Dilma vai ao Supremo Tribunal contra impeachment: o que dizem os juristas
Chances do processo ser apreciado pelo Supremo dependem do ministro que julgar a causa
Com o relatório de Jovair Arantes (PTB-GO) aprovado pela comissão do impeachment e a votação no Congresso – que definirá o afastamento ou não da presidenta – marcada para o domingo, dia 17, a AGU (Advocacia-geral da União) decidiu entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo a nulidade do processo de impedimento contra Dilma Rousseff. A decisão confirma os indícios dados durante a defesa da presidenta pelo advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, de que sua argumentação poderia servir para questionar a validade do processo. Até a confirmação de que a AGU de fato entrará no STF, especulava-se se isso aconteceria antes de sexta-feira ou, em caso de um resultado negativo para Dilma Rousseff, depois da votação do final de semana.
Na primeira hipótese, agora confirmada, o Governo pode acabar dando munição para a oposição, já que o STF pode recusar o mandado de segurança (instrumento que seria usado para recorrer ao Supremo). Na segunda, agora descartada, poderia ser tarde demais: invalidar o processo depois de uma decisão da Câmara seria ainda mais difícil do que tentar brecá-lo ou anulá-lo antes da votação. Nas contabilidades do Governo, ainda há votos necessários para barrar o impeachment no Congresso. Vale a pena arriscar uma judicialização? Para juristas ouvidos pelo EL PAÍS, apesar de ter um resultado inesperado, a representação é uma verdadeira bala de prata, uma carta na manga, que Dilma Rousseff usará agora.
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A reação que um mandado de segurança terá no STF, contudo, é imprevisível. Tudo depende de qual dos onze ministros receberá o questionamento. Para a jurista Margarida Lacombe Camargo, o perfil da maior parte dos integrantes do Supremo é cauteloso. Por isso, a impressão dela é de que eles não devem entrar no mérito do pedido do impeachment, atendo-se apenas ao andamento dele – o que já foi feito em dezembro, quando foi decidido contra o rito estabelecido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB).
A opinião de Lacombe vai de encontro à postura de Luiz Edson Fachin. À Folha de S. Paulo, o ministro disse que o Supremo não deveria interferir na questão. “São duas coisas. Em termos gerais, o que o Supremo tinha que dizer sobre essa matéria, disse em dezembro. Segundo, o princípio agora, no meu modo de ver, é a autocontenção [não interferência]”, falou ao jornal. Contudo, o professor de Direito da Faculdade Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro (FGV-RJ), Michael Mohallem, acredita que “se esse questionamento cair na mão do Marco Aurélio Mello ou do Gilmar Mendes, que já mostraram que se deixam contaminar mais com o momento político, a decisão pode ser outra”.
Defesa do Governo insiste na violação do principio legal
Temendo perder a batalha do impeachment no plenário da Câmara dos Deputados, o Governo Dilma Rousseff recorreu ao Judiciário para anular o processo que tramita no Legislativo. Até o início da tarde desta quinta-feira, três ações foram apresentadas no Supremo Tribunal Federal neste sentido. Uma foi assinada pela Advocacia-Geral da União e as outras duas por deputados da base aliada, Rubens Júnior (PCdoB-MA) e Weverton Rocha (PDT-).
Os processos serão primeiro analisados por um ministro relator e, posteriormente, levados ao plenário da Corte. Nas três ações foram apresentados pedidos de liminar para que o processo de impeachment fosse interrompido. Ou seja, o relator de cada caso pode determinar sozinho essa suspensão. Nos últimos dias, porém, a gestão petista registrou mais derrotas do que vitórias no STF. Foram três ações que questionavam o rito do impeachment e todas as solicitações foram negadas pelos ministros.
Na peça apresentada pela AGU, a entidade que fala em nome da Presidência da República, os argumentos foram que há vício que violam os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. As justificativas são as mesmas que têm sido apresentadas pela gestão petista desde que o relatório a favor da destituição de Rousseff foi aprovado pela comissão do impeachment.
Mohallem lembra que nas últimas semanas tanto Mello quanto Mendes opinaram abertamente sobre os acontecimentos do mundo político. Em tese, se um dos dois for sorteado para avaliar o mandado poderia tomar uma decisão de bate pronto: recusando ou não os questionamentos. Por isso, o também professor da FGV-RJ, Ivar Hartmann, acredita que o papel de Ricardo Lewandovsky, presidente do Supremo, será fundamental nesse momento. “Assim que chegar o pedido, ele pode, por exemplo, conversar com o ministro e sugerir cautela ou, então, o que seria melhor para o país, dizer que a questão deve ser levada imediatamente para que o plenário possa decidir conjuntamente”, diz. Em dezembro, quando o rito estabelecido por Cunha foi questionado, Fachin levou a questão para o plenário.
Os argumentos para recorrer ao STF, tecidos por Cardozo na defesa da presidenta e que agora devem ser usados no mandado junto ao Supremo, podem ser divididos basicamente em três. O primeiro ponto seria a falta de imparcialidade do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que teria aberto o processo de impeachment por revanchismo pessoal. O segundo é que não existiria crime de responsabilidade nos dois pontos centrais do relatório aprovado, que falam das pedaladas fiscais de 2015 e dos decretos que autorizaram gastos suplementares. O terceiro defende que a comissão do impeachment feriu o princípio do “direito de defesa” da presidenta ao não chama-la para que ela própria pudesse apresentar sua versão dos fatos.
“Nesse momento, a tentativa do Cardozo é a de apontar os vícios do processo. É o que ele plantou na defesa para tentar colher no Supremo, onde tudo pode ser anulado”, comenta Mohallem. Contudo, além dos sinais dados pelo STF de que não deve entrar em questões de mérito do impeachment, há ainda, segundo Hartmann, o fato de que o relatório foi pensado para que a judicialização se tornasse mais difícil. “Ao focar nas pedaladas de 2015 e nos decretos, Jovair Arantes deixou pontos polêmicos que poderiam ser questionados no futuro, como a delação do Delcídio, de fora”. Se a relativa incerteza sobre a recepção de um mandado no STF são uma espécie de consenso entre juristas e economistas, quase todo o resto que envolve a questão gera polêmicas.
Espírito da lei
Para Margarida Lacombe Camargo, por exemplo, o Supremo poderia, sim, entrar no mérito da questão. A lei de impeachment, segundo ela, foi criada no Brasil tendo como inspiração a legislação americana que carrega o espírito de punir o presidente com o impedimento em casos de traição, suborno e contravenções graves. Como as três justificativas são muito amplas, a Suprema Corte Americana já se pronunciou incapaz de entrar no mérito dos julgamentos de impeachment, dizendo, contudo, que se houvesse mais “densidade jurídica”, ou seja, mais especificidades na lei, poderia haver uma interferência do tribunal. Esse, como aponta Margarida, é justamente o caso do Brasil.
Em 1950, quando a lei foi criada, mais de 100 possibilidades de afastamento foram criadas, isso porque, segundo Lacombe, um de seus “arquitetos” foi Raul Pila, um homem muito propenso ao parlamentarismo, o que indica a preferência dele por deixar aberta a opção de afastar o presidente. “A tomar por parâmetro os Estado Unidos, que inventou o impeachment, e onde nos inspiramos para introduzir o mecanismo na constituição republicana de 1891, de inspiração do Rui Barbosa, o Supremo poderia, sim, entrar na questão”, avalia.
A lei e sua formação também é assunto para Mohallem. Segundo ele, a possibilidade do impeachment existe para que se tenha um controle sobre o presidente em situações extremas, como no caso do fechamento do Congresso ou na admissão de tropas estrangerias em território nacional. “Quando a lei de responsabilidade fiscal é criar em 2000 e partes dela são emendadas nas regras do impeachment, a discussão se torna muito técnica, envolvendo questões fiscais contábeis”, diz. Para Mohallem, esse é um indício de que a lei de responsabilidade fiscal, em que estão baseados os dois principais pontos do pedido de afastamento da presidenta, acaba ferindo o espírito da lei do impeachment.
Mohallem defende que embora existam razões para enquadrar as pedaladas fiscais, tal como foram feitas, em alguns incisos da lei de responsabilidade fiscal, punir a presidenta com o impeachment seria uma desproporção. Tudo é uma questão de dosimetria: “Se a pena para latrocínio, por exemplo, vai de 20 a 30 anos, um pequeno furto não pode ser julgado na mesma moeda. Existe espaço para que o STF analise a constitucionalidade da lei, ele já fez isso em outros momentos, mas acredito que agora no calor do momento ninguém entrará nesse debate”.
Para Mohallem, o próprio fato de o Tribunal de Contas da União (TCU) ter rejeitado as contas de Dilma Rousseff poderia acarretar em uma votação negativa no Congresso e em uma futura decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tornaria a presidenta inelegível. Essa, segundo ele, seria uma pena apropriada para o caso: "O impeachment é a pena de morte, é a pena capital da política. Há outras formas de sancionar, punir e responsabilizar o Governo pelas pedaladas”. Já para Hartmann, o impacto na economia gerado pela quebra da lei de responsabilidade fiscal não é menos grave do que as outras razões existentes para o impeachment. “Se realmente há essa desproporcionalidade, o PT ou o Governo poderiam ter tentado mudar isso ano atrás, mas nós nunca vimos esse tipo de crítica antes”, argumenta.
Dois motivos para o impeachment, duas visões distintas
Se não há consenso sobre a lei de impeachment, os motivos apresentados no relatório também são alvo de discussão. Até que ponto as pedaladas e a abertura de créditos suplementares feriram a lei de responsabilidade fiscal?
Para Istvan Kaznar, professor de economia da FGV-RJ, ao decretar a abertura de créditos suplementares sem autorização do Congresso, o Governo abandonou a meta fiscal e passou a se orientar por uma meta secundária que não foi aprovada. Além disso, o fato de que outros Governos em outros momentos também teriam cometido as pedaladas fiscais - o que serviu ao Governo como argumento em diferentes ocasiões - não isentaria a culpa das práticas do atual.
A professora de economia da UFRJ, Denise Gentil, discorda. Para ela, os decretos estavam dentro da lei orçamentária e não feriram a Lei de Responsabilidade fiscal. “O que se pode discutir aí são as pedaladas fiscais, que realmente aumentaram no Governo Dilma. Os bancos públicos anteciparam recursos, de fato, mas deveria ter sido levado em consideração que esse também é o papel deles: antecipar uma receita importante para uma população cobrir gastos sociais que beneficiam uma população de baixa renda”, argumenta Gentil.
Segundo Gentil, a presidenta deveria ter a atenção chamada pelo TCU e merecia também rever suas ações, mas não sofrer o impeachment. “Isso é uma medida radical para uma gestão não grave e que foi baseada no interesse público. O que me parece é que esses argumentos ganham força não por si mesmos, mas pelo fato de que a condução econômica foi feita de forma muito pouco competente pela Dilma”, diz. Gentil ressalta, por fim, que se os bancos estivessem em uma situação falimentar agora, a questão poderia entrar em discussão, mas não é o que, de fato, aconteceu.
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