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As francesas ou são “senhoras” ou “senhoritas”

A tradição insiste em considerar o marido como o chefe de família e impor seu sobrenome à esposa

Gabriela Cañas
A ministra do Meio Ambiente, Ségolène Royal.
A ministra do Meio Ambiente, Ségolène Royal.STEPHANE DE SAKUTIN (AFP)
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Uma das surpresas negativas na França é a dificuldade enfrentada pelas mulheres para manter sua identidade. No país da igualdade, o tratamento de senhora ou senhorita continua sendo a ordem do dia. E, em todos os tipos de formulários, é exigido o nome de casada. O de solteira, aliás, é chamado jeune fille, ou seja, mocinha, como se manter-se solteira condenasse a mulher à imaturidade.

De nada serviram as leis e regulamentos para mudar as coisas. Na França, já não é obrigatório usar o sobrenome do homem, e o chamado jeune fille foi alterado para “de família”. Mas a tradição pesa; o que o deputado do partido Os Republicanos traduz como “não se pode impor a felicidade”; um argumento surpreendente.

O problema é que essa diferença no tratamento social tem algumas implicações mais profundas. Dessa forma, as grandes empresas (bancos e, principalmente, as operadoras de telefonia) tendem a nomear os homens como cliente principal, ao ponto de exigir sua permissão para muitas operações, mesmo se as contas forem conjuntas e os cartões e celulares estejam no nome de cada um.

A inseminação artificial é proibida para mulheres solteiras, e o Governo socialista não cumpriu a promessa de acabar com tal discriminação. Espanha, Portugal, Bélgica e Reino Unido permitem a prática há muito tempo. “Este é um país que ainda se mantém em um conservadorismo excepcional”, lamenta a senadora ambientalista Esther Benbassa. “A cultura francesa mescla sedução, galhardia, machismo e poder.”

Para tentar entender este fenômeno tão insólito no país da igualdade, esta jornalista solicitou ao Centro Nacional de Pesquisa Científica contatos de pessoas especializadas em discriminação sexual. A lista enviada dois dias depois continha os nomes de sete sociólogas. Três delas eram senhoras e quatro, senhoritas, segundo constava claramente no e-mail enviado. Apenas um oitavo contato era fornecido sem especificar o estado civil da pesquisadora.

Uma espanhola já aposentada que esteve casada brevemente em sua juventude e vive na França há décadas continua ainda hoje enfrentando funcionários públicos cada vez que lhe exigem o nome de casada. A lei está do seu lado. Os costumes, não.

“Mas, escute, você vai exigir que todos estes senhores atrás de mim especifiquem seu estado civil?”. Do guichê, a mulher a observa impassível; e inflexível.

A exceção é Ségolène Royal, ministra de Energia e Meio Ambiente e ex-candidata à presidência da República.

Royal tem mantido sua identidade porque nunca se casou com o presidente François Hollande, embora tenha tido quatro filhos com ele. Nem sequer a que foi ministra da Igualdade de Hollande foi tão longe. Najat Vallaud-Belkacem usa este sobrenome hifenizado (uma modernidade neste país) porque, há onze anos, se casou com o alto oficial Boris Vallaud. Nomeada ministra da Educação em 2014, é, além disso, a primeira mulher na história da França a assumir tal ministério.

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