_
_
_
_
_

França e Alemanha buscam saída europeia na ‘guerra fria’ entre China e Estados Unidos

Dirigentes europeus falam de mudança climática e pandemia em um encontro virtual com Xi Jinping

Emmanuel Macron e Angela Merkel dão declarações juntos em 18 de junho em Berlim.
Emmanuel Macron e Angela Merkel dão declarações juntos em 18 de junho em Berlim.DPA vía Europa Press (Europa Press)

A França e a Alemanha procuram um caminho europeu na guerra fria entre Washington e Pequim. O presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, se reuniram na segunda-feira por videoconferência com o chefe de Estado chinês, Xi Jinping, para retomar a cooperação após meses de desencontros.

Os europeus se alinharam nas semanas recentes com as críticas da Administração de Joe Biden aos direitos humanos na China e à suposta agressividade deste país na região Ásia-Pacífico. Era o momento, para os dois motores da União Europeia (UE), não de uma correção —pois Macron e Merkel não se afastaram das posições sobre a China nas cúpulas do G7 e da OTAN em junho—, e sim de marcar um enfoque próprio e distinto do tomado pelos Estados Unidos, mais beligerante à potência asiática.

Foi a terceira reunião por videoconferência entre Merkel e Macron, de um lado, e Xi Jinping do outro, em pouco mais de meio ano. O encontro deveria servir para procurar um terreno comum após semanas de tensões e fixar uma agenda de cooperação sem esquecer as questões que os separam. Em primeiro lugar, as acusações a Pequim, por parte dos EUA e da UE, pelo tratamento à minoria uigur na província chinesa de Xinjiang.

“O presidente da República e a chanceler da República Federal da Alemanha”, afirmou o comunicado do Eliseu, “compartilham as graves preocupações em relação à situação dos direitos humanos na China e lembraram suas exigências sobre a luta contra o trabalho forçado”.

É somente uma frase, e a última, de um texto que retoma as questões em que a cooperação entre as duas partes pode se desenvolver: da mudança climática, em que a China é um sócio imprescindível, aos esforços para restabelecer as conexões aéreas após um ano e meio de pandemia.

Os líderes falaram, segundo a agência de notícias chinesa Xinhua, sobre o que Xi Jinping descreveu como uma “oportunidade”: a iniciativa conhecida como Nova Rota da Seda, uma rede de infraestrutura por via terrestre e marítima com a que Pequim quer se conectar com o restante do mundo. Os pedidos do presidente chinês para aproveitar essa iniciativa vieram poucas semanas depois de o G7 —do qual a China não participa— acertar desenvolver uma alternativa ao projeto regida por princípios democráticos.

Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$

Clique aqui

Xi Jinping propôs a criação de uma plataforma de quatro lados —China, Alemanha, França e África— para desenvolver o continente africano, em que a pujança chinesa erode a influência europeia. Macron pediu ao líder chinês que pense em maiores perdões da dívida aos países dessa região, enquanto Merkel indicou que a Alemanha consideraria seriamente a proposta chinesa.

A agenda da videoconferência, anunciada com algumas horas de antecedência, era muito técnica; o tema era geopolítico. A ideia é definir o lugar da Europa entre os Estados Unidos de Joe Biden e a China de Xi Jinping. Nessa partida de xadrez entre três, Washington tenta alinhar os europeus o mais perto possível de sua posição; Pequim pretende afastá-los.

Na cúpula do G7 no Reino Unido, em junho, as velhas potências industriais pediram uma investigação na China sobre as origens do vírus da covid-19; exigiram de Pequim respeito aos direitos humanos e às liberdades em Xinjiang e Hong-Kong; e se declararam “profundamente preocupadas” pelas “tentativas unilaterais de alterar o status quo e aumentar as tensões”. Dias depois, os líderes da OTAN afirmaram que as “ambições declaradas da China e seu comportamento resolutivo apresentam desafios sistêmicos à ordem internacional baseada nas regras e em áreas importantes à segurança da Aliança”.

Na época, a relação entre os 27 e a segunda economia do mundo já havia estremecido. Em março, Bruxelas havia imposto suas primeiras sanções à China desde o embargo de armas após a matança de Tiananmen em 1989. Em punição pelo que considera graves violações dos direitos humanos por parte de Pequim contra a minoria uigur na região de Xinjiang, a UE adicionou à sua lista restrita quatro dirigentes e uma entidade chineses.

O Governo de Xi Jinping respondeu imediatamente e com o tom mais alto, ao sancionar 10 indivíduos e quatro entidades. E em maio, o Parlamento Europeu congelou a ratificação do acordo de investimentos que os dois blocos fecharam cinco meses antes, em dezembro de 2020, após sete anos de árduas negociações.

Fomentar a cooperação

Na videoconferência de segunda-feira, segundo a rede de televisão CCTV, Xi Jinping pediu na reunião que Macron e Merkel desempenhem um protagonismo maior em questões internacionais e demonstrem “independência estratégica”. Na linguagem diplomática de Pequim, significa tomar decisões de maneira independente de Washington.

Onde a Europa se colocará em um mundo dominado por duas potências em tensão, os EUA e a China? Existe um caminho intermediário? Ou os europeus devem agir em bloco com seu aliado ocidental? Macron, em um colóquio no laboratório de ideias norte-americano Atlantic Council, em fevereiro, desenhou dois possíveis cenários, em sua opinião, e ambos negativos. “No primeiro”, disse, “nos encontraríamos em uma situação em que todos nos unimos contra a China”. Segundo o presidente francês, o alinhamento entre os EUA e a UE diante da China “seria contraproducente”, porque levaria a China a agir por sua conta e diminuir a cooperação.

Mas Macron também refutou a equidistância da Europa entre as duas potências. “Não faz sentido, porque de maneira nenhuma somos um rival sistêmico dos EUA. Compartilhamos os mesmos valores, a mesma história. E enfrentamos desafios às nossas democracias”, afirmou.

PEQUIM SOBE o TOM NO CENÁRIO INTERNACIONAL

Pequim adotou um discurso cada vez mais assertivo no cenário internacional, com um aumento de tom em relação ao começo da pandemia. Em 1º de julho, pelo centenário do Partido Comunista da China, o presidente Xi Jinping fez um discurso de marcado viés nacionalista na porta de Tiananmen, onde Mao Tsé-tung proclamou o nascimento da República Popular em 1949. Na ocasião, o presidente chinês alertou que os países que tentarem dominar o seu “se chocariam de maneira sangrenta contra um muro de aço construído com a carne e o sangue de 1,4 bilhão de chineses”.

Seu ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, repetiu as palavras de seu presidente neste fim de semana, ao alertar em um fórum internacional em Pequim que “nenhum indivíduo e força deveriam subestimar a determinação e a capacidade do povo chinês para defender a soberania, a segurança e o desenvolvimento desse país”. “A China já não é o país de um século atrás”, frisou.

No mesmo fórum, o embaixador da UE em Pequim, Nicolas Chapuis, lamentou que a atitude da China já não é somente assertiva, e sim começa a se tornar agressiva, “para nosso pesar”. “O multilateralismo efetivo implica que todas as nações, grandes e pequenas, sentem-se à mesma mesa com os mesmos direitos, e que, ainda mais importante, aceitem as opiniões de outros de maneira tolerante e construtiva”, acrescentou o representante europeu.

Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_