Quem faz a São Paulo que não pode parar por causa do coronavírus
No epicentro do contágio do Covid-19 no Brasil, trabalhadores que prestam serviços essenciais, inclusive para quem está em isolamento, precisam seguir suas rotinas
Fora de casa, do confinamento que algumas pessoas aceitam ou precisam atravessar, a vida continua. Nas ruas do centro de São Paulo, o movimento é visivelmente menor por causa da pandemia do coronavírus. E promete diminuir ainda mais a partir de sexta (30), quando entra em vigor um decreto da prefeitura que proíbe o funcionamento de comércios que não sejam essenciais, como os do setor de alimento ou farmácias. Mas entregadores de aplicativos pedalam mais do que nunca e os comércios, bares e restaurantes seguem abertos e com demanda —alguns, oferecendo álcool em gel para os clientes—, apesar da recomendação das autoridades sanitárias e da prefeitura para que as pessoas fiquem em casa. Em muitos casos esses trabalhadores e trabalhadoras oferecem serviços essenciais inclusive para quem vai passar por quarentena ou trabalhar de casa. Afinal, como comprar comida no supermercado, fazer pedidos por aplicativos de delivery ou comprar remédios se não houver pessoas por trás trabalhando?
Para elas, muitas sem contrato formal de trabalho e sem nenhum tipo de proteção trabalhista ou social, não existe a possibilidade de home office ou teletrabalho. Ser dispensado pelo patrão ou parar totalmente suas atividades pode significar não ter dinheiro para comer no fim do mês. Algumas ainda nem cogitam essa possibilidade. A ficha ainda não caiu. “Sinceramente, ainda não parei para pensar nessa questão. Eu sei que é real e que essa pandemia talvez realmente piore e vamos ter que todos ficar dentro de casa a ponto do entregador não poder trabalhar. Mas é algo que não estou pensado”, conta Matheus Barboza. O rapaz, de 23 anos, trabalha há seis meses fazendo entregas de comida pelos aplicativos Uber Eats e Ifood.
Barboza conta que as entregas aumentaram bastante nos últimos dias, o que coincide com os dados divulgados pela Rappi, outra das principais empresas de entrega por aplicativo. Segundo a companhia, as entregas de produtos de supermercado, restaurantes e farmácias triplicaram em todo o país nas últimas duas semanas em razão da mudança de hábito das pessoas. No mesmo período houve um aumento de 30% em todos os pedidos na América Latina. “Consigo fazer uns 100 reais por dia, ou até 2.000 reais por mês, trabalhando oito ou nove horas diárias de segunda a sábado”, explica Barboza.
O Ifood e a Uber Eats não divulgaram seus dados, embora tenham criado algumas medidas para que pessoas como Barboza possam continuar trabalhando em meio à pandemia. A primeira empresa criou um fundo de um milhão de reais para auxiliar aqueles entregadores que precisem realizar quarentena, além de ter estabelecido um protocolo de entrega sem contato. Já a segunda também se comprometeu a dar assistência financeira por até 14 dias aos entregadores cadastrados que entrarem em quarentena ou testarem positivo para o coronavírus. A Rappi também criou um fundo e está entregando kits com álcool em gel, desinfetantes e máscaras para entregadores. “Hoje já não cumprimento mais as pessoas, principalmente os outros entregadores. E em todos os lugares com banheiro eu aproveito para lavar a mão”, comenta Barboza.
Em situação similar se encontram aqueles que trabalham nos restaurantes do centro da capital paulista: precisam continuar atendendo a demanda. Além do atendimento convencional, em alguns estabelecimentos já se nota um aumento da clientela que compra sua comida e leva para a casa, como as autoridades vêm estimulando fazer. “Sempre trabalhei em bares e restaurantes atendendo as pessoas. Tem que estar presente toda hora. Não pensei como seria ter que parar”, comenta o garçom Antonio Mike, de 26 anos. Por ora, ele também segue as recomendações e utiliza álcool em gel, lava a mão a todo momento e evita cumprimentar as pessoas com toque. “Até o cliente entende, né. A gente pensa no que pode acontecer e dá medo, dá medo de perder o trampo”, explica. “Espero que essa epidemia acabe logo e a vida volte ao normal”.
Em uma farmácia local das redondezas, Antonio Edson Oliveira comenta com uma cliente que as portas permanecerão abertas. “Aqui é setor de saúde, é impossível fechar. O álcool gel chega às 11h e acaba às 12h. E tem gente tentando fazer em casa...", conta. Também já não há máscaras, e medicações que aumentam a resistência da pessoa, como vitamina C, também são muito vendidos. "As pessoas precisam parar de acreditar no que veem na internet e começar a se cuidar de verdade”, acrescenta ele, que diz usar máscara e manter certa distância na hora de atender alguém. Acredita que seu trabalho é mais importante do que nunca. Além das farmácias, só podem permanecer abertos os hipermercados e supermercados, as padarias, os postos de gasolina, as lojas de conveniência, restaurantes e lanchonetes, lojas de produtos para animais e feiras livres, de acordo com o decreto da Prefeitura.
A vendedora Sandra, que trabalha num supermercado, e também continuará trabalhando nos próximos dias, olha para a imensa fila de pessoas em direção ao caixa. Para uma tarde de terça-feira, o movimento é incomum: “Estamos vendendo muito, os produtos acabam em um instante”, explica. Grandes marcas como Extra ou Pão de Açúcar estão limitando a venda de determinados produtos, como papel higiênico, para que o estoque não acabe. Além disso, em países que vivem em quarentena obrigatória, como na Itália, as autoridades estabeleceram protocolos para os clientes: só podem entrar uma pequena quantidade de pessoas por vez no estabelecimento, e uma fila de pessoas se forma do lado de fora.
Sandra diz que, por enquanto, o dono de seu mercado ainda não comunicou nenhuma medida de fechamento ou de funcionamento. Ela afirma não temer ficar desempregada porque acredita no bom senso de seu patrão. “Mas acho que em algum momento todos teremos que parar”.
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