Lula: “Faltam dois anos com Dilma. É tempo suficiente para mudar esse país”
Ex-presidente dobra aposta contra impeachment, promete melhorar Governo, mas sofre revés da Justiça
Uma fileira de homens fortes, carecas e de camisa social se formou em dois corredores opostos, com um espaço no centro que desembocava na porta do caminhão de som. Era o sinal de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegaria em breve à avenida Paulista, em São Paulo, para discursar, cumprindo a promessa, feita no início do mês, de que voltaria às ruas. A movimentação dos seguranças causou frisson. Pessoas começaram a se aglomerar em torno deles, a posicionar suas mãos por cima do cordão na tentativa de conseguir tocá-lo, e a se espremer por qualquer brecha. Houve quem passasse mal. Lula demorou ainda uma hora. Saiu do carro em meio a um empurra-empurra descontrolado e subiu os degraus para se posicionar, com microfone em riste, no lugar com o qual mais está habituado. Foi ali, naquela avenida, que em 2002 ele discursou pela primeira vez como presidente eleito, levando seus eleitores à catarse.
Na avenida de agora eram 95.000 pessoas dispostas a ouvi-lo, segundo contagem do Instituto Datafolha (a Polícia Militar informou 80.000). Eram um quinto dos que foram à Paulista contra o PT no domingo, mas afirmavam que a democracia estava em risco e demonstravam que, à diferença de Fernando Collor em 1992, Dilma Rousseff não está só. Lula voltava à Paulista acuado pela investigação contra ele e no momento mais agudo da crise política. Apresentado por Rui Falcão, presidente do PT, como o “ministro da esperança”, não falou da Justiça nem dos grampos revelados nesta semana pelo juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato. Preferiu se concentrar na sua tarefa adiante, a de ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff, e assegurou toda a base de seu partido de que estava de volta a Brasília para resolver o problema de falta de diálogo com o Executivo. Não sabia que momentos depois sofreria um revés que pode impedi-lo de cumprir a promessa, com a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de suspender sua posse e remeter seu caso de volta para Moro.
“Eu aceitei o cargo para ajudar Dilma. Faltam mais de dois anos de mandato. É tempo suficiente para a gente mudar esse país”, disse. “Sei dialogar com trabalhador, sem-terra, empresário, banqueiro. Nunca na história do Brasil um presidente conversou tanto com eles.” Espalhada pela avenida, ouvia uma multidão de gente sem conexão com qualquer grupo organizado, misturada a sindicalistas, sem-teto, sem-terra e pessoas ligadas a movimentos estudantis. Grupos que, desde o ano passado, vinham encontrando dificuldades para justificar a defesa de um Governo que avançou menos do que se esperava nas pautas sociais e trabalhistas e que encontrava dificuldades para levar suas demandas até Dilma Rousseff, uma figura conhecida por sua impaciência com o jogo político.
Em sua fala, que durou exatos 25 minutos, Lula refutou qualquer possibilidade de impeachment, ao qual se referia como “golpe”. “Perdi muitas eleições e, em nenhum momento, vocês me viram ir para rua protestar contra quem ganhou”, ressaltou. Se estava de volta, trazia com ele a figura do Lulinha Paz e Amor, com a qual se vestiu antes do início de seus mandatos para acalmar os temerosos de que sua chegada ao poder significaria uma revolução. "Relutei muito para aceitar ir para o Governo. E ao aceitar ir para o Governo, vivi outra vez o Lulinha Paz e Amor". "Eu não quero que quem votou no Aécio [Neves] vote em mim. Não quero que quem votou na Dilma goste de mim. O que eu quero é que a gente aprenda a conviver de forma civilizada."
Foi o fim de uma semana de grandes protestos de rua e ânimos exaltados de ambos os lados. As horas que se antecederam à manifestação desta sexta se passaram em meio a um clima de tensão que pairava no ar. Não somente porque a avenida Paulista até poucas horas antes de o ato começar ainda permanecia ocupada por militantes pró-impeachment, mas também porque houve registros de hostilidade e violência no local entre os dois grupos nos dias anteriores. Em várias cidades do país, o clima foi parecido. Nos 26 Estados e no DF, 275.000 pessoas, segundo o portal G1 apurou com as polícias militares, saíram para defender o Governo, nas maiores manifestações pró-Dilma desde o começo da crise. No domingo dos atos pró-impeachment foram cerca de 3 milhões, segundo a mesma fonte.
Apesar dos temores, o único incidente registrado pela reportagem nesta sexta em São Paulo foi um confronto no início do ato. Um pequeno grupo pró-impeachment, de cerca de dez pessoas, decidiu resistir na avenida e permanecer na calçada ao lado do prédio da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), símbolo do apoio ao ato de domingo. A situação ficou pior quando eles abriram uma faixa com os dizeres “Resistência na ocupação da Paulista. O bem deve prevalecer sobre o mal”. Foi o start para que o confronto iniciasse. A Polícia Militar, presente no local, usou spray de pimenta para dispersar o tumulto e permitiu que os militantes pró-impeachment ficassem para dentro do cordão de isolamento feito pela PM até que a confusão passasse. Ninguém saiu ferido.
No restante da noite, o clima foi de festa. Para quem estava ali, Dilma fica, ao menos por enquanto. E mais importante do que isso, para eles, Lula está de volta. Ou quase.
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