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Estados Unidos entram no último mês de campanha submerso em total incerteza

Com Trump internado por covid-19, os debates no ar e a confirmação da juíza Barrett em dúvida, somente uma coisa se mantém constante: a vantagem de Biden em todas as pesquisas

Uma mulher se registra para votar em 22 de setembro durante o Dia Nacional de Registro de Eleitores, na Flórida.
Uma mulher se registra para votar em 22 de setembro durante o Dia Nacional de Registro de Eleitores, na Flórida.Joe Burbank (AP)

A somente 30 dias das eleições, os norte-americanos não sabem como será o restante da campanha eleitoral, qual será o papel de Donald Trump, internado desde sexta-feira com covid-19, se poderão ser feitos novos debates presidenciais e se haverá mais dos multitudinários comícios trumpistas. Também se o processo de confirmação da juíza nomeada pelo presidente para o Supremo Tribunal, a conservadora Amy Coney Barlett, seguirá adiante antes das eleições. Ignoram, até mesmo, se o vencedor será conhecido na própria noite eleitoral ou será preciso esperar dias, por uma possível enxurrada de votos por correio. Dizer que a incerteza é total não basta. A única certeza é que em 3 de novembro, daqui a exatamente um mês, a população irá eleger seu próximo presidente.

Donald Trump e seu rival democrata, Joe Biden, enfrentam o ataque final pela Casa Branca em circunstâncias insólitas pela pandemia de coronavírus. Já eram antes do presidente ser internado em um hospital. As pesquisas dão o vice-presidente de Barack Obama como vencedor seguidamente há um ano. Sua vantagem, de acordo com a média das pesquisas elaboradas pela Real Clear Politics, estava em sete pontos (50% contra 43%) com os dados mais recentes, de sexta-feira, ainda que a diferença tenha chegado a 11 em junho. É a única coisa que se mantém estável nessa campanha.

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É impossível não olhar esses números com ceticismo, não lembrar como a democrata Hillary Clinton perdeu para Donald Trump após liderar as pesquisas durante todo o ano anterior. O cenário, entretanto, é diferente. Em 8 de outubro de 2016, quando faltava somente um mês às eleições, a ex-secretária de Estado superava o republicano nas pesquisas em 4,6 pontos, e essa distância diminuiu até 3,2 pontos em 7 de novembro, na véspera da eleição.

Clinton obteve aproximadamente três milhões de votos individuais a mais do que Trump, mas o sistema norte-americano traduz as cédulas em votos eleitorais, que são os que decidem o vencedor e estão distribuídos por territórios. E nisso, caiu. Perder em territórios de voto pendular tão importantes como Ohio, Flórida, Michigan, Pensilvânia e Wisconsin —estes três últimos, pela diferença mínima— liquidou suas opções. E esses mesmos Estados, além do Arizona, são os que se deve olhar com atenção dessa vez para saber se a vantagem de Biden tem buracos.

“Biden tem uma coisa muito boa que é, se olharmos as pesquisas nacionais, a porcentagem de apoio que tem está sempre acima de 50%, enquanto que algo que prejudicou muito Hillary Clinton é que, mesmo estando na frente de Trump, a porcentagem de apoio ficava abaixo de 50% na maioria desses Estados decisivos (47% a 43,8%, como média nacional, um dia antes da votação), e isso significa que havia muitos indecisos”, diz Miles M. Coleman, analista do Centro de Política da Universidade da Virgínia.

Além disso, Trump já não enfrenta a eleição como um outsider, uma aposta, uma aventura. O magnata nova-iorquino tem mais de três anos e meio de mandato marcado pelos escândalos e a crispação política. Pouco depois de ser absolvido de um julgamento político no Senado —o impeachment—, foi declarada a pior pandemia em um século e sua errática gestão provocou uma enxurrada de críticas. Mais de sete milhões de norte-americanos se infectaram no país, Trump entre eles, e mais de 200.000 morreram. O presidente já não é uma incógnita e o que enfrenta em 3 de novembro é um plebiscito. Também não parece existir um cenário em que a doença possa lhe beneficiar de alguma forma, o contrário é mais provável, por ter zombado das precauções tomadas por Biden contra o vírus. “Eu não desejo mal a ninguém, mas ele estava procurando”, disse na sexta-feira Lisa Lucas, uma eleitora republicana em Phoenix, Arizona.

As pesquisas nacionais, entretanto, revelam pouco sobre as dinâmicas que por fim determinarão o resultado. É preciso olhar Estado por Estado, cada um com sua demografia, suas regras eleitorais e sua peculiaridade. Os chamados Estados divididos, ou seja, aqueles em que não se pode prever quem irá ganhar, podem ser até 17, de acordo com o critério aplicado, mas o consenso é que essa campanha será decidida em seis: Michigan, Wisconsin, Pensilvânia, Arizona, Carolina do Norte e Flórida.

Flórida

De todos eles, o Estado mais preocupante à campanha de Biden é a Flórida, o maior dos que podem decidir a eleição. Tem 29 votos eleitorais, que sozinhos bastariam para anular os resultados de Michigan (16) e Wisconsin (10) juntos. Trump ganhou a Flórida por 1,2 ponto em 2016. As pesquisas estão empatadas. Recentemente Biden teve 1,1 ponto de vantagem, mas sempre dentro de qualquer margem de erro. A Flórida está no imaginário dos Estados Unidos como o cenário do pesadelo de 2000, quando a recontagem de poucos milhares de votos em um condado decidiu a eleição nacional entre Al Gore e George W. Bush. Além disso, se somam dinâmicas que não ocorrem em outros lugares, como a complexidade do voto latino, dividido entre pessoas de origem cubana, venezuelana, sul-americana e mexicana, com ideias e interesses distintos. A Flórida é uma moeda no ar inquietante para as duas campanhas.

Michigan e Wisconsin

Biden parece em posição muito melhor para recuperar os Estados do cinturão industrial que Trump levou por poucas dezenas de milhares de votos em 2016. Em Michigan, a média das pesquisas lhe dá mais de cinco pontos de vantagem (49,2% a 44%). Em Wisconsin, os números são parecidos. A notícia não é só a vantagem de Biden, e sim a consistência dessa tendência desde abril. Em todos os Estados fundamentais, além disso, o assunto que mais preocupa os eleitores é a pandemia da Covid. Essa realidade enterrou o grande trunfo eleitoral de Trump, que era a bonança financeira do país.

Pensilvânia

O segundo em tamanho dos Estados em disputa é a Pensilvânia. Tem 20 votos eleitorais. É um Estado muito complexo, de 13 milhões de habitantes, que vai dos Apalaches à Costa Atlântica. A Pensilvânia foi uma derrota dolorosa para Clinton, que perdeu por 0,7% de votos. Wisconsin, Michigan e a Pensilvânia haviam votado no candidato democrata nas seis vezes anteriores, desde 1992. As pesquisas favorecem Joe Biden dessa vez, mas somente de três a seis pontos. A boa notícia é que a diferença parece aumentar nas últimas semanas. Nenhuma pesquisa colocou Trump como vencedor nesse Estado.

Carolina do Norte

A Carolina do Norte tem 15 votos eleitorais. Trump venceu nesse Estado em 2016 por 3,6 pontos sobre Clinton. As pesquisas estão empatadas, até mais apertadas do que na Flórida. A vantagem é de Biden, mas insignificante a essas alturas. A Carolina do Norte, entretanto, foi o Estado em que Biden virou nas primárias democratas e selou sua vitória graças a uma mobilização maciça do voto dos afro-americanos. Essa mobilização recente pode jogar a seu favor.

Arizona

Por último, o novo convidado ao grupo de Estados que irão decidir o próximo presidente é o Arizona. Desde que se tornou um Estado em 1912, votou somente por quatro democratas e os quatro foram eleitos (Woodrow Wilson, Franklin D. Roosevelt, Harry S. Truman e Bill Clinton). São várias as dinâmicas que colocaram um Estado tradicionalmente republicano prestes a votar novamente em um democrata, mas se resumem no cada vez maior peso de suas cidades e em uma mobilização de seu crescente eleitorado latino e jovem que já é impossível de se ignorar. Além disso, o Arizona assiste a uma intensa campanha por uma cadeira no Senado que irá encorajar a participação tanto quanto a eleição presidencial. As pesq com três a quatro pontos de vantagem. Há somente quatro anos não teria sido realista marcar o Arizona. Em 2020, com seus 11 votos eleitorais, pode muito bem decidir a presidência.

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