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Igreja Católica freia na Bolívia o aborto de uma menina de 11 anos estuprada por um parente

A menor, grávida de cinco meses, quis fazer uso do direito de interrupção legal da gestação, mas a pressão sobre a família impediu

Aborto en Bolivia
Mulheres protestam na terça-feira em frente ao Hospital da Mulher Percy Boland, em Santa Cruz (Bolívia).Juan Carlos Torrejón (EFE)

O caso de uma menina de 11 anos que ficou grávida devido a um estupro volta a sacudir a Bolívia. A menor, em um primeiro momento, quis fazer uso do direito de interrupção legal da gestação, mas foi dissuadida pela Igreja Católica. A sociedade se dividiu em dois lados, enquanto chovem críticas contra os religiosos que intervieram, os jornalistas que informaram que seria praticado o aborto legal, o Governo e as feministas.

A menina estava internada em um serviço de saúde da região boliviana de Santa Cruz, à espera de um dos tipos de aborto que são permitidos no país: quando a gravidez é fruto de um estupro ou é produto de uma relação incestuosa. O aborto também é autorizado quando a vida da mãe está em risco. A menor foi estuprada por um homem de 61 anos, pai de seu padrasto. Os abusos ocorreram durante os dez meses que ela teve de conviver com esse homem em uma localidade da Santa Cruz, enquanto sua mãe e seu padrasto trabalhavam em La Paz. O estuprador está atualmente na prisão. Seis anos atrás, a irmã mais velha da menina também foi estuprada. Naquela ocasião, o autor foi seu próprio pai, que também acabou preso.

Alguns veículos de comunicação noticiaram que seria praticado o aborto, o que colocou a Igreja Católica em alerta. Vários religiosos conversaram com a mãe da menina e a convenceram a desistir de seu propósito. A menina saiu do hospital e foi levada a um centro católico de acolhimento para moças que se encontram em situação semelhante. Segundo um dos policiais encarregados do caso, a Igreja ofereceu pagar uma mensalidade à família da menina para que ela não interrompesse a gravidez.

Em um comunicado, a instituição religiosa assinalou que “a única solução é salvar, cuidar e apoiar com amor as duas vidas” e ofereceu “acolhida e atendimento à menina e ao pequeno ser que tem em seu ventre, dando hospitalidade gratuita no Centro de Mães Adolescentes Mãe Maria, garantindo apoio material, médico, psicológico e espiritual para a maternidade e o período de pós-maternidade”.

O ministro do Governo (Interior), Eduardo del Castillo, tuitou em resposta que “quando uma menina de 11 anos é obrigada a dar à luz em consequência de um estupro, estão sendo vulnerados todos os seus direitos”. E acrescentou: “Lamentamos que algumas instituições se sintam com autoridade para impedir a interrupção legal de uma gravidez sob critérios doutrinadores e morais”. A defensora pública Nadia Cruz foi mais longe. Afirmou que a atuação da Igreja Católica era “criminosa”, disse que “está sendo torturada uma menina” e destacou que informará o Vaticano sobre o caso.

Os grupos pró-vida se baseiam no fato de que a vítima tem cinco meses de gestação, superior às 13 semanas consideradas como referência para a prática do aborto legal. A menina não teve consciência de sua gravidez até estar em uma fase avançada. Do ponto de vista legal, de qualquer forma, o tempo de gestação não faz diferença.

Os únicos requisitos exigidos pela lei são que haja uma denúncia de estupro e o consentimento da mãe − ou, se esta for menor, de seus responsáveis. No entanto, muitas vezes os médicos se negam a cumprir a lei e a realizar o aborto em mulheres e meninas estupradas. De 2014 até hoje foram realizados 508 abortos legais, 48% deles em vítimas menores de 18 anos.

No passado, a resistência da Justiça ao aborto legal se refletia em uma série de requisitos que acabavam impedindo a interrupção da gravidez. As organizações feministas solicitaram ao Tribunal Constitucional uma simplificação dos procedimentos, e foram atendidas. Mas continua existindo resistência entre os médicos, fomentada pelas diferentes Igrejas. Em 2018, um projeto previa que os médicos fossem obrigados a praticar os abortos permitidos pela lei, mas a rejeição dos sindicatos de saúde impediu sua aprovação.

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