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Os 15 dias em que o Brasil enlouqueceu

Desde 4 de março, quando Lula foi levado pela PF para depor, o país vive numa espiral instabilidade

Lula na manifestação realizada na Avenida Paulista, na sexta-feira, em São Paulo.
Lula na manifestação realizada na Avenida Paulista, na sexta-feira, em São Paulo.Ricardo Stuckert/ Instituto Lula
Antonio Jiménez Barca

Na sexta-feira, 4 de março, às seis horas da manhã, a Polícia Federal levou o ex-presidente Lula  para prestar depoimento, acusado de corrupção, na delegacia do aeroporto de Congonhas. Nos 15 dias posteriores, o país experimentou um paroxismo institucional crescente à base de massivas manifestações de rua de ambos os lados, divulgação de conversas particulares –e comprometedoras– entre a presidenta da República e Lula, e a nomeação deste último como ministro, posteriormente impugnada por um juiz do Supremo Tribunal Federal, alegando que o ex-presidente quer escapar da Justiça escondendo-se no cargo. Nada indica que esse frenesi enlouquecedor vá ceder.

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Apenas Lula, presidente durante oito anos, ícone vivo de esquerda brasileira e latino-americana, o político mais popular –e também o mais odiado– do país, é capaz de galvanizar e polarizar assim os brasileiros. Bastou que sua prisão fosse tornada pública para que a crise política que dormia anestesiada entre o verão e o Carnaval estalasse até o frenesi. A polícia –por ordem do juiz de Curitiba Sérgio Moro, que instrui o macroprocesso da Petrobras– queria interrogar o ex-presidente, entre outras coisas, sobre uma casa de praia no Guarujá (São Paulo) e uma casa de campo no interior do Estado em Atibaia (também em São Paulo). O juiz suspeita que ambas as propriedades sejam presentes encobertos de empresas envolvidas na rede de subornos da Petrobras. Lula negou veementemente à polícia. Mas sem deixar de ser Lula durante todo o interrogatório. Sua declaração completa está cheia de comentários políticos, piadas, palavrões e histórias sobre seu mandato: para explicar alguma coisa sobre diárias de viagem contou, sem que tivesse muito a ver, que em seu primeiro comparecimento à ONU como presidente, seus guarda-costas, que não ganhavam muito, trouxeram um frango de casa. Pensando que era um micro-ondas, colocaram o frango para esquentar no cofre do seu quarto no Waldorf Astoria. “O frango ainda deve estar lá”, disse Lula.

Depois do interrogatório, Lula, já na rua –mas sem perder a condição de investigado–, com lágrimas nos olhos, acusou Moro de querer montar um show político às suas custas. “Eles quiseram matar uma jararaca dando na cabeça, mas só deram na cauda”, exclamou. Como contrapartida, as forças da oposição organizaram uma manifestação no domingo, dia 13, contra o Governo de Dilma Rousseff (já muito enfraquecido pela recessão econômica e pela falta de apoio aliado no Congresso), contra Lula e contra o Partido Trabalhadores (PT), a formação de ambos. Foi a maior reunião política na história democrática do Brasil. Somente na Avenida Paulista, em São Paulo, eram mais de 500.000 pessoas, de acordo com o método de medição do jornal Folha de S. Paulo. Muitas delas com cartazes alusivos à cobra.

Com o clima cada vez mais quente, três dias depois, na quarta-feira dia 16, pela manhã, o Governo confirmou que Lula seria nomeado ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff, ou seja, da mulher que o próprio Lula havia designado para sucedê-lo e que tinha ocupado esse mesmo posto com ele presidente. Com o status de ministro, Lula ganhava um grau de imunidade, passava a depender juridicamente do Supremo Tribunal Federal e escapava de seu inimigo Moro. O Governo alegou razões puramente políticas. “O presidente Lula (Dilma usou o termo protocolar de presidente, revelador da situação tão confusa quanto hilariante) vem para ajudar”. Analistas acrescentaram uma terceira razão: Dilma precisa do poder de persuasão, do carisma e da ascendência de Lula para convencer os partidos aliados a votar contra o impeachment que a presidenta deve enfrentar nas próximas semanas.

Às nove da noite dessa quarta-feira estourou uma nova bomba midiática que colocou o país numa espiral acelerada que ainda não decresceu: o juiz Moro divulgou uma conversa comprometedora entre Dilma e Lula, gravada pela polícia, que tinha grampeado o telefone do ex-presidente, na qual a chefe de Estado, entre outras coisas, disse: “Estou te mandando o papel. É o termo de posse [de ministro]. Use-o se precisar”. A frase, de acordo com os investigadores, só significa uma coisa: se a polícia chegar para prendê-lo por ordem de Moro (“se precisar”) use o termo de posse. A conversa vazou para todos os telejornais de todas as emissoras, para todas as edições digitais dos jornais, para o Facebook de milhões de brasileiros. Grupos anti-Dilma e anti-Lula bloquearam a Avenida Paulista, tomando posse da avenida mais emblemática da cidade, verdadeiro termômetro político do país.

No dia seguinte, Lula assumiu o cargo. Pouco depois, um juiz de Brasília, impugnou a nomeação, deixando-a em suspenso. Outros juízes fizeram o mesmo. Nocauteado, debilitado ao extremo, encurralado, o Governo apelou às instâncias judiciais superiores, que gradualmente foram lhe dando razão. Durante a tarde, no dia cheio se sobressaltos, o Congresso votou a abertura do processo de impeachment, que em 45 dias acabará com Dilma se ela –ou Lula– não conseguir reunir os aliados necessários.

O relógio do julgamento político, pois, começa a andar adicionando ainda mais pressão a uma panela prestes a explodir. Enquanto isso, todas as televisões reproduzem sem parar as conversas particulares de Lula, resultantes de grampos policiais, nas quais mete o pau em várias instituições do país. Numa delas se refere ao Supremo Tribunal Federal como um grupo de “covardes”. As pontes entre o Governo e os juízes voam pelos ares: um juiz do STF respondeu no dia seguinte: “São palavras próprias de mentes autocratas e arrogantes”.

Na sexta-feira, a Avenida Paulista, liberada à força pela polícia dos anti-Governo, foi tomada durante a tarde por dezenas de milhares de partidários de Lula. Eram 95.000, de acordo com a Folha de S. Paulo. Menos do que na manifestação contrária do domingo anterior. Mas eram muitos, e formando uma barreira irredutível em torno de seu líder, que não é Dilma Rousseff, mas o de sempre: Lula. Ele, com a camisa vermelha do PT, de pé sobre um estrado no meio da rua e da multidão, garantiu que voltava pela paz, mas advertiu, somando-se ao coro de vozes que gritava a mesma coisa durante horas: “Não vai ter golpe”, ou seja, eles não permitirão que a presidenta seja deposta por meio do impeachment no Congresso.

Apenas meia hora depois de terminar a manifestação tornou-se público outro ato judicial, desta vez assinado por um juiz do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que voltava a deixar em suspenso –embora a partir de uma instância superior e mais importante–, a nomeação de Lula. Neste caso, além disso, Lula era despojado da imunidade obtida, devolvendo-o às perigosas mãos de Moro. A decisão é passível de recurso, mas a sentença definitiva será ditada pelos 11 juízes desse tribunal, aqueles que Lula chamou de covardes em uma de suas enlouquecidas conversas grampeadas.

Enquanto isso, o relógio do impeachment continua andando, incontrolável, rumo a uma votação que acontecerá dentro de um mês e meio e que torna toda ação política um movimento calculado de jogo de xadrez em busca do xeque-mate. Um ativista antigoverno acampado na Avenida Paulista alertava seus companheiros na quinta-feira de madrugada: “Temos 45 dias decisivos pela frente”. Um sindicalista, na sexta-feira, na mesma avenida, na manifestação de apoio a Lula, disse exatamente o mesmo aos seus companheiros.

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