainda que ela o tenha. Além disso, há preocupação no setor com a grande variação de qualidade e desempenho dos testes disponíveis no mercado. Todo o quadro fazem com que os médicos vejam com cautela a liberação, frisando que os testes-rápidos não sejam usados como “passaporte” para abandonar a quarentena e as medidas de isolamento social.
A permissão para que farmácias e drogarias façam os testes deve valer apenas durante o período de situação de emergência de saúde pública nacional devido à pandemia. Atualmente, só os laboratórios e hospitais têm esse tipo de autorização. A medida não será obrigatória para todos os estabelecimentos, mas os que aderirem deverão contar com um profissional tecnicamente capacitado para realizar os testes durante todo o horário de expediente do local. A realização dos exames não servirá, no entanto, para a contagem de casos do coronavírus no país, que já passam de 71.000 em todo o Brasil. “O aumento [dos testes] será uma estratégia útil para diminuir a aglomeração de indivíduos [em hospitais] e também reduzir a procura dos serviços médicos em estabelecimento das redes públicas”, disse o diretor presidente substituto da Anvisa, Antonio Barra Torres.
Como é e quem deve fazer o teste
Os testes rápidos de imunocromatográficos para anticorpos (IgM e IgG) para o diagnóstico da covid-19, liberados para serem feitos na farmácia, identificam o anticorpo produzido pela pessoa após ter tido a infecção. Em geral, usa-se uma pequena amostra de sangue para detecção de anticorpos para o novo coronavírus. O resultado leva em torno de 10 a 30 minutos. Esse tipo de testagem é indicada a partir de sete dias após o início dos sintomas da doença. Caso seja feito antes, há uma chance grande de falso negativo, pois os anticorpos só surgem quando o corpo reage ao vírus, o que leva alguns dias. Já o teste molecular, que colhe materiais das vias respiratórias e identifica a presença de carga genética do novo coronavírus (RNA), feito apenas em laboratórios e hospitais, é mais indicado para o início dos sintomas, entre o 3º ou 5º dia, no máximo no 7º dia, e detecta a doença na fase aguda.
A Anvisa ressalta que os resultados dos testes rápidos em farmácias devem ser interpretados por um profissional de saúde, considerando informações clínicas, sinais e sintomas do paciente, além de outros exames. Somente com esse conjunto de dados é possível fazer a avaliação e o diagnóstico ou descarte da doença. "Os testes imunocromatográficos não possuem eficácia confirmatória, são auxiliares. Os testes com resultados negativos não excluem a possibilidade de infecção e os positivos não devem ser usados como evidência absoluta de infecção, devendo ser realizados outros exames laboratoriais confirmatórios”, disse Torres.
Em São Paulo, há uma grande procura pelo teste rápido na rede privada. Alguns laboratórios já investem, inclusive, em exames no esquema drive-thru ou com coleta domiciliar. O preço do teste varia de 200 a 500 reais. Já os testes do tipo RT-PCR, que detectam a carga genética do vírus, podem ser realizados apenas com pedido médico.
De acordo com a infectologista Rosona Maria Paiva dos Anjos, professora da PUC São Paulo, os exames que mostram se a pessoa já tem os anticorpos da doença não devem ser usados como pretexto para burlar as recomendações da quarentena nem os cuidados. “O grande problema é que ele não revela se o paciente conseguiu a imunidade adequada para não pegar mais o vírus. E, se você colher no dia errado, a possibilidade de um falso negativo é muito alta”, explica. Como esses exames são caros, a infectologista não acredita que haverá uma grande corrida à procura dos testes na farmácia. Ela alerta ainda que no caso de testar positivo, a pessoa precisa procurar um médico ou uma unidade de atendimento.
Marcos Vinícius da Silva, médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, defende que esses teste realizados em farmácia sejam apenas uma etapa de triagem para pessoas que estão na dúvida se contraíram ou não a doença, e concorda que os resultados positivos para coronavírus não devem ser utilizados como passaporte para descuidar das regras de isolamento e prevenção contra o coronavírus. “É uma doença nova, que não temos respostas certas ainda. Não sabemos se quem já pegou a doença está realmente imune”, explica.
O prazo para o testes chegarem às farmácias
A Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), rede que representa 8.000 farmácias no país, acredita que os testes estarão disponíveis para venda na segunda quinzena de maio, já que os farmacêuticos terão que passar por uma capacitação e muitas estabelecimentos terão que importar o produto. A ideia é que as pessoas passem por uma triagem antes de realizarem os testes e que as pessoas que relatarem sintomas tenham prioridade no atendimento.
Segundo a Abrafarma, o farmacêutico, que é o profissional habilitado para realizar o teste rápido, deve seguir um protocolo que inclui desde realizar o controle de qualidade do kit, e até mesmo reportar ao Ministério da Saúde os possíveis casos positivos. A associação afirmou que está finalizando um protocolo padrão de atendimento, de modo que tanto o paciente esteja seguro ao realizar o teste, quanto o profissional que vai realizá-lo seguir um padrão já estabelecido pelo governo federal na testagem.
De acordo com Abrafarma, os estabelecimentos estão ao alcance de milhões de brasileiros e, nesse momento de pandemia, têm um papel fundamental de esclarecer dúvidas, orientar a população e auxiliar na detecção da doença, contribuindo para desafogar o sistema de saúde.
A Anvisa ainda não deu detalhes de quais devem ser os requisitos mínimos para aplicação dos testes nas farmácias e drogarias e tampouco quais medidas devem ser adotadas para evitar o risco de transmissão nesses estabelecimentos. Em comunicado, a agência informou que irá publicar duas notas técnicas com orientações às farmácias e que a medida só entrará em vigor quando for publicada no Diário Oficial da União (D.O.U).
Na avaliação do presidente da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL), Carlos Eduardo Gouvea, a autorização dos testes em farmácias é importante para ampliar a capilaridade da testagem, já que os estabelecimentos estão presentes em todas as cidades do Brasil. Já a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) vê com preocupação a aprovação da medida, já que há inúmeras evidências de que os testes rápidos apresentam grande variação de qualidade e desempenho. Segundo a entidade, durante a análise da proposta não foi verificada citações sobre condicionantes ou mesmo a preocupação com a garantia de qualidade dos testes rápidos. “Esperamos que as vigilâncias sanitárias municipais ou estaduais possam exercer seu poder de fiscalização sobre os testes rápidos, a fim de beneficiar a saúde pública e garantir a segurança dos cidadãos brasileiros”, afirma em nota a Abramed.
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