Fuga de Leopoldo López para a Espanha deixa oposição venezuelana sem rumo
Opositor do Governo Maduro na Venezuela promete manter a pressão a partir do exterior, “sob a liderança” de Guaidó
Ao ir embora da Venezuela, Leopoldo López, a figura mais simbólica da oposição ao chavismo, deixa sem rumo os planos do bloco de partidos que tentam forçar uma renúncia do presidente Nicolás Maduro e abre um cenário incerto quanto à liderança dessa frente. A decisão do político, que neste domingo chegou a Madri para se reunir com sua família após passar mais de seis anos privado de liberdade, desconcertou dirigentes e militantes opositores, cujas expectativas de mudança se viram frustradas em repetidas ocasiões. López afirmou que manterá a mesma batalha em um “novo terreno de luta” e se pôs às ordens de Juan Guaidó.
O presidente da Assembleia Nacional, reconhecido como chefe de Estado interino por cerca de 60 países, é desde o começo de 2019 o principal líder da oposição ao regime. Entretanto, o impulso de López foi decisivo para empoderá-lo, e a estratégia adotada até hoje responde, basicamente, ao seu assessoramento direto. As ondas de mobilizações, as tentativas de provocar uma fissura nas Forças Armadas, as sublevações e a alavanca das sanções sempre esbarraram, entretanto, no aparato e na repressão do Governo chavista, que conseguiu se manter no poder e controla todas as engrenagens do Estado.
Depois de uma fuga confusa, revelada no sábado de manhã e da qual ainda se desconhecem os detalhes e a organização prévia, López publicou à noite em sua conta do Twitter cinco mensagens que oferecem sobretudo uma leitura interna. Ou seja, dirigiu-se aos venezuelanos que em algum momento confiaram nele para lhes prometer que continuará seu trabalho no exterior. A pressão internacional contra o Governo venezuelano, exercida sobretudo pelos Estados Unidos, por países latino-americanos como a vizinha Colômbia e em menor medida pela União Europeia, se transformou há algum tempo na principal cartada da oposição para tentar debilitar o sucessor de Hugo Chávez.
“Como sempre, seja nas ruas com o povo, ou numa prisão militar, em um tribunal injusto ou perseguido em uma embaixada, todo nosso tempo e energia serão para ser útil ao povo venezuelano na conquista de sua liberdade”, escreveu o ex-prefeito do município de Chacao, parte de Caracas, fazendo referência ao seu passado recente. Em 2014, ele foi detido sob a acusação de estimular uma onda de protestos que escaparam ao controle e deixaram mais de 40 mortos. Passou três anos na prisão militar de Ramo Verde, até que em julho de 2017 a Justiça, controlada pelo chavismo, lhe concedeu o benefício da prisão domiciliar. Quase dois anos mais tarde, em 30 de abril de 2019, foi liberado com a ajuda de alguns soldados e do chefe do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), Christopher Figuera, numa frustrada tentativa de rebelião. Pediu então refúgio na residência do embaixador espanhol, Jesús Silva, onde permaneceu até sábado.
O pessimismo da oposição cresceu em meio da pandemia, e vários dirigentes, que em muitos casos tiveram que se exilar como López para evitar a perseguição do regime, estão conscientes de que esperar uma transição em curto prazo é uma miragem. Também se espalharam as tensões e afloraram as diferenças, sobretudo com Henrique Capriles, com vistas às eleições parlamentares convocadas para dezembro, que serão boicotadas pela maioria das forças antichavistas, que alegam falta de garantias. Entretanto, nem Guaidó, cujo desgaste se acelerou nos últimos meses, nem López querem expor sinais de desânimo. Assim, o segundo assegurou que “sob a liderança” do chefe do Parlamento “e em coordenação com a Assembleia Nacional, a unidade democrática e aliados internacionais de nossa luta” se encontrará uma solução. “Estamos seguros de que a Venezuela será livre e democrática”, manifestou.
López, de 49 anos, prepara-se para esse caminho em Madri, onde pousou por volta de 12h de domingo (hora local). O opositor não foi visto em público saindo do aeroporto madrilenho e se dirigiu em seguida a seu domicílio, conforme indicaram fontes familiares ao EL PAÍS. O político não saiu pela porta habitual de passageiros, apesar de ter chegado em um voo comercial. Fontes do aeroporto de Madri não revelaram se López tinha chegado via Bogotá ou Miami, nem quais teriam sido as escalas da viagem.
Na capital espanhola vivem sua esposa, Lilian Tintori, seus três filhos e seu pai, o eurodeputado Leopoldo López Gil, com os quais já se encontrou. “Muito feliz de me reunir com meu filho em Madri e desfrutar da sua liberdade em companhia da família. Obrigado à Espanha por seu apoio consequente aos princípios democráticos”, tuitou Leopoldo López Gil. Da sua conta oficial do Instagram, o dissidente publicou a primeira foto do reencontro familiar.
Nenhum membro da família dele foi visto indo recebê-lo em Barajas, embora algumas fontes dissessem que Tintori e a embaixadora na França do Governo interino de Juan Guaidó, Isadora Zubillaga, teriam se encontrado com ele no aeroporto. Tampouco estiveram presentes seus partidários residentes em Madri, nem houve uma comitiva oficial da oposição, como recebeu Guaidó em janeiro deste ano – aliás, encabeçada por Tintori. Fontes próximas à família e também citadas pela agência Efe indicaram que eles se dirigiriam ao domicílio de seu pai, no bairro madrilenho de Salamanca, para lhe dar as boas-vindas, e que o líder opositor prevê conceder entrevista coletiva nos próximos dias.
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