A fuga do Brasil de Bolsonaro para Portugal

Número de residentes brasileiros no país europeu cresce quase 50% no primeiro ano do Governo

Yasmin Narcizo e o marido, André Vieira, ambos imigrantes brasileiros, na quinta-feira em Lisboa.Felipe Sánchez
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“O Rio é lindo, o Brasil é lindo, mas a violência está totalmente descontrolada”, lamenta Janette Ferreira Santos, uma migrante brasileira de 43 anos que trabalha em uma lavanderia nos arredores de Lisboa. “Saí para dar um futuro melhor à minha filha.” Em 2018, Ferreira votou no presidente Jair Bolsonaro, acredita em suas promessas de mudança (combater o crime foi uma delas) e diz que votaria nele outra vez. “O problema é que ele pegou um país destruído”, explica, “o PT esteve no poder por 13 anos e continua por trás de tudo. Portanto, não se pode fazer muito.” Ela hesita quando percebe que está no meio de uma entrevista, mas no final diz: “O problema também são os meios de comunicação”. Durante o primeiro ano de mandato de Bolsonaro, no poder desde 1º de janeiro de 2019, a migração de brasileiros para Portugal disparou: em 2018 havia 105.423 brasileiros vivendo no país europeu e um ano depois em 151.304, cerca de 50% a mais, de acordo com um relatório apresentado pelas autoridades portuguesas no mês passado. No ano anterior o aumento havia sido de cerca de 20.000 pessoas (23%). A última vez que houve um aumento semelhante foi em 2008 (61,2%).

Os pedidos de nacionalidade portuguesa duplicaram. Embora o setor de serviços nas principais cidades portuguesas esteja praticamente dominado pelos brasileiros, na onda migratória mais recente há jovens mais qualificados e famílias de renda média alta, de acordo com os escritórios de advocacia especializados em migração consultados. No ano passado houve também um aumento de 17% —depois de uma queda de 20% no ano anterior— de vistos gold emitidos para cidadãos do gigante sul-americano. Essas autorizações de residência são concedidas em troca de um investimento entre 250.000 euros e um milhão, em diferentes setores, principalmente o imobiliário.

Ferreira saiu do Brasil meses depois da vitória de Bolsonaro; agora vive e trabalha em Moscavide, um bairro popular que virou um reduto de compatriotas. Ao lado, separado pelos trilhos de trem, fica o bairro de Parque das Nações, uma área de luxo revitalizada depois da Exposição Mundial de 1998 e onde fica a estação ferroviária de Oriente. “Vou lhes dizer uma coisa: os ricos do Brasil votaram primeiro em Bolsonaro e depois vieram morar aqui”, brincava no verão passado um garçom com um grupo de turistas num centro comercial diante da mudança perceptível no perfil dos migrantes.

Nem todos os ricos votaram no atual presidente, nem todos se mudaram para Portugal, mas o fluxo de profissionais de classe média e alta para o país europeu é palpável. Yasmin Narcizo, redatora publicitária de 30 anos, chegou a Lisboa no ano passado, vinda do Rio de Janeiro, cansada da nova realidade política do país e da insegurança. “Eu já tinha pensado em emigrar para Portugal, mas quando Bolsonaro ganhou, meu marido e eu dissemos ‘basta’”, afirma. Narcizo tem um podcast em que dá conselhos sobre como se estabelecer em Portugal. “Recebemos dezenas de mensagens de pessoas que querem sair do Brasil”, diz, embora o aumento do desemprego devido à pandemia esteja obrigando alguns brasileiros a voltar.

Emprego qualificado

O Governo do socialista António Costa decidiu incentivar a imigração qualificada como estratégia para combater uma ameaça existencial: o envelhecimento dos portugueses. Somente o Japão e a Itália têm uma porcentagem maior de habitantes com mais de 65 anos, segundo dados do Banco Mundial. Para cada aposentado existe apenas 1,6 contribuinte da seguridade social (na década de 1970 eram 12,7), segundo a consultoria Pordata. O Governo facilitou a tramitação dos vistos de emprego para profissionais e empreendedores. Os novos migrantes do Brasil se encaixam perfeitamente nessa equação.

O crescimento da migração brasileira para Portugal começou em 2017, depois de um declínio contínuo de três anos. Hoje, esses mais de 150.000 brasileiros representam um quarto do número total de migrantes no país europeu (cerca de 600.000), sem contar aqueles que já têm nacionalidade portuguesa devido às suas raízes familiares ou aqueles que entram com passaporte de outros países europeus, como no caso dos quase 7.500 brasileiros de nacionalidade italiana que vivem em Portugal.

“Os brasileiros não se vão por razões políticas. Certamente, aqueles que são contra o presidente dizem que foi por culpa dele; e aqueles que o apoiam, que sua gestão não tem nada a ver com terem saído”, diz o advogado Pedro Valido, dono de uma empresa especializada em direito comercial que assessora clientes interessados em vistos gold. “A verdade é que eles partem porque não podem suportar a falta de segurança, querem andar tranquilos pela rua”, conclui Valido.

Em 2019 houve uma queda recorde na taxa de homicídios no Brasil, um dos países mais violentos do mundo, mas os tiroteios em plena luz do dia em cidades como o Rio de Janeiro continuam sendo comuns. “Digo isso com total certeza: a vitória de Bolsonaro foi decisiva quando decidi sair”, diz o advogado José Eduardo Chavans, de 27 anos, que chegou a Porto no ano passado para abrir uma filial de um escritório que assessora pessoas que querem migrar. Pouco antes de a pandemia eclodir ainda era um negócio em crescimento, mas o fraco desempenho do Governo do Brasil na luta contra a covid-19 (é o segundo país no mundo em casos e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, e se aproxima de 2 milhões de infectados) fez com que o mundo literalmente fechasse suas portas aos brasileiros e deixou no ar o destino do fluxo migratório. Laissa Moura Ferreira, designer de 32 anos, fez as mesmas contas: insegurança mais Bolsonaro igual a exílio voluntário em Portugal; chegou em 2019 e tem planos de ficar por muitos anos, apesar da incerteza por conta da pandemia. “Se tudo correr bem, meus pais também virão morar aqui.”

EMPREGO E QUALIDADE DE VIDA

É difícil comparar a economia de Brasil e Portugal. Um deles é um mastodonte com o nono maior PIB do mundo que está na UTI desde que superou a recessão em 2018; o outro é um membro frágil da zona do euro que estava se recuperando bem da última crise até a irrupção do coronavírus. Para uma engenheira, um programador ou uma economista que podem ter ofertas de emprego nos dois lados do Atlântico, a possibilidade de se mudar para Portugal é tentadora. O salário talvez não seja melhor, mas os laços culturais facilitam a aterrissagem e a qualidade de vida não tem comparação (a expectativa de vida em Portugal é de 81,5 anos, a do Brasil 76,4).


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