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Argentina emite títulos de dívida a 100 anos pela primeira vez em sua história

Macri optou por um endividamento muito forte para sustentar as contas públicas

Federico Rivas Molina
Mauricio Macri faz anúncio na Casa Rosada.
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Em pouco mais de um ano a Argentina se transformou em uma grande atração para os investidores. Até abril do ano passado, quando pagou 9,3 bilhões de dólares (cerca de 30,52 bilhões de reais) para os chamados fundos abutre que não tinham aceitado a reestruturação da dívida, fazia parte da lista de países em situação de calote. O Governo de Mauricio Macri emitiu desde então 33 bilhões de dólares, aos quais devem ser acrescentados mais 12 bilhões das províncias e do setor privado. Na segunda-feira surpreendeu o mercado com uma emissão de títulos no montante de 2,75 bilhões de dólares a pagar em 100 anos, o prazo mais longo já acordado pela Argentina, com juros de 7,9%.

“Uma emissão desse tipo é possível porque conseguimos recuperar a credibilidade e a confiança do mundo na Argentina e no futuro da nossa economia”, disse o ministro das Finanças Luis Caputo, responsável pela operação. O ministério já tinha confirmado a emissão dos títulos durante a manhã em sua conta oficial no Twitter, embora sem dar mais detalhes. Acompanhava a mensagem uma foto de Caputo e sua equipe durante uma teleconferência com representantes de bancos em Nova York encarregados da operação: Citibank, HSBC, Santander e Nomura.

O precedente mais próximo de um país com emissões a 100 anos era o México em 2014, quando colocou um título de 1 bilhão de libras esterlinas a uma taxa de 5,25% ao ano. Antes a Irlanda já havia feito isso, com um título de 100 milhões de euros a 2,35% ao ano. “Estamos mais perto de países normais como Bélgica ou México do que da Venezuela, com quem o Governo anterior costumava se endividar a 5 anos e juros de 15%. É um selo de confiança não apenas nesta administração, como também no futuro do país”, disse Caputo.

A última emissão de dívida da Argentina foi em janeiro deste ano, quando lançou títulos no valor de 7 bilhões de dólares, além de outros 6 bilhões aportados por bancos internacionais. Mas uma emissão a 100 anos é uma novidade histórica. “Isso deve ser lido no contexto da liquidez global. Estamos em um mundo onde as taxas de juros são muito baixas e a Argentina ainda tem taxas de juros muito atraentes em dólares, em torno de 7 e 8%. Além disso tem um baixo estoque de dívida pública no mercado (cerca de 25% do PIB) e isso faz com que existam condições financeiras para colocar um título em dólares a longo prazo que anteriormente era impensável”, diz Federico Furiase, economista do Estudio Bein.

A verdade é que a Argentina se tornou a estrela dos mercados depois de mais de uma década de ausência. O kirchnerismo baseou parte de sua política econômica na redução da dívida e financiou o déficit público com emissão de pesos e de dívida interna, estratégia que no médio prazo impactou na inflação. Macri declarou guerra à inflação, que atingiu 40% em 2016 e está em 10,5% no acumulado deste ano. Mas como não conseguiu diminuir o déficit fiscal (impôs a meta de reduzi-lo de 6,1% para 4,2% do PIB neste ano) e não quer emitir moeda, recorreu ao crédito internacional.

“A Argentina está financiando com dívida boa parte do déficit herdado”, diz Ramiro Castiñeira, consultor da Econométrica. “Financiar-se a 100 anos não parece ser uma boa decisão, porque a taxa é elevada. O país ainda é mercado de fronteira, não emergente. A Argentina está acabando de entrar, é o mais novo e, portanto, o mais caro. E mais com todo o déficit fiscal que tem e com todos os problemas macroeconômicos que tem”, explica. Castiñeira referiu-se à iminência de uma decisão que será fundamental para a Argentina: o Morgan Stanley Capital International (MSCI) vai decidir na terça-feira se eleva ou não a classificação do mercado argentino de fronteira para emergente, um status que perdeu em 2009. Uma decisão semelhante permitirá a chegada daqueles fundos de investimento que hoje não podem, por mandato, investir em mercados de fronteira.

Segundo o último relatório regional da CEPAL durante o primeiro ano de Macri o déficit fiscal aumentou 2,4% em relação ao ano anterior. Para preencher essa lacuna, faltava colocar títulos no valor de 2,5 bilhões de dólares daqui a dezembro. A política de endividamento teve um impacto inicial negativo na intenção oficial de promover o crescimento: como entram dólares baixando sua cotação e o peso quase não se desvaloriza, a Argentina está se tornando cada vez mais cara e menos competitiva ao ter a inflação mais alta da América Latina depois da Venezuela.

Em janeiro, Caputo prometeu que a emissão de 2017 seria “a metade” daquela de 2016. “No ano passado, o Governo nacional emitiu 20 bilhões de dólares, as províncias 7 bilhões e as empresas cerca de 5 bilhões. Neste ano a Nação emitirá apenas 7 bilhões, as províncias não mais do que 3,5 bilhões e as empresas, no máximo o mesmo que no ano passado”, disse. Dias atrás, em entrevista ao EL PAÍS, o último ministro da Economia do kirchnerismo, Axel Kicillof, criticou a política de endividamento de Macri. “Se continuar nesse caminho acaba em desastre, é muito difícil de reverter. Em um ano e meio dobrou nossa dívida externa. Está aplicando um programa neoliberal, que é exatamente o mesmo que me recomendou Christine Lagarde, do Fundo Monetário Internacional”, disse.

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