“A gastronomia brasileira só existirá quando deixar de ser de um só chef”
Alex Atala reivindica o poder transformador da cozinha O espanhol Ferrán Adriá ressalta a relevância do brasileiro para o mundo
Faz exatamente nove anos que o agricultor José Francisco Ruzene, o Chicão, junto com um pesquisador de alimentos, conhecido como Candinho, bateram na porta do D.O.M, o sexto melhor restaurante do mundo, no coração do bairro dos Jardins, em São Paulo. Levavam com eles um saquinho de arroz preto que Candinho convenceu o produtor a cultivar. Quando o chef Alex Atala abriu a porta, se apressaram em dizer:
-Pelo amor de Deus, experimente esse arroz!
A primeira reação do chef foi franzir a testa. “Ninguém queria esse arroz. Em uma terra onde a commodity é arroz branco agulhinha, quem ia comprar esse arroz?”, lembra Atala em uma das mesas do seu restaurante Dalva e Dito, também nos Jardins. “Culturalmente o arroz preto era visto como um arroz doente. Não era legal. Mas eles sabiam que eu tinha interesse por ingredientes diferentes”.
O chef gostou tanto daquele grão escuro que lembra aquele dia como o começo do maior desafio e orgulho de sua carreira. Nem sair na capa da revista Times, nem ser considerado uma das cem pessoas mais influentes do mundo, nem comandar restaurantes onde a elite brasileira paga 250 dólares por um menu degustação, mereceriam uma de suas tatuagens. A medalha que Alex Atala leva no peito vem do Vale do Paraíba, na região sudeste do país, que a partir dessa visita, deixou de ser uma terra empobrecida pela feroz concorrência dos Estados do Sul para ser famoso pelo cultivo de arroz especial.
Em menos de dez anos, um restaurante, um pesquisador e um agricultor mudaram a história de um vale inteiro.
“Experimentei o arroz, ele era diferente dos outros grãos pretos que eu tinha conhecido, porque além de sabor tem uma textura bastante particular. Comecei a usá-lo, comecei a falar com outros chefs, a imprensa ficou muito curiosa...” Esse, disse ele, é seu maior orgulho, e não poupa auto-elogios. “O Vale entendeu que sua viabilidade e a dos pequenos agricultores era produzir qualidade. Em menos de dez anos, um restaurante, um pesquisador e um agricultor mudaram a história de um vale inteiro”, comemora.
“Eu acredito na cozinha como ferramenta. Bom, não quero usar essa palavra, o que quero dizer é que a cadeia do alimento é horizontal e inclui o homem, que produz, o que come, o homem da floresta, do rio, do mar. Nossa cozinha é muito consciente desse papel transformador que não é só transformar ingredientes em pratos. É melhorar vidas, culturas, melhorar o meio ambiente”, explica o cozinheiro. “Não quero continuar falando de como eu sou bacana”.
A história ganhou um toque de roteiro de cinema quatro anos atrás, quando Candinho, doente de câncer, chamou Atala e pediu para ele que o visitasse. “Não deixe morrer isto comigo”, disse a Atala antes de entregar uma amostra de mini arroz. Candinho faleceu em seguida mas seu legado ficou. Hoje, o arroz vermelho, o arbório integral ou o cateto também formam o catálogo de produtos especiais, cultivados por pequenos agricultores da região, que além de serem ingredientes dos pratos mais badalados do chef, se comercializam sob a assinatura Retratos do Bom Gosto.
Atala e o resto de cozinheiros que apoiam a iniciativa não recebem contrapartida, e 25% das vendas é revertida aos agricultores do Vale para que eles continuem aprimorando sua produção. “Nosso próximo desafio é ensinar o cultivo orgânico. Mas isso vai ser mais demorado. São cinco décadas colocando química na região”, ri o chef. A iniciativa teve sua sequência na Amazônia, onde os agricultores estão “ganhando autoestima”, cultivando alimentos simples da região que, hoje, os mais ricos consomem a preço de ouro.
Todo este relato é a resposta que Atala dá quando é questionado sobre os argumentos que apresentaria à presidenta Dilma Rousseff para convencê-la de que o Governo deve apoiar a promoção da gastronomia brasileira. “O Brasil nunca vai ser o Peru. Porque o Peru tem uma organização como marca país. O Governo faz uma difusão da gastronomia que eu adoraria que nós tivéssemos no Brasil”, compara. “O Brasil não tem esse suporte, mas nós não reclamamos. Os chefs brasileiros estão se inspirando neste modelo de cozinha consciente da cadeia do alimento e promovendo um ambiente de confraternização entre eles que é novo”, disse Atala, sem vontade de entrar em polêmica.
Pouco depois, endurece um pouco o tom. “A gastronomia não é considerada cultura. Existe interesse, mas não existe ação. O Governo nos escuta, mas não há uma ação conjunta e é fundamental para o Brasil, para a cozinha brasileira, que isso aconteça”.
Ferrán Adriá: América Latina está usando a cozinha como uma arma de desenvolvimento social e econômico e isto é único no mundo.
Do outro lado do oceano, o chef espanhol Ferrán Adriá, o primeiro a apresentar ao mundo Alex Atala, explica como o brasileiro está conseguindo mimetizar uma filosofia que está imperando na América Latina. “A região está usando a cozinha como uma arma de desenvolvimento social e econômico e isto é único no mundo. E Alex Atala é um grande embaixador desta mensagem. É o líder, em um país tão imenso como o Brasil. Imagina o poder que ele tem”, disse o premiado cozinheiro pelo telefone.
Mas Atala não quer estar mais sozinho embaixo dos holofotes. Ou isso é o que diz. “Brasil tem uma equipe de uns 15 novos chefs impressionante. Estão em Minas Gerais, no Pará, em Manaus, não ficam mais concentrados em São Paulo, nem na figura do Alex Atala. A cozinha brasileira só vai existir quando não for de um chef só, e sim de vários, de várias pessoas, do povo.”, continua. “A Espanha é uma referência para a gente não só porque tenha bom produtos, mas porque tem bons chefs”, completa.
Para terminar a conversa, Atala, que já cumprimentou quase a metade dos clientes que almoçavam no restaurante durante a entrevista, mostra seu braço tatuado e arrepiado enquanto reproduz uma frase de Ferrán Adriá: “A maior rede social não é o Facebook, é a cozinha”.
Adriá complementa: “A cozinha está mudando muitas coisas, é uma linguagem universal que todo mundo entende e você pode usá-la para explicar uma porção de coisas. O que Alex faz não vai mudar o mundo, mas é um exemplo de como começar. Seria maravilho se houvesse mais projetos como o dele”.
Tente uma das receitas do chef
Simples e rápida. Mini-guia para cozinhar arroz preto com alcachofras ao estilo do Alex Atala.
Ingredientes:
250g de Arroz Preto Ruzene
625ml água morna
200g de Alcachofras grelhadas (conservas)
1 dente de alho corte brunoise
1 cebola pequena corte brunoise
Pimenta do reino moída (q.b.)
5g de sal
30ml de azeite extra virgem
salsinha
Modo de Preparo:
Arroz Preto: Em uma panela de pressão aqueça 20ml de azeite e frite o alho e a cebola até dourar. Junte o Arroz Preto Ruzene, tempere com sal e adicione 625ml de água. Feche a panela e ao iniciar a pressão abaixe o fogo, cozinhando por cerca de 25 minutos. Desligue o fogo e reserve com a panela ainda fechada.
Alcachofras: Em uma frigideira aqueça 10ml de azeite e frite levemente os pedaços de alcachofra, corrija o sal e coloque a pimenta do reino . Neste ponto, adicione o Arroz Preto Ruzene, salteie e adicione um pouco de salsinha, desligue o fogo.
Montagem do Prato: Em pratos individuais, disponha uma porção do arroz, um pouco de salsinha e complementos.
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