_
_
_
_
_

Bolsonaro mede força contra o ‘parlamentarismo branco’ de Maia

Planalto e Congresso disputam espaço pelo protagonismo político no Brasil. Desalinhamento com Congresso obriga presidente a mudar equipe e aumentar emendas para obter sucesso em votações pontuais

Jair Bolsonaro em Osaka, no Japão.
Jair Bolsonaro em Osaka, no Japão.LUDOVIC MARIN (AFP)
Mais informações
Políticas ambientais de Bolsonaro põem Brasil sob ataque no G20
Carentes de boas notícias econômicas, Bolsonaro e Macri capitalizam com pacto com UE

Mais Brasil, menos Brasília. O bordão adotado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) ainda durante a campanha dava pistas da distância regulamentar que ele pretendia manter em seu Governo dos partidos políticos que atuam no Congresso Nacional. Para agradar sua base eleitoral insatisfeita com a política tradicional, alardeou que evitaria o "toma lá, dá cá", como se referia a troca de cargos por apoio no Parlamento. Acreditava que poderia manter a pressão sobre o Congresso com sua força nas redes sociais e nas ruas. O presidente, entretanto, acabou refém de um efeito colateral desta postura: não conseguiu montar uma base sólida de deputados e senadores e viu surgir uma espécie de parlamentarismo branco, onde quem dá as cartas dos principais projetos é o Legislativo. A reação de Bolsonaro veio em forma de desabafo na semana passada: "Querem me deixar como a rainha da Inglaterra?", perguntou.

Nas últimas semanas, ao menos três atos deixaram essa relação bem clara: a reedição do decreto de armas, que havia sido derrubado pelo Senado Federal e estava em vias de cair também na Câmara; a derrota do ministro da Economia, Paulo Guedes, que não conseguiu reincluir a capitalização na reforma da Previdência e nem retirar a taxação de bancos prevista no relatório a ser votado nos próximos dias; e a queda de uma medida provisória que tentava transferir a demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura.

Sem os avanços esperados nesses seis meses de Governo, coube a Bolsonaro tentar fazer um rearranjo em sua equipe. Enfraqueceu o poder seu aliado de primeira hora, o ministro da Casa Civil e deputado licenciado, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), de quem retirou a articulação política e a análise da constitucionalidade dos projetos de lei. Agora, essas funções serão feitas pelo general Luiz Eduardo Ramos, o novo titular da secretaria de Governo após a saída do também general Carlos Alberto Santos Cruz. Ele também tem aumentado o número de emendas liberadas para deputados: para conseguir apoio para a reforma da Presidência, por exemplo, liberou 10 milhões de reais de emendas extras para cada deputado. 

Um levantamento da consultoria Arko Advice mostra que o apoio médio da Câmara aos projetos de interesse do Governo aumentou em relação aos dois meses anteriores. Em junho, foi de 56,14% em junho dentre os 513 deputados —quando considerados apenas os presentes às votações, essa média sobre para 77,08%. O levantamento analisou 11 votações nominais e abertas. O Governo foi derrotado em três delas: duas sobre a geração de fornecimento de energia e outra em um destaque em uma emenda do Orçamento Impositivo. Os dados da consultoria ainda apontam que, quando se considera o percentual de apoio em relação ao total das bancadas, os partidos mais fiéis ao governo foram PMN (68,18%), Novo (67,04%), PSDB (65,75%), PSL (65,65%) e PHS (63,63%).

Outro levantamento, desta vez do projeto Basômetro do jornal O Estado de S. Paulo, aponta que o índice de aprovação dos projetos de Bolsonaro no Congresso, até agora, está dentro da média histórica dos mandatários brasileiros: 76% das propostas apoiadas por ele passaram na Câmara (a média desde 2003 é de 75%). Mas o desgaste que ele vem sofrendo é muito maior do que seus antecessores, especialmente porque as derrotas têm acontecido em projetos bastante caros ao Governo. A derrubada do decreto das armas ou a reforma administrativa que retirou o Conselho de Controle da Atividade Financeira (COAF) do Ministério da Justiça são alguns desses exemplos.

“Há três meses chamei o Rodrigo Maia [presidente da Câmara] de primeiro-ministro. E essa mudança de paradigma só acontece porque o presidente Bolsonaro decidiu que não ia ter uma base no Congresso”, disse o próprio líder do partido de Bolsonaro na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), um dos primeiros a chamar a atenção para o protagonismo do Congresso. Entre os opositores, a avaliação é de que há um vácuo a ser ocupado na política. “O Congresso tenta se tornar protagonista pela incapacidade política de relacionamento que o presidente tem com Congresso. Ele passou 28 anos aqui e só pensava em suas causas, não nas do país ou do Parlamento”, avaliou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), um dos parlamentares mais experientes da atual legislatura, com cinco mandatos.

Nos últimos anos, a relação do Executivo com o Legislativo se firmou em um presidencialismo de coalizão, onde alianças com o maior número de partidos fortaleceu o poder do presidente da vez. Com isso, apesar de os presidente do Senado e da Câmara ditarem a agenda de votações, a boa relação com o mandatário permitia que ele pautasse o debate nacional, tendo boa parte de suas propostas aprovadas —à exceção de Dilma Rousseff, no último mandato, que viu sua base esvair a medida que os gritos de impeachment ganhavam força.

A solução dos parlamentares no momento é baseada em um comportamento dúbio. “As agendas que têm um grau de consenso na opinião pública e são importantes para a salvação da economia do Brasil, vão andar. As claramente identificadas com o bolsonarismo, os deputados e senadores vão segurar. Imporão derrotas”, avaliou o cientista político Leonardo Barreto, da consultoria Capital Político.

Para Barreto, o Congresso se surpreendeu com um presidente que age como Bolsonaro e vive um momento de adaptação. “Todo mundo previa o mal funcionamento ou o bom funcionamento de um presidencialismo de coalizão. Nunca ninguém previu que haveria um presidente que não está buscando uma base parlamentar. Por isso, esse rearranjo necessário”.

Mesmo sofrendo derrotas, Bolsonaro tem claro que não vai retroceder sobre o que propôs na campanha eleitoral. Todas as suas proposições, ainda que polêmicas, serão apresentadas. E, se forem derrotadas, acabará botando a culpa no Congresso. Recentemente, o ministro Onyx disse que esse “não será um governo que cometerá estelionato eleitoral”.

“É preciso lembrar que o mesmo eleitor que elegeu Bolsonaro elegeu o Parlamento. Às vezes, com parlamentares que pensam de maneira parecida com a dele, às vezes, não”, ponderou o deputado Daniel Coelho, líder do partido Cidadania. Para ele, o que a militância bolsonarista e a de seus opositores precisam entender é que, assim como o presidente, os congressistas, também têm legitimidade. “Não se pode pedir que o Congresso baixe a cabeça pra um decreto presidencial que não faz sentido, assim como não se pode impedir um presidente de Governar”, ponderou Coelho.

Cenário futuro

Diante da mudança de cenário, algumas reflexões têm sido feitas entre os que acompanham o dia a dia do Congresso Nacional. Há ao menos três pontos que precisam ser avaliados a médio prazo para saber se as negociações ente Executivo e Legislativo permanecem como estão hoje ou se retrocederão ao que era antes do bolsonarismo, quando predominou a troca de cargos por apoio congressual.

O primeiro deles é o prazo de validade de Rodrigo Maia. Ele não pode mais disputar a reeleição para a presidência da Câmara. Seu mandato acaba em fevereiro de 2021 e não se sabe se seu sucessor está apto a tocar uma agenda paralela no Legislativo, na qual pouco se importa com o que vem do Executivo.

O segundo é, imaginando um cenário hipotético em que o parlamento aprove as medidas necessárias para fazer o Brasil crescer mais de 3% ao ano. Quem levará esse crédito? “Será que as pessoas identificariam o Legislativo como o responsável por essa agenda? E se ela falhar, de quem será a culpa?”, indaga o cientista político Barreto.

Por fim, a dúvida é como garantir que os parlamentares seguirão a agenda de Maia sendo que a maioria deles ainda está acostumada à política do caciquismo, na qual um cargo em determinada área de seu Estado representa uma espécie de feudo onde ele demonstra seu poder? “Chegou um monte de gente nova, com práticas velhas. Não adianta querer mudar só a cara, se o comportamento é o mesmo”, avaliou o experiente deputado Delgado.

Nesse momento de instabilidade, no qual cada um ainda precisa entender qual é o seu papel, a única certeza que se tem é que a luta pelo protagonismo está distante de acabar.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_