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Passagem dos líderes pela cúpula do clima deixa uma enxurrada de anúncios de alianças etéreas

Em Glasgow, desmatamento, energias limpas e metano dominam as iniciativas apoiadas por dezenas de países, mas que não são vinculantes e em alguns casos não estabelecem metas claras

O primeiro-ministro Boris Johnson durante um ato na COP26 de Glasgow.
O primeiro-ministro Boris Johnson durante um ato na COP26 de Glasgow.HANNAH MCKAY (Reuters)

A passagem dos 120 líderes mundiais pela Conferência das Nações Unidas para Mudança Climática (COP26), a cúpula do clima, realizada em Glasgow (Escócia) na segunda e terça-feira desta semana, deixou uma enxurrada de anúncios de alianças entre países para enfrentar as emissões em vários setores. Trata-se de declarações de intenções às quais se somam dezenas de nações, mas que às vezes têm objetivos pouco claros e que não fazem parte das negociações oficiais das Nações Unidas, por isso não são de cumprimento obrigatório. É o caso, por exemplo, das alianças apresentadas sobre desmatamento e sobre o incentivo a energias limpas, com dezenas e dezenas de países presentes, mas sem metas concretas. Ou do acordo relativo às emissões de metano, que conta com um objetivo claro, mas que não prevê nenhum instrumento internacional que comprove seu grau de cumprimento.

O medo de que a cúpula seja vista como um fracasso – mesmo porque os planos oficiais de cortes de emissões das principais potências já foram apresentados antes do início do evento, no domingo passado – pode levar a alguns casos de hiperatividade. O primeiro-ministro anfitrião, Boris Johnson, multiplicou-se na terça-feira na apresentação de alianças e coalizões de diversos matizes. Para o premiê britânico, a cúpula na Escócia é a grande aposta diplomática da era pós-Brexit, mas corre o risco de oferecer resultados medíocres. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, também participou na terça-feira de inúmeros atos de apresentação de coalizões. Biden compareceu a Glasgow com a mensagem de que seu país está de volta à luta contra a mudança climática e com a aspiração de recuperar uma liderança e uma credibilidade perdidas durante a etapa de Donald Trump.

Um dos anúncios que mereceram mais atenção no início da cúpula foi o relativo ao desmatamento. Mais de 100 países se somaram a uma declaração que estabelece como meta acabar com a devastação florestal e com a degradação da terra até 2030. A força deste pacto promovido pelo Reino Unido reside na quantidade e importância dos países que se somam – inclusive o Brasil, ao lado de países como Canadá, Rússia, Noruega, Colômbia, Indonésia e a República Democrática do Congo, que contam com florestas cruciais para a biodiversidade planetária e para a luta climática, já que absorvem dióxido de carbono da atmosfera. Também figuram as grandes potências, como a União Europeia, China e Rússia, além de 30 instituições financeiras que se comprometem a deixar de investir em práticas nocivas para a atmosfera a partir de 2025.

Este pacto, descrito pelo Executivo do Johnson como decisivo, foi acolhido com uma mistura de reserva e otimismo. Justin Adams, o diretor-executivo da ONG Aliança das Florestas Tropicais, declarou que “quando olharmos para trás, este será o momento em que diremos que a tendência começou a mudar”. Mas o Greenpeace mostra muitas dúvidas sobre um acordo que representará “uma luz verde para outra década de destruição das florestas”. A diretora-executiva do Greenpeace Brasil, Carolina Pasquali, afirmou que “há uma ótima razão pela qual [o presidente Jair] Bolsonaro se sentiu cômodo assinando este novo acordo: ele permite mais uma década de destruição de florestas e não é vinculante. Enquanto isso, a Amazônia já está no limite e não pode sobreviver a mais anos de desmatamento”.

Em 2014, em outra cúpula climática, assinou-se a chamada declaração de Nova York, que incluía o compromisso de reduzir pela metade a perda de florestas até 2020. Cerca de 40 países e um bom número de empresas aderiram àquele pacto. Mas, ao invés de ele ser cumprido, o ritmo de desmatamento aumentou nos últimos anos, como denuncia o Greenpeace.

Depois do anúncio sobre desmatamento, na terça-feira à tarde o Governo britânico apresentou outro “compromisso”, denominado Glasgow Breakthrough Agenda, ao qual aderiram 40 governos, entre os quais voltavam a estar EUA, Índia e China, os três principais emissores de gases de efeito estufa. Mas este plano não incluía objetivos concretos, pois se trata de uma aposta genérica por impulsionar as energias limpas e os carros sem emissões, de modo a torná-los “acessíveis” dentro de nove anos. Também se advoga por uma redução das emissões relacionadas com a produção de aço e de um impulso ao hidrogênio como combustível. Na mesma linha, outros 80 países se somaram a outra declaração em favor da energia solar.

Depois da passagem dos presidentes e primeiros-ministros pela COP26, agora começa a fase negociadora da cúpula. Os quase 200 países reunidos em Glasgow terão que terminar de negociar o desenvolvimento do Acordo de Paris, estagnado em grande medida na questão do lançamento dos mercados de emissões, e buscar alguma fórmula que leve a planos mais ambiciosos de cortes nas emissões para esta década. Além disso, durante os próximos dias está previsto que podem ser apresentados novos compromissos de abandono do carbono, na prática criando um prazo de validade para os automóveis a combustão.

Johnson, como resumo das primeiras jornadas da cúpula, concedeu uma entrevista coletiva na terça-feira à tarde em que admitia haver muito trabalho pela frente e dizia ser necessário extrair compromissos mais ambiciosos de atores fundamentais como a China. Quis mostrar-se “cautelosamente otimista”, embora não tenha podido evitar entrar em sua habitual retórica exagerada: “Se há alguns dias eu disse a vocês que estávamos perdendo de cinco a um no jogo contra a mudança climática, depois destas duas jornadas eu diria que fomos capazes de marcar um ou dois gols e garantir uma prorrogação”.

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