América Latina busca uma saída para a crise econômica
Previsões de recessão histórica, queda das exportações e destruição de empregos põem a região contra as cordas
Nestes meses de pandemia, Héctor Bárcena gastou todas as suas economias. O cabeleireiro mexicano de 28 anos ainda deve o aluguel dos meses em que seu salão ficou fechado. Sua segunda filha nasceu em abril, o que aumentou os gastos. Bárcena, como muitos latino-americanos, aluga também um lugar para morar. Seu único bem é um carro que colocou à venda para cobrir as despesas essenciais dos próximos meses. “Aqui dizemos que os bens são para remediar os males, então essa é a opção para seguir em frente”, diz ele por telefone do Estado do México, que rodeia a capital. Bárcena suspira e continua: “Será difícil para minha família, mas não temos outra opção.”
Milhões de pessoas em toda a América Latina buscam a maneira de se manter e sobreviver na crise econômica causada pela Covid-19. Algumas migraram seus negócios ou trabalhos para a internet, outras os deixaram para vender máscaras ou gel antibacteriano. Muitas dependem totalmente das remessas enviadas por seus familiares no exterior, enquanto outras caíram na indigência. Num lugar onde impera a informalidade, é difícil saber ao certo quantos empregos já foram perdidos, mas a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que tenham sido 47 milhões este ano até agora. A América Latina é a região do mundo que perdeu mais horas de trabalho remunerado.
Rumo a uma recessão histórica
As previsões são muito difíceis de digerir. O Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que o Produto Interno Bruto (PIB), a medida mais importante da economia, terá uma contração de 9,3% este ano —a pior recessão já registrada na América Latina. É provável que esta não seja a última previsão. As projeções pioram cada mês que passa sem que haja um tratamento eficaz ou uma vacina contra a síndrome respiratória aguda grave causada por este novo coronavírus. Em maio, a região se tornou epicentro dos contágios, e sua taxa de mortalidade aumentou até ocupar as primeiras posições.
Apesar disso, os países da região experimentam uma abertura gradual ou parcial da atividade econômica, mas há setores, como a indústria e o entretenimento, que exigem uma proximidade humana em espaços fechados, de modo que não poderão ser retomados plenamente até que se controle o vírus. No mundo, os setores mais afetados são o automotriz, os serviços comerciais (como salões de beleza e restaurantes) e profissionais (como os call centers), hotelaria, energia e vendas no varejo. Por outro lado, alguns setores mantiveram um desempenho relativamente bom, como gás, eletricidade, bancos, seguros e serviços online.
A produção industrial caiu tanto nos países da região que ameaça prolongar a recuperação econômica. Argentina, Brasil e México, as economias com indústrias mais competitivas da região, estão sofrendo perdas. Cifras da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) mostram uma queda de 30,8% na produção industrial do México entre março e maio; no Brasil, a produção em maio caiu 12% no mesmo período. Na Argentina, o setor sofreu uma contração de 19,2% entre fevereiro e março – e até hoje não se recuperou.
As remessas resistem
As economias da região têm certos traços em comum, incluindo a dependência das exportações e as remessas que os latino-americanos residentes no exterior enviam aos seus familiares. As exportações terão uma redução de pelo menos 15% na região, de acordo com a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). O golpe mais forte será para os países do sul, exportadores de matérias-primas cujos preços caíram por falta de demanda.
As remessas também caíram, mas não em todas as partes. A maioria desses recursos vem de pessoas que moram nos Estados Unidos, onde o desemprego atingiu 13,3% em junho (em março, era de apenas 4,4%). Em abril, as remessas diminuíram 20% para a Guatemala e 40% para El Salvador. Os países centro-americanos são os que mais se beneficiam desses fluxos.
No México, porém, as remessas mostraram uma surpreendente imunidade contra a crise da pandemia. O Banco Central informou que em maio, último mês com dados disponíveis, entraram no país 2,4 bilhões de dólares (cerca de 13 bilhões de reais) em remessas familiares, um aumento de 3% em relação ao mesmo mês do ano passado. Some-se a isso o fato de que nos últimos meses a moeda mexicana se depreciou em relação ao dólar, o que beneficia as famílias que recebem dólares do exterior. Segundo o economista Juan José Li Ng, do BBVA, as remessas aumentaram 24% em termos reais. Isso equivale a 14,5 bilhões de pesos mexicanos (3,46 bilhões de reais) adicionais em maio para os lares do México.
“Apesar das difíceis condições econômicas nos EUA, de onde provêm 95% das remessas ao México, o aumento observado durante maio é explicado pelo efeito do Dia das Mães”, escreve Li Ng. “Esse dinheiro adicional é enviado geralmente a uma mãe da família ou conhecida: muitas vezes, é a mãe da pessoa que envia o dinheiro, mas as avós, tias, irmãs e sogras, entre outras, também recebem os recursos. Esse dinheiro costuma ser um presente para cobrir gastos de algum evento especial ligado à celebração.”
Os capitais fogem… e regressam
O peso mexicano perdeu 20% de seu valor frente ao dólar desde 20 de fevereiro, dia em que os mercados começaram a reagir agressivamente à pandemia. No mesmo período, o real brasileiro caiu 23% e o peso colombiano, 10%. Isso não se deve tanto à desconfiança dos investidores em relação a países específicos, mas à incerteza da pandemia em si. Uma reação inicial foi tirar os investimentos desses países para colocá-los em ativos considerados mais seguros, como os títulos do Governo norte-americano. São as chamadas “fugas de capital”, temidas por todos os governos de países emergentes no mundo inteiro.
O FMI afirma que os investidores já sacaram cerca de 100 bilhões de dólares (540 bilhões de reais) de países emergentes, uma quantidade maior que os fluxos da crise financeira de 2008. Mas há sinais de que isso possa mudar. Segundo analistas do banco de investimentos JP Morgan, a saída de capitais financeiros tem desacelerado. Em maio, já houve entradas de capitais estrangeiros nos países emergentes. Vários países latino-americanos puderam emitir títulos nos mercados internacionais sob condições relativamente boas. Chile, Guatemala, México, Colômbia, Paraguai, Peru e Panamá arrecadaram fundos vendendo títulos soberanos. Para os governos, esses fundos são uma injeção de vida em épocas de muita necessidade.
Enquanto os governos realizam programas de assistência para os mais vulneráveis, os latino-americanos têm sido obrigados a se adaptar como podem à nova realidade. E os que mais sofrem são os do Caribe, já que o turismo, um dos setores mais afetados no mundo todo, representa entre 50% e 90% de seu PIB. Esses países estão acostumados a receber de 12.000 a 20.000 turistas por dia em suas ilhas como parte das paradas feitas pelos cruzeiros que saem de Cancún, no México. Desde fevereiro, as ilhas não receberam um único cruzeiro. De acordo com o FMI, Aruba e Belize serão as mais afetadas, com uma contração econômica de 14% e 12% este ano, respectivamente.
As sequelas da crise
“O que mais me preocupa com o que está acontecendo é o impacto social de longo prazo”, afirma Germán Ríos, professor de Economia e diretor do Observatório da América Latina na IE University de Madri. Ríos propõe um exercício de economia. “Suponhamos que em 15 dias seja descoberta a vacina para a covid. Todos nos vacinamos e pronto. Suponhamos que permite que as economias se recuperem rapidamente. No entanto, o que você faz com as cicatrizes? Com todas as pessoas que ficaram sem emprego, que passaram da classe média à pobreza, que de repente ficaram obsoletas porque agora quem sobrevive é o que tem certo conhecimento de temas digitais e online? Esse, para mim, é o tema mais importante da América Latina”, afirma.
O FMI prevê que a recuperação da região será moderada, de 3,7% em 2021. Ríos diz que a América Latina é reconhecida por sua inovação em programas de assistência social, motivo pelo qual, em comparação com outros países emergentes, conseguiu reduzir a pobreza nas últimas décadas. Esses avanços correm risco neste momento, e os Governos devem aproveitar esse conhecimento captado em seus esforços de redução da desigualdade de renda para não deixar que grande parte de sua população caia na pobreza durante a pandemia. “A recuperação pode ser rápida e vigorosa. O problema são as sequelas. E acredito que as sequelas mais importantes serão o desemprego e a pobreza – e como trataremos essas questões em termos de políticas públicas”, diz Ríos.
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