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França propõe a sedação terminal para uma morte digna

Líderes de cinco religiões reagem contra a mudança legislativa

Gabriela Cañas
Chantal Sébire (d), doente com um câncer irreversível, suicidou-se em 2008.
Chantal Sébire (d), doente com um câncer irreversível, suicidou-se em 2008.AFP

A mudança legislativa que a Assembleia Nacional francesa começa a discutir nesta terça-feira, relativa ao direito à morte com dignidade, provoca polêmica profunda na sociedade francesa. O avanço proposto pelo Governo de François Hollande não legaliza a eutanásia ativa, mas garante o direito dos pacientes em fase terminal ou com uma doença grave e incurável a uma sedação profunda e prolongada até a morte, com a suspensão concomitante de todo tipo de tratamento que vise prolongar a vida de forma artificial. A opinião do doente (portanto, também sua vontade expressa no testamento vital) passará por cima do critério médico se a proposta, que será votada na próxima semana, for aprovada.

A proposta é criticada por alguns por ser tímida demais. Cento e vinte deputados socialistas, da UDI (União de Democratas e Independentes), comunistas e verdes apresentaram uma emenda para legalizar a eutanásia e o suicídio assistido. Também os ecologistas e os radicais de esquerda apresentaram proposta semelhante.

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As iniciativas da esquerda constituem uma pedra no sapato do presidente da República, François Hollande, que, para evitar problemas, deixou o projeto de lei que começa a ser discutido hoje a cargo de um socialista (Alain Claeys) e de um membro da oposição da direitista UMP (Jean Leonetti). Em sua campanha eleitoral, em 2012, Hollande prometeu reforçar a assistência paliativa, mas nunca empregou a palavra “eutanásia”. E tampouco o fez em dezembro passado, quando apresentou formalmente este projeto de lei.

Apesar disso, as posições contra a nova medida também são muitas. Cerca de 20 deputados da UMP apresentaram mil emendas para torpedear o projeto, e cinco líderes religiosos, representantes dos católicos, protestantes, ortodoxos, judeus e muçulmanos, publicaram no Le Monde um artigo fortemente crítico do projeto. Segundo o texto, o projeto de lei “implica em uma nova tentação de dar a morte, sem admiti-lo, abusando da sedação”. Eles recordam, também, que as leis francesas proíbem a obstinação terapêutica (o uso de recursos médicos para prolongar a vida artificialmente) e condenam a eutanásia.

O texto que a Assembleia Nacional (a câmara baixa) vai analisar não legaliza a eutanásia ativa (que inclui a possibilidade de acelerar a morte com fármacos), mas se parece em muito com a eutanásia passiva. “Todas as pessoas têm direito a um final de vida digno e tranquilo. Os profissionais de saúde colocarão todos os meios à sua disposição para atender a esse direito”, diz o texto. “Todos têm direito a receber tratamentos e cuidados que aliviem seu sofrimento.” Esse princípio tão geral é concretizado mais adiante com o direito do paciente a ter acesso à sedação e analgesia até a morte, “mesmo que isso adiante a morte”, e que ao mesmo tempo seja interrompido qualquer tratamento que prolongue sua vida artificialmente. O projeto de lei considera que “a alimentação e hidratação artificiais” fazem parte de tais tratamentos. Obviamente, tudo isso no caso de pacientes terminais ou que sofram de doenças graves e incuráveis que comprometem sua vida no curto prazo. A lei em vigor se limita a proibir a obstinação terapêutica.

A outra grande aposta está em fazer a opinião do paciente passar por cima da do médico. “O profissional de saúde tem a obrigação de respeitar a vontade da pessoa, depois de tê-la informado das consequências e da gravidade de sua escolha”. Prevalecerá também, portanto, o desejo expresso no testamento vital do paciente, quando este já não puder mais expressar-se por conta própria. São aspirações que, segundo o projeto de lei, “se impõem ao médico”. Caso o profissional se negue a cumprir os desejos do paciente, terá que justificar sua negativa e consultar um colega.

A divergência de opiniões será refletida hoje nas ruas. A Associação por uma Morte Digna, ADMD, convocou uma concentração diante da Assembleia Nacional esta tarde, coincidindo com a abertura do debate. Muito perto dali, em Les Invalides, o movimento Aliviar Sem Matar pretende promover uma manifestação contrária, porque considera o projeto de lei “perigoso e ambíguo”.

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