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Aliança orquestrada por Biden no Pacífico agrava choque com a China

Pacto de segurança com EUA e Reino Unido faz da Austrália o sétimo país do mundo a contar com uma frota de submarinos com propulsão nuclear

O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, assiste ao pronunciamento de Joe Biden durante o anúncio da aliança. Em vídeo, parte do discurso do presidente dos EUA. Vídeo: MICK TSIKAS / EFE / REUTERS
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Beijing (China), 19/03/2021.- Chinese Foreign Ministry spokesman Zhao Lijian speaks during a daily media briefing in Beijing, China, 19 March 2021. Canadians Michael Spavor and Michael Kovrig, detained by Chinese authorities in 2018 and accused of espionage, will go on trial on 19 and 22 March 2021. EFE/EPA/ROMAN PILIPEY
China acusa EUA, Reino Unido e Austrália de fomentar “corrida armamentista” com pacto de defesa
Chinese President Xi Jinping (R) shakes hands with U.S. Vice President Joe Biden (L) inside the Great Hall of the People in Beijing December 4, 2013. REUTERS/Lintao Zhang/Pool (CHINA - Tags: POLITICS)
Biden conversa com Xi Jinping sobre como evitar que a rixa entre Estados Unidos e China “leve a um conflito”

A aliança estratégica entre os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália para frear o expansionismo chinês entre a costa leste da África e o Pacífico oriental sacudiu o tabuleiro internacional. O acordo —que segundo Pequim prejudica a paz e a estabilidade na região— é a resposta mais assertiva da Administração de Joe Biden à China até o momento. O consórcio também provoca inquietação por ceder submarinos com propulsão nuclear à Austrália, para patrulhar as águas do mar do Sul da China, cuja jurisdição Pequim reivindica. A aliança será conhecida como Aukus, nome formado pelas siglas em inglês de Austrália, Reino Unido e EUA.

Uma reedição da Guerra Fria, mas deslocada para o Oriente. A consagração definitiva da “angloesfera”. Traços de um neocolonialismo incipiente para rebater o sonho imperial da Nova Rota da Seda. Também a consumação irreversível do Brexit, graças a uma reforçada relação transatlântica que deixa a Europa definitivamente de lado. São muitas as possíveis leituras do anúncio de quarta-feira sobre a aliança trilateral dos EUA, Reino Unido e Austrália para rebater a pujança da China no Pacífico, e todas têm certa razão. O soco no tabuleiro, com velada ameaça nuclear, transforma grandemente o status quo regional.

Depois de se desvencilhar do último lastro da sua política externa, a eterna guerra do Afeganistão, os EUA promoveram uma guinada definitiva para o leste da Ásia, com o Reino Unido como sócio preferencial e a Austrália como reforçada beneficiária, já que, com a ajuda de Washington e Londres, substituirá sua antiquada frota de submarinos por outros de propulsão nuclear, em detrimento da poderosa indústria da defesa da França, com a qual havia se comprometido a renovar a frota. Não é uma novidade que Washington decida empregar todos os meios disponíveis para frear a ambição expansionista chinesa —esse é o primeiro mandamento do Governo Biden—, embora durante o anúncio oficial, com a participação virtual dos primeiros-ministros Boris Johnson (Reino Unido) e Scott Morrison (Austrália), nenhum dos três dirigentes tenha mencionado explicitamente Pequim. Altos funcionários norte-americanos insistiram em que o pacto “não está dirigido contra nenhum país” específico, enquanto Biden evitava responder perguntas sobre o gigante asiático, mas as conclusões estão bastante evidentes.

O acordo tem também relevância histórica, pois será a primeira vez desde 1958 que os EUA compartilharão sua tecnologia para desenvolver submarinos com propulsão nuclear. Naquele ano, o Reino Unido se beneficiou da ajuda norte-americana, já que eram ambos aliados frente à União Soviética. Mas a menção nuclear inquieta no século XXI, principalmente quando Washington tenta devolver aos trilhos o pacto nuclear com o Irã, embora em seu discurso Biden tenha salientado que os novos submarinos australianos não terão “armas nucleares”, mas sim estarão “convencionalmente armados, e potencializados por reatores nucleares”. “É uma tecnologia segura”, acrescentou.

Foi algo que também o primeiro-ministro Morrison quis deixar claro: “A Austrália não procura adquirir armas nucleares nem desenvolver uma capacidade nuclear civil. Continuaremos cumprindo todas as nossas obrigações de não proliferação nuclear”. Apesar de todas as salvaguardas, o anúncio pode ser interpretado em Teerã como um sinal verde para prosseguir com seu programa de enriquecimento de urânio, segundo vários observadores.

Os três países implicados se comprometeram a manter “o regime de não proliferação”, um bom propósito que não impediu que, minutos depois de anunciada a aliança, a Nova Zelândia anunciasse que vetará a entrada dos novos submarinos em suas águas. A Austrália será o sétimo país do mundo com este tipo de frota. “Estamos falando de propulsão nuclear, não de armamento nuclear. A Austrália não tem a intenção de buscar armas nucleares e é, de fato, o país que lidera todos os esforços de não proliferação no TNP [Tratado de Não Proliferação Nuclear] e em outros fóruns”, observou um funcionário da Casa Branca, referindo-se o convênio internacional herdado da Guerra Fria.

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) foi informada sobre a aliança “em uma etapa prematura do seu desenvolvimento”, explicou em nota nesta quinta-feira o diretor-geral do organismo, Rafael Mariano Grossi, salientando os “extraordinários créditos da Austrália a favor da não proliferação” e o compromisso dos signatários com o tratado.

Mas tanta cautela não oculta a crescente escalada nos oceanos Índico e Pacífico e, mais especificamente, nas águas do mar do Sul da China. Os três submarinos nucleares mais poderosos da Marinha dos EUA se deslocaram para a região do Pacífico há algumas semanas, perante a movimentação naval da China em uma zona de grande importância comercial e estratégica, que Washington e seus aliados consideram águas internacionais, mas Pequim entende estar sob sua jurisdição.

O anúncio estratégico ocorre também pouco antes de Biden receber na Casa Branca, no próximo dia 24, os primeiros-ministros do Japão, Índia e Austrália. Os quatro países constituem um grupo denominado Diálogo Quadrilateral, formado em resposta à assertividade de Pequim no cenário global. Em sua primeira cúpula sob a Administração de Joe Biden, que ocorreu em março por teleconferência, os participantes reiteraram sua aposta por uma região do Índico e Pacífico “livre e aberta, com uma ordem marítima baseada em regras [em alusão à impunidade de Pequim] no mar do Sul da China e no mar do Leste da China”.

A Austrália sai reforçada agora como sócia preferencial dos EUA, com os quais já participava do sistema global de vigilância e espionagem Five Eyes, junto com Reino Unido, Canadá e Nova Zelândia. Há apenas três anos, as autoridades australianas afirmavam que não havia motivo para optar entre os EUA e a China, mas agora apostaram, de maneira muito assertiva, em confrontar Pequim. Tanto que Morrison convidou nesta quinta-feira o presidente Xi Jinping a manter abertas as vias de diálogo, convencido de que a região pode viver em paz, respeitando “a soberania e independência das nações”, segundo declarações citadas pela imprensa local.

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