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Cem artistas francesas contra o “puritanismo” sexual em Hollywood

Manifesto assinado por atrizes como Catherine Deneuve defende que série de denúncias de assédio vai na contramão da liberação sexual

Catherine Deneuve, no festival de Cannes de 2015
Catherine Deneuve, no festival de Cannes de 2015Regis Duvignau (REUTERS)
Álex Vicente

Em Hollywood, o movimento Time’s Up, apoiado por mais de 300 atrizes, conseguiu tingir de preto a cerimônia do Globo de Ouro, em protesto contra as agressões sexuais. Na França, um grupo formado por uma centena de artistas e intelectuais tomou nesta terça-feira a direção contrária ao assinar um manifesto criticando o clima de “puritanismo” sexual que o caso Harvey Weinstein teria desencadeado. O texto, publicado no jornal Le Monde, é assinado por conhecidas personalidades da cultura francesa, como a atriz Catherine Deneuve, a escritora Catherine Millet, a cantora Ingrid Caven, a editora Joëlle Losfeld, a cineasta Brigitte Sy, a artista Gloria Friedmann e a ilustradora Stéphanie Blake.

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“O estupro é um crime. Mas a sedução insistente ou desajeitada não é um crime nem o galanteio uma agressão machista”, afirmam as autoras deste manifesto. “Desde o caso Weinstein houve uma tomada de consciência sobre a violência sexual exercida contra as mulheres, especialmente no âmbito profissional, onde certos homens abusam de seu poder. Isso foi necessário. Mas esta liberação da palavra se transforma no contrário: nos intima a falar como se deve e nos calar no que incomode, e os que se recusam a cumprir tais ordens são vistos como traidores e cúmplices”, argumentam as signatárias, que lamentam que as mulheres tenham sido convertidas em “pobres indefesas sob o controle de demônios falocratas”.

Entre as promotoras do manifesto estão personalidades que já haviam expressado opinião oposta a esse movimento, quando não abertamente contrárias a certas lutas do feminismo. Por exemplo, a filósofa Peggy Sastre, autora de um ensaio intitulado A Dominação Masculina Não Existe, ou a escritora Abnousse Shalmani, que em setembro assinou um artigo onde descrevia o feminismo como um novo totalitarismo. “O feminismo se transformou em um stalinismo com todo seu arsenal: acusação, ostracismo, condenação”, disse na revista Marianne. Por sua vez, a jornalista Élisabeth Lévy qualificou como “abjeto” o movimento iniciado com rótulos como #MeToo ou #balancetonporc (“denuncia teu porco”). Em um tom mais moderado, Deneuve também se opôs a este fenômeno no final de outubro. “Não acho que seja a forma mais adequada de mudar as coisas. O que virá depois? Denuncia tua puta? São termos muito exagerados. E, sobretudo, acho que não resolvem o problema”, declarou na época. Também Millet, crítica de arte e autora do relato autobiográfico A Vida Sexual de Catherine M., se opôs repetidamente a um feminismo “exacerbado e agressivo”.

As signatárias dizem que as denúncias registradas nas redes sociais se assemelham a “uma campanha de delações e acusações públicas contra indivíduos aos quais não se deixa a possibilidade de responder ou de se defender”. “Esta justiça expeditiva já tem suas vítimas: homens punidos no exercício de seu ofício, obrigados a se demitirem [,,,] por terem tocado um joelho, tentado dar um beijo, falado de coisas íntimas em um jantar profissional ou enviado mensagens com conotações sexuais a uma mulher que não sentia uma atração recíproca”, dizem no texto. Também alertam para o retorno de uma “moral vitoriana” oculta sob “esta febre por enviar os porcos ao matadouro”, que não beneficiaria a emancipação das mulheres, mas que estaria a serviço “dos interesses dos inimigos da liberdade sexual, como os extremistas religiosos”.

Efeitos na cultura

O manifesto alerta também para as repercussões que este novo clima poderia ter na produção cultural. “Alguns editores nos pediram [,,,] que façamos nossos personagens masculinos menos ‘sexistas’, que falemos de sexualidade e amor com mais comedimento ou que convertamos ‘os traumas sofridos pelas personagens femininas’ em mais explícitos”, denunciam as signatárias, opondo-se também à recente censura de um nu de Egon Schiele no metrô de Londres, ao pedido de retirada de um quadro de Balthus de uma mostra do Metropolitan de Nova York e às manifestações contra uma retrospectiva dedicada à obra de Roman Polanski em Paris.

“O filósofo Ruwen Ogien defendeu a liberdade de ofender como algo indispensável para a criação artística. Da mesma maneira, nós defendemos uma liberdade de importunar, indispensável para a liberdade sexual”, subscrevem as cem signatárias do manifesto. “Como mulheres, não nos reconhecemos nesse feminismo que, para além da denúncia dos abusos de poder, assume o rosto do ódio aos homens e à sexualidade”, concluem. O texto provocou nesta terça-feira mal-estar entre as associações feministas na França, que o atacaram nas redes sociais. “Ultrajante. Na contracorrente da tomada de consciência atual, algumas mulheres defendem a impunidade dos agressores e atacam as feministas”, declarou a associação Osez le féminisme (Ouse o feminismo).

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