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A Champions League mais alucinante dos últimos anos chega à sua final

Os triunfos de Tottenham e Liverpool, que neste sábado disputam a final em Madri, quebraram os paradigmas do futebol europeu do século XXI e devolveram ao torneio o encanto do inesperado

Pochettino e Klopp, os treinadores finalistas da Champions League.
Pochettino e Klopp, os treinadores finalistas da Champions League.Getty Images
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Alisson, inquestionável no Liverpool e pesadelo do Barcelona

Houve um ponto de comunhão entre vencedores e vencidos. Quando a semifinal disputada pelo Ajax e o Tottenham terminou no Johan Cruyff Arena, em Amsterdã, os jogadores dos dois times se jogaram no gramado. A maioria afundou a cara na grama, buscando um contato sensual com a terra. Ao entrar no túnel dos vestiários, Mauricio Pochettino, técnico do Tottenham, limpou a sujeira do paletó arrastado pelo tapete verde e invocou, entre lágrimas, o espírito que agitava o ambiente: “Obrigado, futebol!”. Com exceção dos torcedores do Ajax e do Barcelona, foi esse o pensamento compartilhado por quem acompanhou as semifinais da Champions League 2018-19. Contra todos os prognósticos, Liverpool e Tottenham farão a final do maior torneio europeu neste sábado, em Madri, às 16h (horário de Brasília).

Durante algumas horas, na capital holandesa, os protagonistas e o público vivenciaram algo que tem se repetido de forma inusitada ao longo desta edição da Champions League. Foi assim também em Paris, Turim, Manchester, Liverpool e Madri no mata-mata; além da fase de grupos, onde ambos os ingleses finalistas só se classificaram em segundo lugar na última rodada, graças a um gol de Salah no confronto dos Reds contra o Napoli e a um de Lucas Moura no jogo dos Spurs no Camp Nou, contra o Barça. Afetados por um desfecho inesperado, todos se deixaram arrebatar por uma emoção que induz a pensar que o futebol é muito mais do que uma indústria.

O sentimento generalizado coincide com a Champions mais inesperada de que se tem notícia. Três meses após a tecnologia começar a limitar a arbitrariedade dos árbitros com o emprego do VAR, a partir das oitavas de final, vieram resultados surpreendentes. Contra os paradigmas deste século. Não venceram os clubes que mais dinheiro gastaram para comprar jogadores; nem se impuseram os poderes tradicionais que dominaram o torneio nas últimas décadas, os estrepitosamente abatidos Real Madrid, Barcelona, Bayern e Juventus, quatro gigantes; tampouco foi confirmada a máxima que diz que a experiência faz a diferença, já que desta vez prevaleceram as categorias de base do Ajax, a juventude do Tottenham e a vitalidade do Liverpool.

A final também não será o palco em que os jogadores mais valiosos do mundo reforçarão seu valor. Messi, Mbappé, Neymar, Cristiano, Hazard e Pogba assistirão ao jogo pela TV. E não serão cumpridas nem as previsões médicas, aquilo que o famoso ex-treinador italiano Arrigo Sacchi repetia: que os clubes que vencem a Champions são os que conseguem estar fisicamente melhor em março. O Ajax descansou, privilegiado no calendário pela federação holandesa; e também o Barça, que se sagrou campeão espanhol há duas semanas. Contra a norma biológica, os que chegaram à final foram o Liverpool e o Tottenham, dois dos times que mais jogos disputaram na Europa nesta temporada (mais de 50 cada um). O Liverpool veio disputando a Premier League inglesa cheio de desfalques, incluindo Salah e Firmino, duas de suas estrelas, e só perdeu o título do campeonato para o Manchester City de Guardiola na última rodada; já o Tottenham está sem contratar desde 2017 e sobreviveu sem os contundidos Winks, Dier e Kane, se garantindo a posição entre os quatro melhores da Inglaterra somente na penúltima rodada do campeonato. O capitão, Harry Kane, está relacionado para a final em Madri, aparentemente recuperado de contusão.

Sem as bolas de ouro para levá-los ao estádio Wanda Metropolitano, os heróis dos finalistas foram reservas habituais. Pelo Tottenham, o brasileiro Lucas Moura; e pelo Liverpool, o belga Divock Origi, de 24 anos.

A “corrida inflacionária”: 2009-2018

As taças da Champions erguidas pelo Barcelona de Pep Guardiola em 2009 e 2011 estimularam a concorrência com investimentos em contratações. Entre 2009 e 2013, o Real Madrid desembolsou em jogadores a maior quantia da história do futebol: cerca de 500 milhões de euros (2,2 bilhões de reais), segundo o site Transfermarkt. Os sucessivos êxitos do Real na Champions, com quatro títulos em cinco anos, instalaram uma tendência. Entre 2013 e 2018, o PSG (700 milhões de euros), o Manchester United (650 milhões), o Manchester City (800 milhões) e a Juventus (750 milhões) provocaram a maior corrida inflacionária conhecida. O Barça os imitou, gastando em um ano os 220 milhões de euros (968 milhões de reais) que obteve por Neymar. Nenhum deles estará na final.

O novo rei da Europa será fruto de projetos de gastos contidos e decisões predominantemente marcadas por técnicos sensíveis à promoção de jovens. O Liverpool de Jürgen Klopp só foi notícia no mercado quando reforçou dois postos que não tinha: um zagueiro de renome, Virgil van Dijk, e um goleiro internacional, Alisson Becker, ambos incorporados por cerca de 140 milhões de euros (616 milhões de reais). Exatamente o que os Reds obtiveram pela venda de Philippe Coutinho ao Barça.

Só o Tottenham de Pochettino supera seu rival em moderação, após canalizar o orçamento para a construção do estádio que acaba de inaugurar. Focado na infraestrutura, o clube vendeu Modric e Bale, seus dois astros, e desde 2014 cortou gastos. Não contratou ninguém no verão europeu passado.

Independente do resultado no sábado, a glória estará entre os mais modestos.

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