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Trump, internado em hospital militar para tratar coronavírus, provoca reviravolta na campanha dos EUA

Doença obriga o cancelamento da agenda do presidente a um mês da votação. Presidente ficará na suíte especial do Centro Médico Militar Nacional Walter Reed en Bethesda, Maryland

Foto de Trump retornando à Casa Branca na quinta-feira, horas antes do anúncio de seu contágio por covid-19
Foto de Trump retornando à Casa Branca na quinta-feira, horas antes do anúncio de seu contágio por covid-19JOSHUA ROBERTS (Reuters)
Amanda Mars

A campanha eleitoral norte-americana entrou em território inexplorado na madrugada de sexta-feira, com a confirmação de que o presidente Donald Trump testou positivo para coronavírus, assim como sua esposa, Melania. O contágio, que fez o republicano ser internado no Centro Médico Militar Nacional Walter Reed nos arredores de Washington, muda o tabuleiro de jogo a um mês do crucial encontro com as urnas. Os médicos recomendaram a internação pelos “próximos dias” para que Trump possa receber atenção imediata, caso seja necessário. Ainda que só tenha, por enquanto, sintomas leves ―o republicano diz que “seguirá trabalhando”―, ele precisará suspender sua agenda durante dias, e também terá de interromper a tentativa de fazer com que a pandemia, que já tirou a vida de mais de 207.000 pessoas nos Estados Unidos, seja esquecida. Trump acabou dando de cara com a própria realidade do tema.

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Por volta das 18h20 (horário de Washington), o presidente deixou a residência oficial caminhando, vestindo terno e gravata, fez sinal de positivo para a imprensa e subiu no helicóptero presidencial Marine One, que saiu dos jardins da Casa Branca para transferir o presidente ao centro médico. Aos 74 anos, o magnata de Nova York está no grupo de risco da covid-19, e seu peso, 110 quilos, aumenta sua vulnerabilidade ao vírus. Trump está recebendo “uma dose de oito gramas do coquetel de anticorpos Regeneron”, um medicamento experimental que ainda não foi aprovado pelas autoridades reguladoras, informou a Casa Branca.

Pouco depois de chegar ao hospital, o Twitter do presidente publicou uma breve mensagem sua, gravada em vídeo na Casa Branca, na qual o tranquilizou o público sobre seu estado. "Quero agradecer a todos pelo incrível apoio. Vou para o Hospital Walter Reed. Acho que estou bem, mas vamos garantir que tudo dê certo. A primeira-dama está bem. Muito obrigado, nunca vou esquecer ". ele afirma. Segundo fontes próximas ao presidente, citadas pelo The Washington Post, Trump está com febre, tosse e congestão nasal, entre outros sintomas. Melania Trump também tem alguns sintomas, como tosse e dor de cabeça, mas não precisou de cuidados hospitalares até agora.

A ironia

O episódio sela de maneira irônica um longo processo: o que ocorreu desde que Trump escondeu deliberadamente a gravidade do vírus, minimizando a importância da crise e se negando a usar máscara durante meses, até sofrer ele mesmo a doença em seu corpo. A agenda imediata de Trump foi automaticamente cancelada. Nesta sexta-feira ele deveria fazer campanha na Flórida, um dos territórios cruciais em 3 de novembro, e realizar um comício no sábado em Wisconsin, outro local decisivo.

Ao contrário do democrata Joe Biden, de 77 anos, o presidente estava tentando realizar um programa de atos eleitorais do modo mais tradicional possível, apesar das restrições pela pandemia. Na terça-feira, no turbulento debate televisivo, Trump até zombou das precauções que seu rival nas urnas estava tomando pela covid-19. “Coloco a máscara quando é preciso. Não a coloco o tempo todo como ele [se referindo a Biden], que a usa mesmo quando está falando a 60 metros de distância de mim”, provocou.

Ainda não se sabe se ele já estava infectado no debate. Os alarmes soaram no final da tarde de quinta-feira, quando a Casa Branca confirmou o positivo de Hope Hicks, de 31 anos, uma das mais íntimas colaboradoras do presidente, e o republicano anunciou que ficaria de quarentena à espera dos resultados, uma medida de prevenção que não havia tomado em outros casos de contágios de pessoas próximas. Por volta de uma da madrugada, horário da Costa Leste dos Estados Unidos, Trump publicou no Twitter: “Nesta noite, eu e a primeira-dama demos positivo nos testes de Covid-19. Começaremos imediatamente nossa quarentena e processo de recuperação. Sairemos dessa JUNTOS”.

E a reta final da campanha, para a qual restam quatro semanas, entrou em território desconhecido. Os mercados futuros de Wall Street sofreram a incerteza, com uma queda de 1,5%, e derrubaram as bolsas europeias. O chefe de gabinete da Casa Branca, Mark Meadows detalhou na sexta-feira que o mandatário está bem e só possui sintomas leves – da mesma forma que Melania Trump –, que se encontra “com muita energia” e continua trabalhando, apesar da reclusão. O vice-presidente, Mike Pence, que como número dois do Governo deveria assumir no caso de Trump ficar incapacitado, testou negativo após se submeter a um teste cujos resultados foram divulgados na sexta.

O contágio de Trump fez com que todos os que o cercam testassem imediatamente, começando pelo próprio Biden, que na terça-feira compartilhou intensos 90 minutos da mesma sala que o presidente, discutindo sem máscara . Por volta de meio-dia e meia (13h30 de Brasília), seu médico comunicou que o teste realizado não havia detectado rastros de Covid. A filha e assessora presidencial, Ivanka Trump, e seu esposo e assessor, Jared Kushner, também deram negativo, da mesma forma que o filho mais novo, Barron, de 14 anos.

A cronologia dos eventos nos EUA até a contaminação de Trump (em espanhol)

Vai e volta

É a mais recente reviravolta que dá essa campanha presidencial de 2020, que começou com o terceiro impeachment a um presidente na história dos Estados Unidos, continuou com a pior pandemia em um século, a recessão econômica mais grave em 70 anos, e depois, nesse verão (do hemisfério norte), com a maior onda de protestos contra o racismo vivenciada pelo país desde o assassinato de Martin Luther King. O falecimento da juíza do Supremo Tribunal Ruth Bader Ginsburg, há duas semanas, colocou a batalha pela maior autoridade judicial no centro da campanha; a revelação posterior dos impostos baixíssimos pagos por Trump nos últimos 20 anos jogou gasolina ao fogo. A pandemia foi a última mudança de roteiro, no momento mais indesejável para o republicano, últimas semanas fundamentais para recuperar terreno nas pesquisas.

De acordo com a média das pesquisas elaboradas pela empresa Real Clear Politics, uma das grandes referências em pesquisas dos EUA, Biden tem sete pontos de vantagem em relação a Trump nacionalmente (50% a 43%), ainda que em territórios de voto pendular e decisivo, como a Flórida, a diferença se estreite e revele que tudo está no ar, que a batalha das próximas semanas será feroz, mesmo que o formato, virtual ou pessoal, não esteja claro. Não se pode afirmar, também, que o próximo debate presidencial programado, em 15 de outubro, irá ocorrer. O primeiro, de terça-feira passada, foi tão caótico e vulgar, com insultos e aumentos de tom, principalmente por parte de Trump, que o comitê organizador anunciou mudanças nas regras.

Na sexta-feira, Biden desejou a Trump uma rápida recuperação. A presidenta da Câmara de Representantes, a influente democrata Nancy Pelosi, chamou de “triste e trágica” a notícia e aproveitou para afirmar que o caso é uma lição. “Se as pessoas virem que o presidente e a primeira-dama, com toda a proteção que têm, ainda se arriscam a se infectar, pode servir de lição”, disse em uma entrevista pela televisão. Ela também acabou de se submeter ao teste. A colega de corrida presidencial de Biden, a candidata à vice-presidenta Kamala Harris, comunicou durante a manhã que havia testado negativo.

Trump, cuja gestão errática da pandemia desencadeou uma tempestade de críticas, passou a fazer parte das estatísticas que tanto o prejudicam, as que colocam os Estados Unidos no epicentro da crise sanitária, com sete milhões de casos confirmados desde o começo da pandemia. O republicano também é o último dos presidentes que se tornaram vítimas do coronavírus após minimizarem seus riscos. Os outros são o brasileiro Jair Bolsonaro, o bielorrusso Aleksandr Lukashenko e o britânico Boris Johnson.

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