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EL PAÍS entra no barco Aquarius, com 629 imigrantes resgatados a bordo

Entre os migrantes estão grávidas, crianças e homens feridos a bala

Migrantes a bordo do ‘Aquarius’ nesta segunda-feira.
Migrantes a bordo do ‘Aquarius’ nesta segunda-feira.ÓSCAR CORRAL
N. G. G.

Horas antes do Governo espanhol anunciar que iria acolher os 629 imigrantes à bordo do Aquarius resgatados entre sábado e domingo, a situação no navio era de apreensão. A embarcação passou a noite parada nas águas entre a Itália e Malta, esperando instruções sobre onde atracar. Alheios à disputa diplomática entre os Governos de ambos os países, alguns migrantes começavam a se preocupar e a perguntar aos trabalhadores humanitários da SOS Mediterranée e da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) por que o barco está há tantas horas no mesmo lugar. Ele continuava onde parou no domingo à noite: a 35 milhas náuticas da Itália e a 27 de Malta. O capitão estava à espera que o Centro de Coordenação Marítima, em Roma, designe um porto para o desembarque. “Eles começam a se preocupar, são pessoas frágeis e vulneráveis que estão no mar há 48 horas, está começando a ser uma situação crítica”, disse Aloys Vimard, coordenador do MSF a bordo do navio, no início da manhã de segunda-feira.

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Todas as cobertas do navio estão lotadas de gente, há fila para receber atendimento médico, as pessoas esperam, esperam e esperam; há crianças que brincam aqui e ali... de manhã esperavam pacientemente para receber o café da manhã (chá quente, duas bolachas energéticas e uma focaccia). “Tínhamos comida para dois dias. É preocupante porque esta noite não teremos mais”, acrescentou Vimard. Alguns dos resgatados estão doentes, têm ferimentos de bala de sua passagem pela Líbia ou ferimentos da viagem, muitos têm sarna, alguns febre... Todos estão exaustos e muitos traumatizados pela dura travessia e tudo o que a antecedeu. Entre eles há sete mulheres grávidas e 123 menores que viajam sozinhos. Os homens dormiram a céu aberto, as mulheres e crianças em lugares abrigados.

“Eles estão perguntando, mas por curiosidade, não vejo preocupação por enquanto. Nem irritação”, explica o socorrista Alessandro Porro, italiano que trabalha em traslados terrestres de emergência. “É como quando você leva um paciente em uma ambulância e está parado na estrada esperando que um hospital seja designado”. Ou seja, uma situação excepcional que pode afetar a saúde do paciente. Como o sol queima, estão colocando alguns à sombra na coberta.

Matteo Salvini –novo ministro do Interior e vice-presidente da Itália, o líder da xenófoba Liga– havia comunicado de forma não oficial no domingo que fecharia todos os portos para impedir o desembarque dos mais de 600 migrantes a bordo do Aquarius, e exigiu que Malta se encarregasse do navio. Na segunda-feira, Salvini voltou a levantar a voz contra as ONGs que operam no Mediterrâneo: “Também o navio Sea Watch 3, de uma ONG alemã com bandeira holandesa, está diante da costa líbia esperando para efetuar a enésima carga de imigrantes, obviamente para levar à Itália. A Itália parou de se inclinar e obedecer, agora EXISTE QUEM DIZ NÃO.#fechemos os portos”. As Prefeituras de Reggio Calabria, Messina, Nápoles e Palermo anunciaram na noite de domingo que estavam dispostas a abrir seus portos para receber o Aquarius.

Como foram salvos com a roupa do corpo (as mães carregam uma bolsa de bebê e a mais carregada tem algumas sacolas plásticas), a maioria não tem celular e, portanto, não sabe que se tornaram protagonistas de uma crise política. E os que têm celular não têm bateria, conectores ou Wi-Fi. O pessoal da SOS Mediterranée e dos MSF pretendem explicar-lhes a situação nas próximas horas. “Você tem um carregador?”, perguntou um deles a um jornalista nesta manhã. Quando ele respondeu que não e disse que não havia cobertura, o africano replicou: “Eu preciso carregá-lo porque já estamos perto”. Todos estão ansiosos para ter cobertura e assim poder informar seus parentes que estão vivos.

Um terço dos migrantes a bordo do Aquarius foi resgatado pela tripulação do navio de dois barcos que estavam à deriva, um dos quais chegou a se romper e os seus 40 passageiros tiveram que ser retirados da água. Os 400 restantes foram localizados e recolhidos por navios mercantes ou da Marinha italiana e transferidos pelos militares ao Aquarius para serem levados ao porto. Este é o sistema habitual de funcionamento dos resgates, dirigido pelo Centro de Coordenação Marítima, em Roma. O centro é o interlocutor do capitão e de Nicola Stalla, coordenador-chefe de resgate do SOS Mediterranée a bordo. “Estamos esperando que nos seja designado um porto seguro desde o término da operação de resgate e transferência [domingo de manhã]; nos mandaram ir para o norte sem indicação clara de um porto e especialmente desde a noite passada, quando nos pediram para ficar em stand-by à espera de instruções”. O barco e os migrantes continuam ali.

Stalla, que antes de ingressar na ONG trabalhou na Marinha mercante, explica que é a primeira vez em sua carreira que não lhe designam um porto para desembarcar. “Estamos informando constantemente o oficial de guarda (do centro de coordenação) sobre a situação a bordo, que obviamente corre o risco de se deteriorar, a saúde das pessoas a bordo está em perigo porque elas estão expostas ao sol e ao calor e isso requer uma resposta rápida”. O dia será longo.

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