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O STF diante de uma decisão histórica: restringir foro privilegiado para os políticos

Dez ministros do STF já votaram a favor da mudança nas regras. 95% dos casos que hoje estão na Corte já poderiam estar na primeira instância

O Supremo Tribunal Federal adiou para a quinta-feira o julgamento do processo que trata da restrição da prerrogativa do foro para deputados federais e senadores. Até o momento, 10 dos 11 ministros votaram favoravelmente a essa diminuição de privilégio. Sete são favoráveis a que os congressistas só poderão responder na Corte Suprema caso seja processado por um crime em razão do mandato ou durante o cumprimento desse mandato. Três deles entendem que só a primeira premissa é válida. Como a sessão não terminou, pode haver mudanças de posicionamento. Apenas Gilmar Mendes não votou.

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Atualmente, os 594 parlamentares federais são julgados diretamente pela Corte Suprema do país. A tese que já obteve 8 votos favoráveis dos 11 ministros prevê que eles só teriam essa sede especial caso cometessem crimes durante o mandato e em razão de sua função. Por exemplo, se um parlamentar for investigado por agressão à sua mulher, ele responderia ao delito na primeira instância. Mas, se o crime fosse negociar propina para a aprovação de algum projeto de lei durante a atual legislatura, o foro seria o Supremo. Com a maioria do STF favorável a restringir o polêmico foro, a decisão deve ser aprovada, a não ser que dois dos ministros que ainda não se pronunciaram voltem a pedir vistas e protelem de novo o processo. 

A mudança de paradigma deverá interferir em 95% dos casos que estão no STF e envolvem parlamentares, de acordo com um estudo feito pelo projeto Supremo em Números, da Fundação Getulio Vargas. Hoje, há 431 inquéritos e 101 ações penais contra políticos tramitando na principal Corte brasileira. Um processo pode ter mais de um único denunciado.

O mesmo levantamento da FGV concluiu também que, caso os processos desses políticos tramitassem em primeira instância, sua conclusão seria mais célere. E, possivelmente, as punições ocorreriam com maior frequência. Em duas de cada três ações penais o mérito da acusação contra o parlamentar sequer chega a ser avaliado pelo Supremo, em razão do declínio de competência (63,6% das decisões) ou da prescrição da pena (4,7% das decisões). Esse segundo caso ocorreu em uma ação penal contra o deputado Fernando Giacobo (PR-PR). Acusado pelos crimes de formação de quadrilha e falsificação ideológica, a denúncia levou 11 anos para ser analisada e prescreveu. Para o estudo, foram analisados casos que entraram na Corte entre 2006 e 2016.

Só na Lava Jato, há 80 pessoas com foro privilegiado com processos abertos no STF. Entre elas, o presidente da República, Michel Temer, quatro de seus ministros e ex-ministros (Moreira Franco, Eliseu Padilha, Helder Barbalho, Gilberto Kassab), além de 43 deputados federais, 3 governadores, 28 senadores e um ministro do Tribunal de Contas da União. A maioria delas deverá disputar a eleição. Apesar de a decisão do STF de restringir o foro estar perto da conclusão, em ela se confirmando, todos os casos envolvendo os políticos ainda terão de ser analisados individualmente.

Atualmente, cerca de 55.000 autoridades brasileiras têm a prerrogativa de foro. Entre eles estão juízes, ministros de cortes superiores, membros do ministério público, governadores, prefeitos, entre outros. O processo em análise trata apenas dos deputados federais e senadores. Mas há projetos em tramitação no Congresso Nacional que visam reduzir esses privilégios a apenas os presidentes dos poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

"Provável privilégio pessoal"

Em seu voto como relator do processo, o ministro Luís Roberto Barroso ressaltou que só para receber uma denúncia a Corte leva quase 581 dias (pouco mais de 19 meses), enquanto que um juiz de primeira instância o faz em até uma semana. Disse Barroso: “Parece claro que se o foro privilegiado pretende ser, de fato, um instrumento para garantir o livre exercício de certas funções públicas, e não para acobertar a pessoa ocupante do cargo, não faz sentido estendê-lo aos crimes cometidos antes da investidura nesse cargo e aos que, cometidos após a investidura, sejam estranhos ao exercício de suas funções. Fosse assim, o foro representaria reprovável privilégio pessoal”. Esse entendimento foi acompanhado por sete colegas: Cármen Lúcia, Celso de Mello, Alexandre de Moraes, Rosa Webber, Edson Fachin e Luiz Fux.

O processo que trata da prerrogativa de foro dos parlamentares volta a ser analisado quase um ano depois de ter seu julgamento iniciado. Sua primeira votação ocorreu em 31 de maio de 2017. Depois voltou a ser analisado em novembro passado. Ficou esse tempo paralisado porque o ministro Dias Toffoli pediu vistas, mais tempo para analisar o processo, e só o liberou para julgamento no mês passado. Apesar dessa liberação, ainda há o risco de algum dos outros dois ministros que ainda não votaram, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski, utilizem-se do mesmo expediente e protelem a conclusão.

O caso concreto analisado está no Judiciário há dez anos. Envolve o atual prefeito de Cabo Frio (RJ), Marcos da Rocha Mendes, conhecido como Marquinho. Em 2008, ele foi acusado de comprar votos na eleição municipal. Como foi eleito prefeito, seu caso subiu para a segunda instância, Tribunal Regional Eleitoral. Esse tribunal levou cinco anos para julgar o caso e Mendes não era mais prefeito. O processo voltou para a primeira instância. Apenas em dezembro de 2014, ele ficou pronto para ser julgado, mas nessa época, o político tinha acabado de ser eleito primeiro suplente de deputado federal. Com o afastamento de políticos eleitos em sua coligação, tornou-se deputado. Ao assumir o cargo, o processo chegou ao STF. Ainda assim, o sobe desce de instâncias não acabou. Em 2016, Mendes renunciou o mandato na Câmara porque foi eleito prefeito. Assim, seu caso deveria retornar ao TRE do Rio.

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