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Cuba se debate entre a continuidade e a mudança

Partido comunista realiza seu oitavo congresso, que começa nesta sexta-feira, com o país em crise e uma geração histórica de dirigentes se aposentando

Raúl Castro
Raúl Castro, durante uma cerimônia em Havana, em 2008.Pool Interagences (Getty)
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Unidade e continuidade. Esses são os principais lemas do oitavo congresso do Partido Comunista de Cuba que começa nesta sexta-feira em Havana e realizado em um momento de grande relevo, com a ilha em uma das piores crises de sua história e quando Raúl Castro, e com ele toda a geração histórica, começam a se aposentar. Raúl tem 89 anos. Ramón Machado Ventura, atual segundo secretário do Partido, completa 91 em outubro. Os veteranos comandantes Ramiro Valdés e Guillermo García têm, respectivamente, 88 e 92. Por razões óbvias a substituição geracional se impõe, e se unidade e continuidade foram as consignas escolhidas, não é por gosto: se encerra o ciclo iniciado em 1959 pelos que ocuparam a principal liderança do país desde que desceram de Sierra Maestra.

Foi o próprio Raúl Castro que no último congresso do Partido ordenou a substituição, ao propor um limite de dois mandatos para ocupar um cargo político de alto escalão e uma idade máxima de 60 anos para entrar no comitê central do Partido Comunista, e de 70 para ocupar os mais altos postos no partido, o único existente no país e a quem a Constituição atribui o papel de “vanguarda da sociedade”. O próprio Raúl Castro já chamou essa renovação de questão “estratégica”, uma vez que se trata de que a revolução sobreviva aos seus fundadores. Por isso o mantra da continuidade.

Quase todos os dirigentes municipais e provinciais do partido nasceram depois de 1959. Mas os membros da velha guarda continuaram ocupando cargos relevantes, compartilhados com dirigentes de uma gestão intermediária. No núcleo duro do Partido, o bureau político, sua mais alta instância, a idade média é de 69 anos, e oito de seus 17 integrantes têm mais de 75 (cinco deles são militares).

A entrega da relevância a uma nova geração já havia ocorrido de fato no Governo. O presidente do país, Miguel Díaz-Canel, completa 61 anos na próxima terça-feira, e o primeiro-ministro, Manuel Marrero, nasceu em 1963. Foi Raúl Castro que escolheu Díaz-Canel como seu sucessor na presidência, após chamá-lo de o “único sobrevivente” de uma geração de dirigentes que em diferentes momentos foram apoiados pelos históricos para garantir a sucessão e sobrevivência da revolução, mas em sua maioria caíram em desgraça.

O próprio Raúl Castro, ao entregar a ele a presidência em 2018, disse que se tudo ocorresse como o previsto Díaz-Canel também seria eleito primeiro secretário do Partido Comunista no oitavo congresso. Caso não ocorra nenhuma surpresa, assim será e o círculo será completo. Mas todos os históricos sairão? A continuidade continuará sendo tutelada? Como serão constituídos o comitê central e o bureau político, e o equilíbrio entre os setores ancorados na “velha mentalidade” e os mais reformistas? Os novos líderes terão margem para introduzir mudanças de envergadura, como a realidade impõe e se esse for seu desejo?

São muitas as suposições políticas e as perguntas no ar, mas a maioria dos analistas concorda em algo: o resultado do congresso é fundamental para o futuro, uma vez que os desafios políticos e econômicos que Cuba enfrenta são imensos. A situação do país é crítica na economia pela ineficiência e os problemas estruturais que o sistema traz, situação agravada pela pandemia —o PIB caiu 11% no ano passado— e o duríssimo recrudescimento do embargo pela Administração de Donald Trump.

Há meses o desabastecimento na ilha é brutal, com sua sequela de filas e descontentamento da população, somado a uma reforma monetária em andamento que fez com as pessoas perdessem grande parte de seu poder aquisitivo. A anunciada abertura, que deve ampliar consideravelmente as margens da iniciativa privada e, por fim, liberar o caminho às pequenas e médias empresas, avançou com muita lentidão na opinião dos economistas.

Um dos temas importantes do congresso é, justamente, comprovar se ele apoia claramente uma expressiva reforma econômica, vital à sobrevivência, ou se ficará no meio termo. Além disso, surge o novo cenário criado pela irrupção das redes sociais, que fez com que o Estado perdesse o monopólio da mensagem e da verdade estabelecida, servindo de alto-falante à dissidência e à sociedade civil em geral.

Novas lideranças

Mesmo que os desafios políticos sejam consideráveis —e não é esperada a menor cessão por esse lado—, há consenso em que a principal batalha será no campo econômico. “A sociedade cubana em geral está esgotada e é lógico que seja pessimista”, diz o economista Omar Everleny. “Mudar essa percepção não é tarefa fácil, mas não é impossível”, opina.

Everleny acha que os novos líderes que surgirem no oitavo congresso podem conduzir Cuba por um caminho mais próspero “ainda que mantenham a mesma ideologia de seus predecessores”. Tudo dependerá do equilíbrio do poder instaurado, e se os que saem compreenderem que para salvar o modelo que eles ajudaram a construir é necessário uma mudança profunda, e que deixem com que sejam ousados dentro dos limites possíveis”, indica.

Para o ex-diplomata e membro do partido Carlos Alzugaray, Díaz-Canel terá mais discricionariedade e poder de decisão do que já tem quando for eleito primeiro secretário do Partido Comunista. Mas o “principal obstáculo” com o qual deverá lidar, opina, continuará sendo “a prevalência de uma velha mentalidade em toda a máquina do Governo e do partido que resiste à mudança”, algo que o próprio Raúl Castro criticou no passado.

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“Se Raúl Castro e todos os históricos de fato se retirarem e isso significar a saída do atual segundo secretário, José Ramón Machado Ventura [ligado aos setores mais ortodoxos], então é lícito supor que seu substituto seja alguém da maior confiança de Díaz-Canel, que aumentará sua autoridade em tudo o que se referir ao manejo da máquina do partido. E é importante lembrar que é aí que se decide a promoção, rotação e remoção dos quadros”, diz Alzugaray.

É essencial, alerta o ex-diplomata, que os novos dirigentes sejam capazes de “produzir as mudanças que se tornaram difíceis de materializar, sem romper a imagem de continuidade”.

A legitimidade da geração histórica que agora abandona o poder vinha da epopeia guerrilheira e revolucionária, encarnada nas figuras de Fidel e Raúl Castro. Mas sua sucessora dependerá da gestão e dos resultados que os novos dirigentes sejam capazes de conquistar, no sentido de dar uma vida melhor e prosperidade aos cubanos. Parece claro que o feito até agora não funcionou para reativar a economia e sair da crise. E nesse sentido é cada vez maior o número dos que dizem que o lema continuidade obrigatoriamente deve ser associado a mudanças e transformações expressivas, sem maquiagens.

Segundo Rafael Hernández, acadêmico e diretor da revista Temas, em meio à crise atual forjar “consensos” é imprescindível à nova liderança. Díaz-Canel “tem agora o teste mais duro que um presidente com pouca experiência no cargo pode enfrentar: uma crise econômica acumulada, uma custosa reforma em andamento, uma epidemia que se prolonga mais do que o previsto, um Governo norte-americano que não perde a oportunidade de se equivocar. É a tempestade perfeita”. Diante de tantos desafios combinados, diz, “só tem uma opção”, e “seguir em frente com as reformas requer fazer política 24 horas por dia”. Como será Cuba dentro de cinco anos, quando deve ser realizado o próximo congresso do Partido Comunista cubano, é a grande pergunta a ser respondida.

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