A mudança de ministro resultará em mudança de rumo no Meio Ambiente?
É claro o alinhamento de políticos com os interesses dos garimpeiros, madeireiros ilegais e grileiros de terras. Uma guinada implicaria um distanciamento do presidente em relação a esses atores políticos
Depois de um longo bombardeio de críticas, o desgaste do agora ex-ministro Ricardo Salles chegou ao fim, com a sua exoneração no período em que celebramos o dia e o mês do meio ambiente. A queda do ministro era esperada há muito tempo, em função do desmanche das instituições ambientais do Governo federal e do grande aumento do desmatamento na Amazônia. A dúvida atual é se houve uma mudança cosmética, alterando apenas nome do ministro ou se, alternativamente, existe uma intenção em mudar o rumo da política ambiental no Brasil.
O papa Francisco nos ensina o dever de manter acesa a chama da esperança, mesmo quando não temos evidências que possam alimentar o otimismo. Diante disso, exploro aqui duas razões para manter acesa a chama da esperança.
A primeira razão é de natureza econômica. Existe uma clara percepção por parte das grandes empresas brasileiras de que o retrocesso na gestão ambiental no Brasil traz prejuízos econômicos concretos. Um dos fatos mais marcantes foi a manifestação formal de grandes fundos internacionais de investimento para excluir empresas brasileiras. Outro fato foi o cancelamento de compras de empresas brasileiras, especialmente nos setores relacionados com o desmatamento. Isso levou os executivos dos três maiores bancos privados do país a se envolverem com a agenda do desmatamento na Amazônia. A catástrofe da gestão ambiental no Brasil passou a ser parte da preocupação central de diferentes associações de líderes empresariais e multi-institucionais do país.
O segundo motivo é de natureza política. As pesquisas de opinião mostram um aumento na desaprovação do presidente da República e a má gestão do desmatamento na Amazônia é um dos fatores desse enfraquecimento político. Outros temas ambientais mal gerenciados, como o derramamento de petróleo no mar e o desastre de Brumadinho, ampliaram a percepção negativa sobre o Governo federal. As denúncias de violação dos direitos humanos dos povos indígenas, com enorme repercussão nacional e internacional, acrescentaram mais lenha à fogueira desse desgaste político do Governo. O posicionamento de lideranças políticas internacionais, como o do presidente Joe Biden, tem sinalizado um interesse em apoiar ações para reduzir o desmatamento e, ao mesmo tempo, alerta para riscos de retaliações comerciais contra o Brasil.
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Clique aquiSe, por um lado, existem motivos para manter acesa a chama da esperança de uma melhora na política ambiental do Governo federal, por outro há o posicionamento do presidente e do seu círculo de apoiadores. É claro o alinhamento desses políticos com os interesses dos garimpeiros, madeireiros ilegais e grileiros de terras. Uma mudança de rumo implicaria um distanciamento do presidente em relação a esses atores políticos.
Cabe ainda uma reflexão sobre o interesse nacional. O atual Governo tem uma forte presença de militares no alto escalão e a maior parte deles com ampla experiência na Amazônia, como é o caso do General Mourão. Não há dúvida de que o desmatamento na região é uma seríssima ameaça ao interesse nacional. A continuidade do desmatamento levará ao colapso ecológico da floresta e isso afetará o regime de chuvas da maior parte do Brasil, com consequências devastadoras para a geração de energia hidrelétrica, o abastecimento urbano de água potável e para a produção agropecuária —o carro-chefe da economia do país. A sociedade brasileira espera que os militares que ocupam postos na atual administração possam sensibilizar o presidente sobre a necessidade de mudar radicalmente o rumo da política ambiental do Governo federal.
Dentre os principais indicadores da necessária mudança de rumos da política ambiental, podemos destacar cinco medidas. Primeiro, é a retomada do funcionamento do Fundo Amazônia, que possui mais de bilhões de reais disponíveis para investimentos em ações de redução do desmatamento e promoção do desenvolvimento sustentável na região. A segunda ação é ampliar o orçamento de órgãos como o Ministério do Meio Ambiente, ICMBio, Ibama, Incra e Polícia Federal, além de apoiar financeiramente os Estados e municípios no fortalecimento de suas instituições relacionadas com a gestão ambiental. A terceira ação é criar canais de diálogo com a sociedade civil, que deveria ser valorizada e convidada a contribuir para o desenvolvimento e a implementação de soluções para o desmatamento. Esse engajamento deveria contemplar a academia, que também precisa ser valorizada e envolvida no desenvolvimento de soluções. A quarta ação seria criar um pacote de medidas voltadas ao fomento da economia verde, de natureza transversal, envolvendo todos os ministérios. A quinta ação seria um sinal claro para a bancada governista não apoiar mudanças legislativas alinhadas com o enfraquecimento da gestão ambiental e dos povos indígenas. Isso deveria ser acompanhado de uma mudança geral na narrativa do Governo federal.
O novo ministro, Joaquim Leite, tem sido responsável por uma das únicas agendas positivas do atual Governo: o pagamento por serviços ambientais. Será ótimo se o novo ministro puder turbinar a criação de um mercado nacional de carbono e de pagamento por serviços ambientais. Será ainda melhor se o novo ministro tiver o apoio político necessário para promover uma alteração radical na política ambiental brasileira. Entretanto, só saberemos se vai ocorrer tal transformação por meio de ações concretas que permitirão avaliar o rumo do Ministério do Meio Ambiente sob novo comando. Caberá à sociedade civil monitorar os caminhos da política ambiental brasileira nas próximas semanas e meses. O interesse nacional exige uma mudança de rumo.
Virgilio Viana é superintendente-geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).
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