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Aposta de Bolsonaro em sigla própria de ultradireita testa relação com Congresso

Com gesto inédito, presidente aprofunda distância do presidencialismo de coalizão. Aliança pelo Brasil arregimenta fiéis, como Daniel Silveira, que fez discurso contra negros às vésperas do Dia da Consciência Negra

Bolsonaro na cerimônia do Dia do Bandeira.
Bolsonaro na cerimônia do Dia do Bandeira. UESLEI MARCELINO (REUTERS)

A iniciativa do presidente Jair Bolsonaro de criar o seu partido de extrema direita deve aprofundar o fosso da articulação política de seu Governo com o Congresso Nacional. Uma primeira prova sobre o impacto do anúncio dele de abandonar o PSL, formalizado nesta terça-feira, e tentar fundar a Aliança pelo Brasil deve ocorrer ainda nesta semana quando a Câmara dos Deputados planeja votar a medida provisória 890, que trata do programa Médicos Pelo Brasil. A MP caduca no próximo dia 28 e, se não for aprovada pelas duas Casas até lá, corre-se o risco de deixar quase 10 milhões de pessoas sem assistência médica. Esses cidadãos seriam atendidos por cerca de 3.000 médicos que precisam de uma nova lei para terem seus contratos efetivados.

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Ao se desfiliar do PSL, Bolsonaro se tornou o primeiro dos 38 presidentes em 130 anos de República brasileira a trocar de legenda enquanto está no poder. O PSL tem hoje a segunda maior bancada da Câmara, com 53 deputados e, até então, tem sido a mais fiel ao Governo, ao votar favorável em 98% das propostas que chegam do Palácio do Planalto. Dessa bancada, entre 25 e 30 parlamentares devem acompanhar Bolsonaro na nova legenda na próxima janela de transferência partidária, em março de 2020. Ou seja, o presidente não conseguiu convencer todos os deputados que se elegeram por terem vinculado suas imagens à dele.

“É um vexame um presidente só conseguir levar metade de um partido. Eles se elegeram de fato pelo prestígio do Bolsonaro e nem isso o presidente conseguiu manter”, avaliou Carlos Ranulfo Félix de Melo, professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Com um potencial novo partido, Bolsonaro também demonstra que não pretende investir no presidencialismo de coalizão, que imperou no país em todos os Governos após a redemocratização. “Independentemente de ser PSL ou Aliança pelo Brasil. Ele se recusou a fazer qualquer acordo ou coalizão. A tendência é que siga assim até que um novo presidente assuma o poder”, opinou o especialista da UFMG.

Na avaliação desse professor, o Governo está refém do Congresso e não consegue emplacar seus projetos sem que os parlamentares o modifiquem como bem entenderem. “Só se vota e se aprova o que o Rodrigo Maia [presidente da Câmara] quiser. Isso porque o Governo não articula. Não conversa com ninguém”, afirmou Melo. 

Uma legenda de extrema direita

Com o gesto de desfiliar em plena Presidência, Bolsonaro acaba repetindo um ato tomado por Hugo Chávez (1954-2013) em 2006, quando o ex-presidente venezuelano também iniciou um processo de criação de seu próprio partido, o PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela), já no poder. Entre as semelhanças no discurso dos dois, está a defesa da "refundação" do sistema político, a aliança com os militares e o desprezo pela oposição como interlocutora válida. Além do posicionamento ideológico antípoda, outra diferença é que, na época da criação do PSUV, Chávez tinha maioria congressual. Algo que Bolsonaro nunca buscou ter.

Uma outra característica da legenda que Bolsonaro e seus apoiadores planejam criar é seu posicionamento na extrema direita. Em caso de sucesso —para começar, terão de conseguir 500.000 assinaturas até o ano que vem— , será a primeira vez que o país terá um partido com representatividade nesse campo ideológico. “Antes só tivemos o integralismo, mas era residual, sem expressão política”, explicou o professor Melo, citando o movimento do começo do século 20.

Um manifesto divulgado pelos bolsonaristas e que deve compor parte do estatuto de criação da sigla, mostra que a Aliança pelo Brasil terá um caráter nacionalista, preocupado com as pautas de costumes e centrada na figura do presidente. No documento, há a citação de que os “aliados”, como os filiados querem ser chamados, “almejam livrar o país dos larápios, dos ‘espertos’, dos demagogos e dos traidores que enganam os pobres e os ignorantes que eles mesmo mantêm, para se fartar”. Há citações à família, aos religiosos, aos militares e uma referência ao slogan de Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”.

A julgar pelos bolsonaristas fiéis que já anunciaram adesão, a nova sigla trilhará o caminho do líder, de não se furtar a fazer declarações ofensivas a minorias para se diferenciar no tabuleiro político e conseguir coesão da base. Nesta terça-feira, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) subiu à tribuna da Câmara para contestar dados de que os negros morrem mais nas mãos da polícia no Brasil. Silveira, inglório por quebrar uma placa em homenagem da vereadora assasinada Marielle Franco, já confirmou que migra para o Aliança.

Apesar da empolgação dos apoiadores do presidente, que marcaram a convenção nacional para esta quinta-feira, haverá dificuldades para a aprovação da legenda. Um dos partidos que conseguiu ser criado em tempo recorde foi o PSD, que levou pouco mais de dois anos para reunir 500.000 assinaturas em nove unidades da federação. Se quiserem, de fato, participar das eleições municipais de 2020, os bolsonaristas têm pouco mais de quatro meses para concluir todos os trâmites burocráticos. O prazo limite para disputar o pleito é abril do ano que vem.

Caso não consigam fundar o partido, o plano B seria uma migração massiva para alguma legenda de direita até que o Aliança seja criado, na expectativa de disputarem a eleição de 2022. Para tentar agilizar a criação de seu partido, Bolsonaro contratou o mesmo advogado que atuou na fundação do PSD, o ex-ministro do TSE Admar Gonzaga.

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