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Suprema Corte decidirá sobre o direito ao aborto nos EUA

Tribunal, hoje com maioria conservadora, debate uma lei do Mississippi que proíbe a interrupção da gravidez a partir da 15ª semana

Aborto en Estados Unidos
Homem protesta em frente à Suprema Corte dos EUA para defender o direito ao abortoROBERTO SCHMIDT (AFP)
Yolanda Monge

O direito ao aborto nos Estados Unidos está em perigo, quase 50 anos depois de ser garantido sob a Constituição. Depois que Donald Trump nomeou três juízes conservadores para a Suprema Corte, esse direito cambaleia sob repetidos ataques nas instâncias inferiores, podendo ir definitivamente a nocaute a partir desta quarta-feira, quando o mais graduado tribunal norte-americano começa a estudar o assunto. A sentença ainda vai demorar até o final do ano judicial, nas últimas semanas de junho, ou antes, se assim decidirem os juízes.

Os autodenominados defensores da vida há décadas esperam por este momento. Seis juízes conservadores contra três progressistas (apenas três mulheres na instituição, e uma delas uma católica devota e intérprete ortodoxa da Constituição) ouvem nesta quarta-feira as alegações que podem provocar ou impedir que a famosa sentença do caso Roe versus Wade, de 1973, se torne letra morta. O futuro do direito ao aborto no país inteiro, garantindo por aquela decisão de quase meio século atrás, pode afinal depender do resultado de uma ação contra a única clínica que realiza abortos no Estado do Mississippi.

O processo, oficialmente intitulado Dobbs versus Jackson Women’s Health Organization– o nome da clínica do Mississippi – representa a batalha mais importante pela liberdade reprodutiva em várias gerações. Também servirá para provar se Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Barrett, os juízes conservadores nomeados por Trump, cumprirão a promessa do ex-presidente de derrubar a sentença que garante o aborto. O célebre processo de 1973 contrapunha a cidadã Jane Roe (nome fictício de Norma McCorvey), a Henry Wade, promotor de Dallas que tornou efetiva uma lei do Texas que proibia o aborto, exceto para salvar a vida da gestante. Durante sua campanha eleitoral de 2016, Trump atraiu votos da direita religiosa com a promessa de nomear para a Suprema Corte juízes conservadores dispostos a emendar a jurisprudência que fez história para os direitos femininos na década de 1970.

Sem a Roe versus Wade, os Estados que assim desejarem terão liberdade absoluta para proibir todos os abortos desde o momento da concepção. “Se a Roe for revogada, quase metade dos Estados norte-americanos limitariam estritamente o aborto, e possivelmente o proibiriam por completo”, afirma Nancy Northup, presidenta e diretora executiva do Centro para os Direitos Reprodutivos, organização que apoia o direito da mulher a decidir.

O caso em mãos do Supremo trata de uma lei de 2018, quando o então governador republicano Phil Bryant restringiu o direito ao aborto ao estabelecer como limite as 15 semanas de gestação, o que entra em conflito com o direito constitucional garantido no precedente de 1973, de poder interromper a gravidez até o momento em que existir viabilidade para o feto, ou seja, que for “potencialmente capaz de viver fora do útero materno, sem ajuda artificial” (o que acontece por volta da 24ª semana). Entretanto, em novembro de 2018 um juiz federal revogou a lei, e posteriormente outro tribunal se pronunciou a favor de manter tal revogação. O caso acabou na Suprema Corte.

Quase 60% dos norte-americanos consideram que o aborto deveria ser legal em todos ou na maioria dos casos, um número que se manteve relativamente estável nos últimos anos, segundo uma pesquisa do Pew Research Center feita no primeiro semestre. Mas existem enormes diferenças entre republicanos e democratas sobre o tema. As cifras confirmam também que quase uma em cada quatro mulheres do país já se submeteu à interrupção legal de uma gravidez.

A pesquisa do Pew mostrou que 80% dos democratas e simpatizantes consideram que o aborto deveria ser legal em todos ou na maioria dos casos, mas apenas 35% dos republicanos opinam assim. E a divisão partidária vem se ampliando: as cifras eram de 72% e 39%, respectivamente, em 2016. As convicções religiosas também desempenham um papel importante: 77% dos evangélicos brancos acreditam que o aborto deveria ser ilegal em todos ou na maioria dos casos.

Em 2021 foram promulgadas 90 leis estaduais que restringem o aborto, mais do que em qualquer outro ano desde o caso Roe versus Wade, segundo cálculos do Instituto Guttmacher, organização internacional que milita pela liberdade reprodutiva.

Também tramita na Suprema Corte a lei do Texas conhecida, como a lei do batimento cardíaco, em referência à suposta pulsação do feto, e que proíbe o aborto a partir da sexta semana, quando a maioria de mulheres ainda nem sabe que está grávida. A lei texana foi desenhada para esquivar o potencial bloqueio dos tribunais federais, ao delegar a responsabilidade da aplicaçãoda lei ao cidadão comum, e não às autoridades estaduais, quem costumam ser os acusados nas ações judiciais que procuram frear uma norma inconstitucional. A Suprema Corte ouviu os argumentos sobre a lei do Texas em 31 de outubro.

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