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A inesperada ameaça dos elefantes famintos

Fazendas do Zimbábue que prosperaram graças à irrigação e à energia solar sofrem ataques de paquidermes que põem em risco sua viabilidade e a segurança das comunidades

Elefantes no Parque Nacional de Etosha, na Namíbia.
Elefantes no Parque Nacional de Etosha, na Namíbia.Sergi Ferrete (Unsplash)
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Quando uma das primeiras minirredes solares do Zimbábue foi instalada em 2016 na localidade de Mashaba, um povoado propenso a estiagens, os habitantes do lugar pensaram que seus problemas se resolveriam.

A energia limpa e barata fazia funcionar as bombas de irrigação que mantinham verdes os campos de trigo, milho e hortaliças da comunidade, enquanto as secas provocadas pela mudança climática secavam a paisagem ao redor.

Mas estes verdes campos criaram um novo problema em Mashaba: as manadas de elefantes famintos. Como a seca tornou mais escassas as ervas que os elefantes pastam, eles começaram a invadir as tentadoras lavouras irrigadas do povoado, destruindo os cultivos e os canais de irrigação e levando os agricultores à loucura.

“Temos que montar guarda em nossos campos toda a noite das seis e meia da tarde até as três e meia da madrugada. Batemos panelas, latas, frigideiras, tambores ou qualquer coisa que faça barulho para espantar os elefantes”, conta Daniel Nyathi, um agricultor de Mashaba, à Fundação Thomson Reuters. “Todas as noites fazemos fogueiras na beirada dos nossos campos, acendemos lanternas e aceleramos o motor de um trator a noite toda, com a esperança de que isso os assuste”, complementa Nyathi, que dirige o projeto de irrigação Rustlers Gorge, que abrange 42 hectares e abastece 2.800 famílias locais.

Segundo os moradores de Mashaba, até 60 elefantes parecem considerar que os campos irrigados do povoado são uma de suas principais fontes de alimento. Contam que esses animais têm sido um problema ocasional, especialmente desde 2017, porque as condições se tornaram mais áridas, mas acrescentam que as invasões se intensificaram muito desde que o projeto de irrigação decolou.

Win Sibanda, um dos líderes do povoado de Mashaba, diz ter medo de que invasões quase diárias dos elefantes nas lavouras da comunidade façam a colheita do mês que vem não ser muito boa, caso o problema não seja tratado.

Atualmente, “a única solução prática para os agricultores é montar guarda e espantá-los”, afirma. “Se o número de elefantes é inferior a cinco, os moradores podem lutar facilmente com eles. Mas quando toda a manada entra no campo é um problema. Ninguém se atreve a provocá-los, porque isso é mais perigoso”, afirma.

Menos chuva, mais briga

Como a piora das secas torna mais difíceis as condições para os agricultores e para a fauna no sul da África, prevê-se que confrontos desse tipo se agravem à medida que surjam projetos de irrigação para ajudar as comunidades a se adaptarem a condições mais secas.

Sithokozile Nyathi, de 36 anos, que é dona, com seu marido, de uma propriedade que fica dentro do projeto de irrigação Rustlers Gorge, afirma que o povoado se transformou em um cinturão verde com a introdução da minirrede solar.

Segundo os moradores de Mashaba, até 60 elefantes parecem considerar que os campos irrigados do povoado são uma de suas principais fontes de alimento

O projeto solar de 3,2 milhões de dólares (13 milhões de reais) foi financiado pela União Europeia junto com o Fundo Mundial para o Desenvolvimento Internacional e o Meio Ambiente, da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), como parte de seus esforços para fomentar o acesso universal à energia moderna em zonas rurais.

Os 400 painéis solares da rede proporcionam energia a vários projetos de irrigação, além de abastecerem a escola primária de Mashaba, um consultório local e um pequeno centro comercial com quatro lojas e um ponto de distribuição de energia, explica Shepherd Masuka, chefe de projeto da ONG de desenvolvimento Practical Action, que fiscalizou a construção do projeto.

Sithokozile Nyathi afirma que a rede permitiu que os agricultores obtenham uma renda constante com seus cultivos, em vez de depender simplesmente de chuvas cada vez menos confiáveis. “Todas as manhãs andamos mais de dois quilômetros das nossas casas até o projeto de irrigação para trabalhar o dia inteiro na lavoura”, diz. Mas lamenta que agora os agricultores tenham que trabalhar também à noite só para manter os elefantes afastados.

Procurando soluções

Os habitantes trabalham com a Autoridade para a Gestão da Fauna e dos Parques do Zimbábue (ZimParks), que vigia os animais do país, na busca por uma solução.

Kwanele Manungo, que ajuda a administrar o trabalho da autoridade no sul do Zimbábue, diz que uma equipe de guardas florestais foi enviada em julho a Mashaba para abordar o problema. Aconselharam cavar valas de um metro de profundidade ao redor dos campos de irrigação e usar uma técnica tradicional que consiste em colocar montes de esterco de vaca que queimam lentamente ao longo de seu perímetro. Manungo disse que a equipe, que passou um mês na região, “acabou indo embora porque os elefantes não voltavam”. E aconselharam aos membros da comunidade a voltarem a chamá-los se tivessem mais problemas. “No pior dos casos, abatemos um líder dos elefantes ameaçadores ou os assustamos usando rojões”, afirma.

Mas os diretores da Practical Action dizem que é preciso encontrar “soluções duradouras” para as invasões de elefantes nas lavouras irrigadas. Tinashe Farawo, porta-voz da ZimParks, diz que a organização às vezes fica sem recursos do Governo para seus programas de gestão da fauna e se vê obrigada a se autofinanciar. E confirma que, por causa disso, os agricultores que pedirem ajuda talvez precisem custear por conta própria o transporte e a alimentação dos guardas florestais.

Entre 2012 e 2018, o Zimbábue arrecadou o equivalente a mais de 11 milhões de reais com a venda de 90 elefantes para a China e Dubai, num esforço para reduzir o número desses animais e conseguir mais renda, segundo Farawo. “Acreditamos no uso sustentável de nossos recursos, e estes elefantes devem pagar por sua manutenção”, declara numa entrevista por telefone.

O Zimbábue pode abrigar 55.000 elefantes, mas atualmente há 85.000, segundo uma agência do Governo

Segundo os dados do ZimParks, o país pode abrigar 55.000 elefantes, mas atualmente há 85.000. Segundo os funcionários, o número cada vez maior desses mamíferos provavelmente seja uma das causas do aumento das invasões nas fazendas.

Farawo observa que os conflitos entre humanos e animais resultaram na morte de 200 pessoas no Zimbábue nos cinco últimos anos.

Em uma cúpula sobre os elefantes ocorrida em maio em Botsuana, os países do sul da África, cujo território inclui a zona de conservação transfronteriça do Kavango-Zambezi (que abrange partes de Botsuana, Zimbábue, Namíbia e Zâmbia), declararam abrigar a maior população de elefantes africanos. Botsuana, por sinal, revogou naquela época a proibição de caçar esses animais, justamente pelos problemas que eles causam.

As autoridades presentes na cúpula anunciaram que coordenariam seus esforços para estudar as populações de elefantes e fazer um acompanhamento. Também disseram que, à medida que o número de elefantes na região cresce, os conflitos entre os animais e pessoas aumentam, em consequência das pressões produzidas pela mudança climática e da luta cada vez mais intensa por recursos limitados.

Reportagem de Lungelo Ndhlovu; editado por Laurie Goering. Publicado originalmente em inglês pela Fundação Thomson Reuters, a seção sem fins lucrativos da Thomson Reuters dedicada a informar sobre temas humanitários, direitos das mulheres e LGTB+, tráfico de pessoas, direitos de propriedade e mudança climática.

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