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Mario Vargas Llosa, candidato a ingressar na Academia Francesa

O Nobel hispano-peruano é o favorito para ocupar uma das cadeiras vagas e se tornar o primeiro escritor em língua não francesa no seleto clube dos ‘imortais’

Mario Vargas Llosa, nesta sexta-feira, num evento cultural em San Lorenzo del Escorial (Madri).
Mario Vargas Llosa, nesta sexta-feira, num evento cultural em San Lorenzo del Escorial (Madri).Daniel González (GTRES)
Marc Bassets

O escritor de língua espanhola Mario Vargas Llosa tem todos os números para se tornar membro da Academia Francesa, a confraria exclusiva fundada pelo cardeal Richelieu em 1634 que se encarrega da defesa e preservação da língua de Molière e Victor Hugo. Na reunião de 7 de outubro, os acadêmicos aceitaram a candidatura do autor de A cidade e os cachorros, bem como a de outros candidatos sem o nome nem o mérito do Prêmio Nobel hispano-peruano.

No debate, acadêmicos franceses abordaram as duas armadilhas que poderiam ter impedido a candidatura de Vargas Llosa. A primeira era a sua idade. De acordo com o regulamento, maiores de 75 anos não podem entrar na academia, e Vargas Llosa tem 85. O segundo obstáculo era o fato de ser um autor que, apesar de francófilo e da influência da França e de seus escritores em sua obra, escreve em espanhol e não em francês. Se eleito, será uma novidade em uma instituição muitas vezes acusada de chauvinista e fossilizada.

Uma sondagem do EL PAÍS com alguns imortais —a designação dada aos acadêmicos na França— confirma que, com Vargas Llosa, foi aberta uma exceção aos obstáculos impostos pelos regulamentos e a tradição. “Nossos debates mostraram que nenhuma dessas duas questões é um obstáculo, por isso aceitamos sua candidatura com prazer, e acho que não há problema para ele entrar nesta Academia”, declara o romancista, diplomata e também acadêmico Jean-Christophe Rufin. “Vargas Llosa atesta a irradiação da cultura francesa e a prolonga em todo o mundo. É uma oportunidade fantástica para mostrar as ligações que existem entre a cultura francesa e outros universos linguísticos, outros continentes. É uma abertura internacional extraordinária e é uma obra extraordinária.”

O filósofo e acadêmico Alain Finkielkraut interveio no debate para questionar o regulamento que estabelece a idade máxima de 75 anos para ingressar no clube. “Para mim, esse regulamento parece totalmente estúpido”, diz ele. “De qualquer forma, alguém sempre será muito velho segundo certas opiniões. Hoje, o único racismo aceito é o racismo antivelhos. É preciso resistir.”

O cerne do debate entre os acadêmicos foi outro, diz Finkielkraut: a língua em que escreve Vargas Llosa, que já é membro da Real Academia Espanhola. “A discussão é muito complicada, mas, no final, sou a favor”, diz o autor de A derrota do pensamento. “Compreendo os argumentos dos que se opõem: todos são admiradores de Vargas Llosa, mas acham que a Academia Francesa é a língua francesa e, portanto, um escritor hispanófono, por mais legítimo e importante que seja, não tem lugar lá.” Finklielkraut acrescenta: “Eu acho que podemos aceitá-lo, porque é Vargas Llosa e tem uma relação totalmente amorosa com a cultura francesa”. E vaticina: “Será eleito sem problemas”.

“Acho excelente”, comemora outro acadêmico, o escritor franco-libanês Amin Maalouf. “O papel da língua francesa hoje, no mundo, não consiste em tentar ser a língua dominante, mas em travar o combate pela diversidade linguística, por razões culturais, e que também vão mais longe.” Maalouf acrescenta: “Alguém como Vargas Llosa, que representa ao mesmo tempo a literatura de língua espanhola e um profundo apego sentimental e conhecimento da cultura e língua francesas, dará uma grande contribuição. Tenho o prazer de saber que o teremos em nossa companhia”.

Reunião anual dos membros da Academia Francesa, em dezembro de 2016.
Reunião anual dos membros da Academia Francesa, em dezembro de 2016. ERIC FEFERBERG (AFP/Getty Images)

O costume na Academia é que os candidatos enviem uma carta de candidatura ao secretário perpétuo, que é o presidente da instituição. Atualmente é a historiadora Hélène Carrère d’Encausse. O gabinete de Carrère d’Encausse não respondeu às perguntas do EL PAÍS. Vargas Llosa não quis comentar.

Jorge Semprún, escritor espanhol e também de língua francesa, esteve prestes a entrar na Academia na década de 1990. O exame da candidatura demorou porque os acadêmicos queriam verificar se ele tinha a nacionalidade francesa, o que era então uma exigência. No livro Des siècles d’immortalité (séculos de imortalidade), Carrère d’Encausse lembra que durante as semanas de espera chegaram aos ouvidos de Semprún “rumores infundados” de que a Academia o estava rejeitando por causa de seu passado comunista e “ferido, ele deu as costas à instituição, que lamentou profundamente”.

A votação final para Vargas Llosa está marcada para 25 de novembro. Novas inscrições podem ser feitas até o dia 11 desse mês. As outras candidaturas são simbólicas: Emmanuel Cruvelier, Michel Carassou, Yves-Denis Delaporte, Éric Dubois, Eduardo Pisani e Frédéric Vignale. Alguns já concorreram, ou são amplamente desconhecidos no meio cultural e acadêmico, e não têm o renome nem a obra de Vargas Llosa.

Vargas Llosa, colaborador do EL PAÍS, morou em Paris entre o final da década de 1950 e o início da década de 1960, e nessa cidade —sob a influência de Jean-Paul Sartre e Gustave Flaubert— se consolidou como romancista. A orgia perpétua, seu ensaio sobre Madame Bovary, de Flaubert, é o ápice da crítica literária e a arte do romance.

O autor de A festa do bode e Milan Kundera são os únicos escritores vivos publicados na coleção de clássicos La Pléiade, de sua fiel editora francesa, a Gallimard, e Vargas Llosa é o único com uma obra em língua não francesa (boa parte da obra de Kundera é escrita em francês).

A Academia não tem nenhum Prêmio Nobel de Literatura em suas fileiras desde François Mauriac, falecido em 1970. Vargas Llosa ocuparia a cadeira 18, que era do filósofo Michel Serres, que morreu em 2019, e ocupada anteriormente, entre outros, por um dos pais fundadores do pensamento liberal, Alexis de Tocqueville, e pelo marechal Philippe Pétain, que liderou a França colaboracionista com Hitler durante a Segunda Guerra Mundial.

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