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Bastidores da saída de Santos Cruz mostram disputa por ‘filtro ideológico’ do Governo

Novo ministro, o general Luiz Eduardo Ramos deve destinar verbas para veículos de comunicação mais alinhados com Bolsonaro e ganha poder para avalizar nomeação de cargos de confiança, incluindo reitores de universidade

O general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, em abril deste ano.
O general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, em abril deste ano.Comando Militar do Sudeste

O novo ministro da Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos Batista, é um amigo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) há mais de quatro décadas. Foi com ele que o presidente passeou de moto com o capacete levantado, no Guarujá, litoral de São Paulo, em abril. É um dos poucos do meio político/militar que o chama pelo nome, e não de capitão ou presidente. O relacionamento pessoal com o principal mandatário do país foi o que impulsionou sua ascensão funcional. Além disso, contou com um inesperado e rápido desgaste do seu antecessor no cargo, o general Carlos Alberto Santos Cruz, que se tornou alvo da ala ideológica do Governo, influenciada principalmente pelo escritor Olavo de Carvalho e pelo segundo filho presidencial, o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro.

Outros dois pontos apontados por fontes do Planalto na queda de Santos Cruz seriam sua indisposição de ceder verbas publicitárias para blogs de direita, que são a linha de frente na defesa de Bolsonaro nas redes sociais, e o incômodo demonstrado em ter como uma de suas funções primordiais filtrar todas as nomeações feitas pelo Governo para instituições federais de educação. Um decreto presidencial de maio passado (9.794/2019) previa que as nomeações de reitores de universidades federais, por exemplo, passariam pelo crivo da secretaria de Governo, assim como de embaixadores e cargos de confiança do Executivo. O general não queria essa atribuição que funcionaria como uma espécie de filtro anti-esquerdistas, recalcando a ideologia bolsonarista, que reforça a demonização da esquerda.

A expectativa, a partir de agora, é saber se a insistência de Bolsonaro em reforçar o alinhamento à direita vai lhe dar fôlego para melhorar sua imagem, num momento em que a economia caminha cambaleante, e que está sob pressão com o seu ministro mais popular, Sergio Moro, sendo atacado depois das revelações do site The Intercept Brasil.

Apesar do nome, a Secretaria de Governo oferece um poder estratégico a seu titular, principalmente na construção de pontes, seja com a sociedade, ou com o Parlamento, pela articulação política. Desde a gestão Temer, a negociação com o Congresso tem sido dividida entre a Casa Civil e a Secretaria de Governo. Antes, os dois ministros dessas pastas eram políticos de carreira. Agora, acabou dividida entre um deputado licenciado (Onyx Lorenzoni) e um militar, mas não deu certo, por ora. O Governo enfrentou uma série de desgastes no Congresso até o momento.

Santos Cruz era apontado como muito rígido e sem traquejo para a função. Só não caiu antes porque o Governo queria dar um andamento na reforma da Previdência na Câmara, o que ocorreu com a apresentação do relatório nesta quinta-feira. Faltava também encontrar um substituto à altura. Quando chegou-se ao nome de Luiz Eduardo Ramos Batista.

O embate que teve com Olavo de Carvalho também interferiu. Bolsonaro confia no escritor mais do que confiava em seu ministro demitido. Tanto que aquele indicou três outros nomes para o primeiro escalão: o chanceler Ernesto Araújo e os responsáveis pela Educação, o já demitido Ricardo Vélez e seu substituto Abraham Weintraub. Mas, conforme uma fonte do Planalto, se fosse para colocar em uma balança o quanto o presidente confia em Olavo e em Ramos, ela penderia favoravelmente na direção do general. “Ele está entre as pessoas que mais recebem o prestígio do presidente”.

No Exército, Ramos é considerado um corporativista. Teve atuação discreta. Assim como outros três membros da ala militar de Bolsonaro (Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, Fernando Azevedo, Defesa, e Floriano Peixoto, Secretaria-Geral), participou da missão de paz da Organização das Nações Unidas no Haiti. Outro ponto que pesou a favor do general Ramos foi sua experiência como assessor parlamentar.

Antes de ser anunciado como ministro – ainda não foi empossado – estava como o responsável pelo Comando Militar do Sudeste. Nesta função deu pelo menos uma declaração polêmica sobre o fuzilamento que matou o músico Evaldo dos Santos e o catador Luciano Macedo no Rio de Janeiro. “Houve uma fatalidade. O pessoal tem colocado assassinato, não é”. Ambos foram mortos com mais de 80 tiros em uma desastrada operação de militares.

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