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Milhares de argentinas relançam a campanha pelo aborto legal com o primeiro ‘pañuelazo’ do ano

Coletivos feministas se mobilizam em Buenos Aires e outras grandes cidades da Argentina exigindo a aprovação de uma lei que estipule prazos para a interrupção da gravidez

O protesto feminista em frente ao Congresso argentino, em Buenos Aires.
O protesto feminista em frente ao Congresso argentino, em Buenos Aires.Natacha Pisarenko (AP)

Mulheres em fila, com os olhos vendados e lenços verdes em pescoços e pulsos, cantaram pela primeira vez em Santiago, no final de 2019, a canção O estuprador é você. A coreografia do coletivo feminista Las Tesis viralizou e se repetiu mundo afora desde então. Nesta quarta-feira, o Las Tesis encabeçou o pañuelazo (manifestação com lenços) convocado pela campanha nacional pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito em Buenos Aires, com uma versão adaptada à realidade argentina. O ato marcou o início da campanha do feminismo local por uma lei que estipule prazos para o aborto legal, revogando a norma atual, que pune com até quatro anos de prisão a gestante que interromper voluntariamente sua gravidez, exceto em casos de estupro ou risco à sua saúde.

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“O patriarcado é um juiz,/ que nos obriga a parir,/ e o nosso castigo/ é a violência que você vê./ É feminicídio./ Maternidade como destino./ É estupro./ É aborto clandestino”, diz a letra adaptada com a colaboração da escritora argentina Claudia Piñeiro. “O estuprador é você, o opressor é você. O aborto será lei, o aborto será lei, o aborto será lei”, continua. Milhares de pessoas a cantaram nesta quarta em frente ao Congresso argentino e depois agitaram os lenços verdes, símbolo de quem defende o direito à interrupção voluntária da gravidez.

“O aborto legal é uma dívida da democracia. Uma reivindicação da luta feminista que marcou o devir de milhões de jovens na região, que exigem mais direitos, liberdade e autonomia”, manifestou através de um comunicado A Campanha, que engloba mais de 700 organizações feministas, de mulheres e dissidências sexuais.

“Sobreviver a um aborto é um privilégio de classe”, “Obrigar a parir é tortura”, “Direito de decidir”, “Muito ‘fechem as pernas’, pouco ‘guardem os paus’”, lia-se em alguns dos cartazes erguidos pelas mulheres, em sua maioria jovens, que se reuniram na praça. As manifestações se repetiram em dezenas de cidades argentinas, como Córdoba, Rosário, Mendoza, Santa Fe e Formosa, entre outras.

“Este é um ano crucial. Sabemos que será lei, a questão é quando. Estamos aqui para fazer sentir a pressão, porque está em jogo a vida das mulheres e dos corpos gestantes”, diz a escritora Dolores Reyes, que foi à mobilização de Buenos Aires acompanhada de uma de suas filhas. “As manifestações do presidente (Alberto Fernández, a favor do aborto legal) ajudam, mas não bastam. É o Congresso que tem que votar”, acrescenta a autora de Cometierra, um romance atravessado pelos feminicídios na Argentina.

“Na Argentina os direitos se conquistam na rua. Neste 2020 o aborto será lei”, dizem quase em uníssono Juana e María, duas secundaristas esperançosas com a perspectiva de reabertura do debate legislativo e de uma nova votação.

O Governo está concluindo um projeto de lei para a legalização do aborto a ser apresentado por Fernández na abertura da próxima legislatura, em 1º de março. “Na Argentina o aborto é um crime. Qual é o problema? Que todo aborto se torna clandestino, e na clandestinidade o risco de vida e de saúde para a mulher aumenta. O problema é mais agudo de acordo com a classe social de quem pratica o aborto. Vou mandar uma lei que termine com a penalização do aborto e permita o atendimento de qualquer aborto em qualquer centro público”, disse Fernández a estudantes universitários na França.

É a primeira vez na história da Argentina que um presidente em exercício respalda a interrupção voluntária da gravidez. Ainda assim, a aprovação da lei está nas mãos das duas câmaras legislativas. Em 2018, a Câmara de Deputados aprovou o projeto de legalização, mas o Senado barrou a reforma e deixou o país com a normativa atual, que data de 1921.

O Congresso foi parcialmente renovado nas eleições gerais de outubro passado, mas muitos dos legisladores eleitos ainda não se pronunciaram sobre o assunto, e portanto não se sabe se há votos suficientes para mudar o resultado de dois anos atrás.

Os setores conservadores deixaram claro que também irão à luta, e no próximo 8 de março haverá duas grandes mobilizações opostas. Em Buenos Aires, a marcha pelo Dia Internacional da Mulher voltará a ter o aborto legal como uma de suas máximas bandeiras. Enquanto isso, em frente à basílica de Luján, a mais importante do país, ao sul de Buenos Aires, a Igreja católica argentina celebrará uma missa em defesa da criança por nascer e contra permitir que as mães possam interromper sua gravidez.

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