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Família Bolsonaro molda narrativa ambígua para se descolar de miliciano morto na Bahia

De nome evitado pelo presidente e seus filhos a mártir político, Adriano da Nóbrega vira munição do bolsonarismo para atacar opositores da esquerda

O senador Flávio e o presidente Jair Bolsonaro, em Brasília.
O senador Flávio e o presidente Jair Bolsonaro, em Brasília.Ueslei Marcelino (Reuters)

Durante os 13 meses em que Adriano da Nóbrega permaneceu foragido, o senador Flávio Bolsonaro optou pela discrição e evitava se referir ao ex-policial que ele havia homenageado nos tempos de deputado. Mas, no último sábado, o parlamentar surpreendeu jornalistas ao assumir voluntariamente o microfone em uma inauguração de obra no Rio de Janeiro. “O que vocês querem perguntar sobre o Adriano?”, bradou o primogênito do clã Bolsonaro aos repórteres. Reivindicação de aliados bolsonaristas críticos à falta de firmeza do senador para contestar as acusações de envolvimento com milícias e o suposto esquema de rachadinha entre funcionários de gabinete, a mudança de postura não apenas agradou uma ala de correligionários, como marcou a virada de narrativa da família para se desgarrar da imagem do miliciano morto no último dia 9 de fevereiro em uma operação da polícia na Bahia.

“Eu, como deputado estadual, homenageei centenas e centenas de policiais militares que sobreviviam à troca de tiros contra traficantes. Condecorei Adriano há mais de 15 anos. Não adianta querer me vincular, porque eu não tenho nada com milícia”, afirmou o senador. Na mesma ocasião, o presidente Jair Bolsonaro, que até então se esquivava de comentar sobre vínculos com Adriano da Nóbrega, subiu o tom ao direcionar a responsabilidade pela morte do ex-PM às autoridades baianas. “Conheci o Adriano em 2005 e nunca mais tive contato com ele. As pessoas mudam, para o bem e para o mal… Mas quem matou o capitão Adriano foi a polícia da Bahia, do PT.”

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A mudança de discurso é abrupta, e o fato do ex-capitão do Bope ter morrido na Bahia deu mais elementos para esse ‘cavalo de pau’ na narrativa. Os ataques ao governador petista da Bahia, Rui Costa, não cessaram desde aquele breve encontro com a imprensa. O Estado é responsável pelo comando da polícia que matou Adriano da Nóbrega.

Em seu perfil no Twitter, naquele mesmo sábado, o presidente acusou a PM baiana de “provável execução sumária” de Nóbrega. Acrescentou que Costa “mantém fortíssimos laços de amizade com bandidos condenados em segunda instância”, em referência ao ex-presidente Lula. A provocação era um contra-ataque à réplica do governador, que havia respondido às declarações de Bolsonaro afirmando, também via rede social, que o protocolo da polícia na Bahia é prender criminosos com vida, “ainda que os marginais mantenham laços de amizade com a Presidência”. Os comentários do presidente serviram de ensejo para que 20 governadores, incluindo Rui Costa, divulgassem uma carta conjunta criticando-o por cruzar limites institucionais do cargo.

Nem por isso Bolsonaro recuou. Nesta terça-feira (18), voltou a utilizar o Twitter ao cobrar perícia independente para o que chama de possível “queima de arquivo”. Questionou ainda a respeito de quem vai periciar os celulares de Adriano da Nóbrega, apreendidos pela polícia, sugerindo a hipótese de mensagens e áudios forjados com intuito de acusar inocentes pelo crime. Um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, compartilhou a mensagem nas redes, indagando que “tem gente que não quer uma investigação decente, por quê?”. Já o senador Flávio apelou à exibição de imagens sensíveis, a ponto de publicar um vídeo que seria do corpo de Nóbrega com marcas de agressão nas costas, além do boletim de ocorrência registrado pela polícia baiana, que informa sobre uma suposta troca de tiros durante a ação. “Quem está fraudando os registros? Para esconder o quê? Quem mandou matar Adriano?”, postou.

Pouco depois da sequência de publicações dos Bolsonaro, sugerindo que Nóbrega teria sido torturado antes de morrer, a Justiça da Bahia determinou a realização de nova perícia no corpo do miliciano, agora a cargo do Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro. Em 12 de fevereiro, três dias depois da morte, Flávio se manifestou publicamente sobre o assunto pela primeira vez, alegando ter recebido uma denúncia de ocultação de provas relativas à ação policial. “Acaba de chegar a meu conhecimento que há pessoas acelerando a cremação de Adriano da Nóbrega para sumir com as evidências de que ele foi brutalmente assassinado na Bahia. Rogo às autoridades competentes que impeçam isso e elucidem o que de fato houve.” O corpo do ex-policial só poderá ser cremado após a nova perícia.

Comparações a Marielle e Celso Daniel

Mesmo sob o risco de levar ao Planalto o desgaste pela vinculação ao miliciano, o presidente Jair Bolsonaro dobrou a aposta na estratégia de alimentar narrativas ambíguas a fim de blindar sua família dos desdobramentos do caso. Enquanto reitera não ter mantido relacionamento próximo com Adriano da Nóbrega, o núcleo duro do bolsonarismo —à exceção do vereador Carlos Bolsonaro, que ainda não se pronunciou— confere status de mártir ao ex-PM como forma de equiparar sua morte à de Marielle Franco e, ao mesmo tempo, reacender o caso Celso Daniel. Na mesma postagem em que atacava o governador da Bahia, o presidente aproveitou para provocar petistas com insinuações sobre o assassinato do ex-prefeito de Santo André. “É um caso semelhante à queima de arquivo do ex-prefeito Celso Daniel, onde seu partido, o PT, nunca se preocupou em elucidá-lo, muito pelo contrário”, escreveu.

Montagens com a foto do miliciano e a frase “Quem mandou matar Adriano?” circulam por grupos bolsonaristas, que também comparam sua morte à de Celso Daniel. Em 2005, Nóbrega recebeu de Flávio Bolsonaro a Medalha Tiradentes, tradicional honraria concedida pela Assembleia Legislativa do Rio. Ele cumpria pena de prisão pelo assassinato de um guardador de carros que denunciou ter sido extorquido por PMs de uma milícia chefiada por Nóbrega, que acabou inocentado em segunda instância e colocado em liberdade. Antes de morrer, o ex-policial foi investigado por liderar o grupo conhecido como Escritório do Crime, em que teriam sido recrutados os assassinos de Marielle Franco. Apesar da ficha criminal, o presidente Bolsonaro não hesitou em ressaltar no último sábado as virtudes de Nóbrega como PM.

“Não tem nenhuma sentença que tenha trânsito em julgado condenando o capitão Adriano por nada. Sem querer defendê-lo. Desconheço a vida pregressa dele. Naquele ano [2005], ele era um herói da Polícia Militar”, disse o presidente, que se assumiu como mentor da condecoração, garantindo que teria orientado o filho a prestar a homenagem. “Não existe nenhuma ligação minha com a milícia do Rio de Janeiro. Zero.” Porém, a relação de Nóbrega com Flávio Bolsonaro vai além da medalha concedida há 15 anos, de acordo com investigação do Ministério Público do Rio.

A mãe e a ex-mulher do miliciano trabalhavam no gabinete do então deputado estadual, e são suspeitos de terem integrado uma lista de funcionárias fantasmas. Ou seja, emprestavam seu nome para receber salários embora não batessem ponto no gabinete. Mas, segundo inquérito do MP, Nóbrega se beneficiava diretamente do esquema de rachadinha —a apropriação de parte dos salários de funcionários— que supostamente ocorria no antigo gabinete de Flávio. O senador nega. O elo entre a esposa e Nóbrega seria o motorista Fabrício Queiroz, ex-assessor do parlamentar e apontado como operador do esquema, ainda hoje foragido. Queiroz e Nóbrega se conhecem de longa data, e ambos respondem por homicídio cometido em 2003.

A postura agressiva dos Bolsonaro ao mergulhar de cabeça no caso também direciona canhões para o PSOL, que, juntamente com PT e Rede, entraram com pedido de cassação do mandato de Flávio Bolsonaro por suposto envolvimento com milícias. Antes de estabelecer o paralelo entre as mortes de Nóbrega e Marielle, o presidente voltou a mirar o partido de esquerda, relembrando que Adélio Bispo, que o esfaqueou em 2018, chegou a ser filiado à legenda psolista. “Os brasileiros honestos querem os nomes dos mandantes das mortes do prefeito Celso Daniel, da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, do ex-capitão Adriano da Nóbrega, bem como os nomes dos mandantes da tentativa de homicídio de Jair Bolsonaro”, escreveu o presidente, em que pese nunca ter feito alguma declaração espontânea em defesa do esclarecimento da morte de Marielle e Anderson, nem mesmo no dia do assassinato, em 14 de março de 2018.

Embora a narrativa atual se empenhe em pintá-la como maior interessada no desfecho das investigações sobre a operação policial na Bahia, a família Bolsonaro segue no olho do furacão desencadeado pela morte de Nóbrega. A oposição aumenta as pressões pelo andamento dos processos contra Flávio no caso das rachadinhas e o possível elo com milícias. “O presidente, acuado com a verdade, apela a mentiras para desviar o foco de suas ligações com Adriano da Nóbrega”, afirma o deputado Marcelo Freixo, do PSOL. Já aliados mais pragmáticos do presidente temem que o Governo seja novamente afetado pelo escândalo envolvendo seu filho mais velho, além de se espantarem com a indiscrição repentina do clã ao abordar o assunto. Nas poucas ocasiões em que falou sobre a relação com Nóbrega, antes de sua morte, Flávio Bolsonaro preferia ser evasivo, dizendo que “se ele for culpado, que sinta o peso da lei”. Morto, Nóbrega ganhou ares de vítima e mártir na voz do presidente e sua família.

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