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Coronavírus avança e Brasil recomenda isolar todos os pacientes com sintomas de gripe, mesmo sem teste

Nas áreas com transmissão sustentada, quem tiver síndrome gripal deverá cumprir quarentena assim como as pessoas com quem moram. Conselho Federal de Medicina libera consulta online

Beatriz Jucá
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.


17/03/2020 ONLY FOR USE IN SPAIN
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. 17/03/2020 ONLY FOR USE IN SPAINMarcello Casal/Agencia Brazil/dp / DPA (Europa Press)

O Brasil estabelece novas regras para o atendimento nos postos de saúde e aposta na capilaridade do SUS para conter o coronavírus. Isso acontece num contexto em que o Ministério da Saúde não consegue abraçar a testagem em massa para fechar o diagnóstico e trabalha num cenário em que a transmissão sustentada do vírus avança no país ―nesta quinta-feira (19) passaram de dois para seis os Estados com regiões onde já não é mais possível identificar a origem do contágio. Em uma entrevista coletiva cujas falas pareciam dirigidas ora para gestores e profissionais de saúde ora para a sociedade e para a imprensa, o ministro Luiz Henrique Mandetta e sua equipe anunciaram que, a partir de agora, pacientes que chegarem com sintomas de gripe comum nos postos de saúde deverão ser tratados como se estivessem infectados por coronavírus, mesmo sem a realização dos testes, que estão sendo racionados e aplicados apenas em caso de doentes graves.

Se até então a orientação era para a população buscar atendimento médico apenas ao apresentar febre e algum sintoma respiratório (como coriza, tosse ou falta de ar), a estratégia agora é isolar em casa pessoas com sintomas genéricos da gripe pelo menos nessas áreas mais críticas de transmissão. E usar as equipes de saúde na ponta para a triagem e o auxílio no monitoramento do avanço da doença. O desafio adiante, num país com um dos maiores sistemas de saúde públicos do mundo, mas com grandes desigualdades internas, é enorme quando, na ponta, profissionais já reclamam de precariedade.

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Pela primeira vez, o ministro Mandetta apresentou para a imprensa a diferença entre as curvas de contágio de coronavírus com e sem ações de distanciamento social. Apresentou vários cenários a partir dos estudos com os quais trabalha para defender que o melhor caminho para achatar a curva e evitar o colapso do sistema de saúde envolve o isolamento de infectados e de quem teve contato com eles, além do isolamento de pessoas com mais de 70 anos. Com base nisso, disse que, a partir de agora, a recomendação é de que os pacientes com sintomas de gripe recebam atestado de 14 dias para permanecer em isolamento domiciliar, assim como as pessoas com quem moram, estes últimos independentemente de apresentarem quaisquer sintomas. Mandetta também recomendou que pessoas a partir de 60 anos (portanto, com idade inferior ao de seus estudos) fiquem em isolamento domiciliar. E acrescentou que a recomendação pode virar determinação, caso o Governo observe que não está sendo obedecido. “Se isso não tiver efeito, vamos para a determinação”, diz. Em outros países da região, como a Argentina, a fase da imposição já começou, com quarentenas a partir desta sexta. No Brasil, Curitiba já obriga o isolamento domiciliar a idosos.

Por enquanto, essas normas específicas do Governo Federal valem apenas para as regiões que já têm transmissão sustentada no Brasil ―que são as cidades do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, a região de Tubarão (no sul de Santa Catarina) e os Estados de Pernambuco e São Paulo. A projeção, porém, é de que outros locais podem ser incluídos neste perfil nas próximas semanas. Segundo o Governo, a disseminação do coronavírus no Brasil tem seguido uma curva de alta velocidade de enfermos, como as observadas na China, no Irã e na maioria dos países da Europa.

Com base na experiência de países que conseguiram controlar melhor a doença, como a Coreia do Sul, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem orientado que se teste o máximo de pessoas possível. O ministro Mandetta, porém, explica que o Brasil não tem condições de testar uma expressiva parte de sua população (de 210 milhões de habitantes). “Por mais duro que seja, o Brasil vai trabalhar com números verdadeiros”, afirma. Até o momento, o Governo realizou cerca de 2.500 testes e distribuiu 17.000 entre os Estados. Apenas os pacientes com sintoma de gripe que evoluírem para um quadro respiratório mais grave estão sendo testados. É neste cenário que o Brasil contabiliza oficialmente 621 casos, mas potencialmente tem um número de infectados muito superior.

Na ponta, o diagnóstico deverá ser clínico (ou seja, baseado apenas na avaliação dos médicos). O novo protocolo de como tratar como Covid-19 quaisquer quadros de gripe foi explicado por Mandetta e seus técnicos na confusa coletiva desta quinta-feira. As autoridades de saúde apresentaram, por exemplo, qual deverá ser o fluxo de atendimento no SUS, que atende 85% da população brasileira, e a conduta dos médicos. Em meio a orientações especificamente voltadas aos profissionais de saúde, reforçaram que os postos de saúde deverão atender os casos leves e só deverão ser encaminhados às unidades de pronto-atendimento e aos hospitais os casos graves. As equipes de saúde deverão fazer a triagem nas unidades e usar a estrutura de acompanhamento que já existe no SUS para monitorar a evolução de doentes e orientar sobre o isolamento em casa. O ministro chegou a sugerir a criação de grupos de WhatsApp por agentes de saúde para esse contato mais direto com a população.

Já os postos deverão adequar o fluxo de atendimento e adaptar sua estrutura para diminuir o risco de contágio nas unidades e dar celeridade ao atendimento. Agora, as pessoas que forem até essas unidades deverão informar se têm sintomas respiratórios independentemente de apresentarem febre. Se tiverem, deverão receber máscaras e serem dirigidas a uma sala de isolamento dos demais pacientes na própria unidade de saúde. Lá, deverão ficar em uma distância mínima de dois metros entre eles. O Ministério da Saúde também recomenda que as salas fiquem com janelas abertas, sem uso de ar-condicionado. Seguir essas orientações é um desafio num país em que há profunda desigualdade estrutural entre as unidades de saúde de interior e de capital, além da assimetria entre as regiões do Brasil.

Desigualdade no SUS e telemedicina

Nos postos de saúde, profissionais têm reclamado da falta de insumos básicos e de proteção para eles e para os pacientes. Além disso, há postos com apenas com a sala do médico e a recepção. O ministro estimula os gestores locais a se adaptarem para prestar esse atendimento, com os recursos extras já disponibilizados para quem aderir ao horário de funcionamento extendido.

Na esfera privada, também há desafios para evitar que um grande volume de pessoas procure hospitais e pronto-socorros diante da crise do coronavírus. Juntamente com os consultórios médicos, são essas as principais unidades procuradas por quem tem plano de saúde e não costuma ser acompanhado por um médico da família. É nesse sentido que o Ministério da Saúde trabalha para desburocratizar a utilização de recursos do chamado Fundo Garantidor da Saúde Suplementar, uma reserva da operadora para cobrir despesas em situações de emergência e regulada pelo Governo. Eles poderão usar até 10 bilhões de reais em ações de enfrentamento, informa Mandetta. O ministro orienta que esse recurso seja usado para ampliar a oferta de leitos hospitalares, mas também para criar estruturas para um atendimento equivalente aos dos postos do SUS a quem tem plano de saúde. Salas de espera em consultórios com aglomeração de pessoas também devem ser evitadas para frear a propagação do coronavírus.

Para reduzir a sobrecarga nos consultórios e ampliar a margem para diagnóstico clínico, o Conselho Federal de Medicina também regulou nesta quinta-feira (19) a telemedicina no país enquanto durar a crise pelo coronavírus. A ideia é que consultas e orientações possam ser feitas online.


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