_
_
_
_
_

O ‘bolsonarismo puro’ testa sua força em manifestações de rua pela primeira vez

Sem apoio do MBL, grupos como Revoltados Online, Movimento Avança Brasil e Clube Militar anunciam atos em 350 cidades neste domingo em apoio irrestrito ao Executivo. Mensagens radicais no WhatsApp provoca mal-estar e levanta dúvidas

O presidente Jair Bolsonaro tira fotos com seus apoiadores em Brasília, no dia 21 de maio.
O presidente Jair Bolsonaro tira fotos com seus apoiadores em Brasília, no dia 21 de maio.Eraldo Peres (AP)

Na semana em que registrou reprovação maior do aprovação pela primeira vez, o Governo Bolsonaro testa sua força nas ruas, com manifestações de apoio, as primeiras depois das eleições de outubro, convocadas para o domingo (26/05). O chamado começou a circular nas redes sociais na sexta-feira, 17 de maio, apenas dois dias depois de que milhares de estudantes e professores foram às ruas para protestar em 26 Estados contra os cortes de orçamento no Ministério da Educação. Capitaneada por grupos como Revoltados Online, Movimento Avança Brasil, Clube Militar e outros —que anunciam atos em 350 cidades do país—, a convocatória pautava em memes e cartazes, inicialmente, o fechamento do Congresso e o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nos últimos dias, no entanto, os apoiadores do presidente adotaram como tom geral o apoio irrestrito ao Executivo de Jair Bolsonaro e suas reformas. Para os especialistas ouvidos por EL PAÍS, esse será o primeiro teste real da força do bolsonarismo nas ruas, ainda que as mensagens radicais que circulam nos grupos bolsonaristas do WhatsApp provoquem mal-estar e dúvidas na cúpula do Congresso .

Uma das imagens que circula nos grupos de Whatsapp pró-Governo desde o dia 17 de maio.
Uma das imagens que circula nos grupos de Whatsapp pró-Governo desde o dia 17 de maio.

Depois de endossar e fazer propagandas dos atos nas redes sociais ligadas à família, o próprio presidente, no entanto, disse que não ira às ruas e orientou seus ministros a não fazê-lo —num movimento de declarações e recuos que envolvem todo o ciclo midiático nos vai-e-vens do Governo que é comum desde que chegou a Planalto. "O presidente gostaria de declarar que as manifestações têm sempre caráter livre e espontâneo, especialmente essa que estamos tratando, que deve ser pacífica, não sendo contra grupos ou instituições", afirmou na terça-feira o General Rêgo Barros, porta-voz da Presidência. “Não estou participando das manifestações. É uma manifestação espontânea, tenho certeza que ocorrerá dentro da normalidades, sem qualquer agressão às instituições ou a pessoas em si. Pelo que estou vendo, é uma manifestação que tem uma pauta, uma pauta de alavancar o Brasil para o futuro”, reafirmou Bolsonaro esta sexta em Petrolina, durante sua primeira viagem ao Nordeste.    

Para Fabio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), as manifestações são uma tentativa do "núcleo duro" do presidente de mostrar apoio popular e, assim, pressionar o Congresso para votar favoravelmente suas reformas, como a da Previdência. "É uma queda de braço em que o Governo, em vez de utilizar recursos institucionais, em vez de usar a caneta, pressiona o Congresso com sua base de apoio popular, que continua enorme nas redes sociais", diz. Malini também explica que as manifestações têm sido convocadas por estruturas ligadas aos deputados estaduais e federais articulados com o PSL. O Instituto Brasil 200 —movimento de empresários liderado por Flávio Rocha, dono da Riachuelo, e que também conta com Luciano Hang (dono da Havan) e João Appolinário (Polishop)—, que estava reticente em incentivar a adesão aos atos no início, anunciou nesta sexta sua mudança de posição.  

Com o objetivo de demonstrar apoio à reforma da Previdência, ao pacote anticrime do ministro Sergio Moro, à aprovação da medida provisória 870 (que enxuga a estrutura do Governo), os manifestantes também pedem a continuidade da Operação Lava Jato e defendem a obrigação do voto nominal como estratégia para constranger parlamentares em projetos polêmicos. No entanto, grupos robustos que convocaram no passado diversos atos anticorrupção e articularam o impeachment de Dilma Rousseff, como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua, não aderiram à iniciativa, devido a seu caráter "radical" nas propostas contra o Legislativo e o STF.

A deputada estadual pelo PSL Janaina Paschoal (uma das redatoras do pedido de impeachment de Rousseff) também mostrou-se contrária aos atos: "Essas manifestações não têm racionalidade. O presidente foi eleito para governar nas regras democráticas. [...] Pelo amor de Deus, parem as convocações! Essas pessoas precisam de um choque de realidade. Não tem sentido quem está com o poder convocar manifestações! Raciocinem!", escreveu no Twitter.

"Essa situação criou um racha na direita, mas isso não significa, necessariamente, que Bolsonaro enfraquecerá. Pode indicar apenas que ele pode prescindir desses grupos maiores para incidir sobre o antipetismo", avalia Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. "Será o primeiro teste do bolsonarismo tomando a frente nas ruas", acrescenta.  

Para Márcio Moretto, professor de Sistemas de Informação da USP e responsável pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, é importante destacar que os atos serão puxados por grupos menores, que não haviam aparecido na esfera pública até o momento. Em São Paulo, por exemplo, dos dez grupos que negociaram com a Polícia a organização da manifestação, apenas o Revoltados Online havia coordenado outras marchas. "São esses grupos pequenos que vão puxar os carros de som. Só no domingo veremos o quanto eles terão de capacidade de articulação", comenta.

Fabio Malini não acredita, no entanto, que a influência de grupos como o MBL e o Vem pra Rua tenham capacidade de esvaziar os atos pró-Bolsonaro. "Principalmente porque eles nunca estiveram realmente com Bolsonaro. O apoio no segundo turno foi oportunista, iria para qualquer candidato antipetista. O MBL, por exemplo já tinha um afastamento com Bolsonaro, porque ele foi contra a Reforma da Previdência de Michel Temer. Sempre foi uma relação de desconfiança mútua", afirma. Segundo o especialista, é a base popular que o presidente sempre teve, mesmo antes das eleições nas redes sociais, que dará a dimensão de seu apoio nas ruas. "Antes da campanha, ele já engajava 700 mil pessoas por semana no Facebook", lembra Malini.

De acordo com as medições do Monitor do Debate Político no Meio Digital, o posicionamento crítico do MBL prejudicou, de momento, mais ao próprio movimento do que à convocatória. "Depois de criticarem as manifestações, eles perderam quase 15% de seguidores no Youtube e cerca de 2% no Facebook. Para um grupo com uma base de 7 milhões de apoiadores, esses são números consideráveis", explica Márcio Moretto.

À espera do que as ruas demonstraram no dia 26, Malini aposta que a convocatória conseguirá mobilizar pessoas que formaram a base mais fiel do eleitorado bolsonarista, em torno de 28% que consideram a gestão como ótima e boa, de acordo com a pesquisa Atlas Político. Moretto, por sua vez, avalia que se os atos tiverem grandes dimensões, o Governo sairá fortalecido. "E esses grupos como o MBL, que surgiram na arena política em 2013 e 2014 seriam debilitados", acrescenta. Só o domingo dirá.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_