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Dívida externa argentina sobe 35% desde a chegada de Macri

Ao assumir, presidente aproveitou confiança de investidores estrangeiros para combater déficit fiscal e aumentou o endividamento do país

Federico Rivas Molina
O presidente Mauricio Macri, em coletiva na Casa Rosada, em 19 de dezembro
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A Argentina se endivida. A confiança dos mercados internacionais abriu outra vez as portas para o crédito, e o presidente Mauricio Macri fez uso dele. Os dados oficiais chegam até junho passado e marcam um aumento de 20 pontos na dívida, que atinge 307,295 bilhões de dólares (cerca de um trilhão de reais), equivalentes a 56% do PIB. É preciso recorrer às consultorias privadas para obter a cifra de dezembro: 342 bilhões de dólares (1,13 trilhão de reais), 35% a mais do que dois anos atrás. O Observatório Fiscal Federal estima que a relação dívida/PIB já é de 60%. A dívida sobe, mas o consenso geral é que ela ainda é sustentável. As discrepâncias surgem com respeito ao longo prazo, sobretudo porque a verdadeira batalha é contra o déficit fiscal, a origem das necessidades de dinheiro fresco.

Na última semana de 2017, a equipe econômica anunciou um aumento de cinco pontos nas metas de inflação até 2020. Neste ano que começa, a alta dos preços será de 15%, segundo os planos oficiais. Ao mesmo tempo, o ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, ratificou que serão mantidas as projeções de redução do déficit fiscal. O ano passado fechou com uma diferença equivalente a 4,2% do PIB. O objetivo é que diminua em 2018 até 3,2%, alcançando 1,2% do PIB em 2020. A luta contra o déficit é parte de um acordo fiscal que a Casa Rosada selou com as províncias, cujos governadores se comprometeram a cumprir com sua parte nos cortes. Enquanto isso, o Governo teve de pedir emprestado a investidores estrangeiros, após anos de mercados fechados às políticas kirchneristas.

A chegada de Macri foi um verdadeiro “choque de confiança”, e os bônus da dívida argentina são agora mais desejados. Para conseguir financiamento, Macri escalou Luis Caputo. O ministro das Finanças negou que a relação dívida/PIB atual seja perigosa para a economia argentina, situando-a em torno de 28,5% se não forem considerados os juros. “É um índice baixo em comparação com o de países desenvolvidos e da região. Como dissemos muitas vezes, este endividamento é transitório e perfeitamente sustentável. [A relação] se estabilizará em níveis próximos de 37% e diminuirá a partir de 2021”, disse Caputo.

Além da oferta de recursos externos, a Argentina conta com juros mais baixos do que nunca. “Reduzimos em cerca de 80% a diferença da taxa em relação aos vizinhos e outros países da região. Hoje apenas 200 pontos nos separam de países como Peru e Colômbia, quando na década passada foram mais de 1.000 pontos. Estamos nos financiando com as taxas mais baixas da História, inclusive mais baixas que as dos anos noventa, quando havia níveis de 12 e 12,5 pontos. A média de 2017 foi levemente inferior a 4,5 pontos. Isso nos permite escolher esse caminho”, explicou Caputo.

O dinheiro flui, e a dívida cresce. A Argentina vem de um calote unilateral em 2001, e apenas em 2016 pôde terminar um litígio com os houldouts, os fundos de investimento que não aceitaram a reestruturação da dívida acordada entre 92% dos credores e o Governo de Néstor Kirchner. Para pagar aos chamados “fundos abutres” Macri pediu no mercado 9,3 bilhões de dólares (30,7 bilhões de reais), mas pôde obter 16,5 bilhões (54,5 bilhões), prova de que os ares já haviam mudado. O vento de cauda ainda sopra para a Argentina, e existe consenso sobre a sustentabilidade atual do modelo de endividamento. “Se considerarmos as condições que prevalecem neste momento e continuarmos com a estratégia de governabilidade e direção em matéria econômica, a situação da dívida é manejável”, afirma Daniel Marx, ex-diretor do Banco Central, ex-secretário das Finanças e negociador chefe da dívida externa argentina entre 1989 e 1993.

O problema é no longo prazo. Para Marx, “não há um momento em que se pode dizer que esteja havendo um marco” de sustentabilidade. “Tudo depende das condições”, afirma, mas admite que, com o tempo, o grau de vulnerabilidade aumenta. “Há um crescimento da dívida pelo desequilíbrio fiscal e a falta de competitividade. E, como a vulnerabilidade aumenta, é importante manter a direção da economia e os parâmetros que marcavam o rumo inicial.”

Para Juan Carlos Latrichano, professor de História da Universidade de La Matanza (ULaM), a grande batalha é contra o déficit, pois “voltaram os déficits gêmeos: o fiscal e o externo”. “A balança comercial está muito mal e poderia atingir um recorde na Argentina, com um déficit de oito bilhões de dólares (26,6 bilhões de reais). O Governo não pôde dominar o déficit fiscal, e as letras do Banco Central já superam a base monetária”, afirma. O cenário é complicado, diz Latrichano, lembrando que é fundamental manter a oferta de fundos externos. “O Governo ainda tem ar”, explica, “mas tudo depende do credor. Os aplausos externos são bons para a opinião pública, mas a realidade é outra. Nós éramos os meninos mimados do Fundo Monetário Internacional (FMI) antes de 2001 e acabamos desse jeito. O dinheiro não tem coração.”

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