Quarentenas ‘ioiô’ em capitais do Brasil cultivam incerteza e adiam a retomada da economia
Constantes interrupções nas atividades econômicas podem exigir novas transferências de renda para a população, aumentando pressão sobre as contas públicas, diz diretor da Eurasia no Brasil
Duas capitais do Sul do país recuaram, nesta semana, nas regras de afrouxamento da quarentena imposta para o combate à pandemia do coronavírus. Curitiba e Porto Alegre, que começaram a permitir o funcionamento de parte das atividades econômicas não essenciais, decidiram restringir novamente locais que foram reabertos, como bares, academias, templos religiosos e shoppings. As cidades, que até então estavam controlando a doença, viram uma aceleração da curva de contágio da doença e de internações em UTI após a liberação de algumas atividades e a diminuição do isolamento social recomendado pela OMS. Esse movimento de abre-e-fecha, que já foi registrado em outros municípios do país, deve se tornar comum nos próximos meses e retardar a retomada da economia brasileira, segundo analistas entrevistados pelo EL PAÍS.
“O que vemos é que existe uma pressão muito grande para que o setor produtivo volte. Mas a experiência internacional já demonstrou que, quando de fato há um relaxamento antes de uma queda acentuada e constante dos casos por vários dias, há essa volta ao isolamento e a economia sofre ainda mais”, afirma Juliana Inhasz, coordenadora da graduação em Economia no Insper.
Países que adotaram regras mais rígidas e uma política séria de isolamento, que só foi relaxada após uma queda drástica de casos, como o caso da Nova Zelândia, já conseguiram voltar à normalidade sem ter que fechar novamente as atividades. Já a Suécia que adotou medidas mais brandas, registrou uma alta taxa de letalidade da doença grande. O equilíbrio dessa equação, entretanto, é difícil. A Argentina, que adotou medidas restritivas desde o início da pandemia, começa a apresentar uma escalada de casos com a abertura gradual das atividades. O aumento da inclinação da curva levou ao retorno do endurecimento do confinamento na cidade de Buenos Aires.
Além de gerar forte incerteza, Inhasz avalia que interromper a flexibilização faz com que empresas e lojistas, que voltaram a fazer estoque e chamaram funcionários que estavam com contrato suspenso, registrem novas perdas. “Além disso, o risco é de se estender essa pandemia de uma forma absurda, dela ficar muito mais longa do que imaginamos que poderia ser. Isso é um grande problema”, diz.
Em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, os lojistas tiveram que fechar as portas novamente a partir do dia 10 de junho, após terem reaberto os negócios no fim de abril, já que naquela época a cidade não apresentava mortes pela doença. O objetivo do fechamento temporário é tentar conter o aumento dos casos da covid-19. “Esse abre-e-fecha traz um impacto para o comércio”, conta Raiane Araújo, responsável pelas vendas de uma loja de colchões na cidade de 439.000 habitantes. Segunda ela, foi preciso investir em promoções e atendimento online para manter o negócio de pé. “Por enquanto, ainda estamos contando com clientes que fizeram orçamentos no estabelecimento, mas as pessoas querem experimentar o produto na loja. Então, se esse novo fechamento [previsto para terminar no dia 22] se estender, o impacto pode ser grande”, explica Araújo.
Na capital mineira, o prefeito Alexandre Kalil ameaçou implementar um lockdown em Belo Horizonte se a “máscara continuar no queixo”. Em menos de quatro semanas, quando o afrouxamento do isolamento foi autorizado, a cidade viu mais que dobrar os registros da doença. A maior preocupação é com relação a lotação das UTIs, que está em 78,2% e no nível vermelho.
O vai e vem de regras de isolamento também acaba confundindo a população. “Cada vez que se inicia um processo eu tenho um nível de autoridade e credibilidade que precisa ser respeitado. O grande problema é perder credibilidade”, explica o médico sanitarista Sérgio Zanetta. “As pessoas ficam cada vez mais confusas e, além de perder vidas, um fechamento de forma abrupta pode ser a única solução.”
Para Silvio Cascione, diretor da consultoria Eurasia Group no Brasil, a pandemia é ainda a maior incerteza para o cenário político e econômico no país e no mundo, já que não há como prever se haverá e quando seriam as novas ondas da doença. “Há sinais contraditórios. Cidades mais afetadas, como São Paulo, Rio e Manaus, começaram a reduzir ou estabilizar os uso de leitos. Por outro lado, se observa uma transmissão relativamente elevada e não se sabe ainda o impacto do relaxamento das regras em uma cidade como São Paulo [epicentro da doença], com número de casos ainda elevados. É cedo para dizer que já é seguro reabrir a economia”, explica.
Cascione avalia que o risco de grandes colapsos do sistema de saúde é menor já que as cidades já sabem como evitá-los, com medidas mais duras de isolamento. “Justamente por isso pode ser necessário prolongar as restrições da atividade por mais tempo. Regiões que evitaram o vírus na primeira onda podem estar expostas no segundo semestre ou no ano que vem.” Nesse caso, explica, terão que fechar novamente o comércio e as escolas.
Pressão nas contas e no Governo
Segundo o diretor da Eurasia no Brasil, todo esse movimento de ioiô irá trazer reflexos para economia, exigir novas transferências de renda para a população mais vulnerável, aumentando a pressão sobre as contas públicas brasileiras. “O Governo pode ter dificuldade de manter o auxílio emergencial por muito tempo. Hoje a insatisfação com a economia está ainda controlada, com as pessoas recebendo o benefício”, analisa. “Mas o que vai acontecer quando esse auxílio se reduzir e a dificuldade de achar um posto de trabalho ficar mais evidente? Um problema grave na economia pode escalar para protestos grandes e afetar a popularidade do presidente”, diz Cascione, que vislumbra um risco razoável do presidente não terminar o mandato. A Eurásia calcula que Jair Bolsonaro tem, atualmente, 25% de chance de deixar o Governo. “Esse dilema da saúde versus a economia deve ser prolongar. O clima de incerteza e turbulência não deve ir embora tão cedo”, completa.
Marcos Catão, professor de Direito da FGV, defende que a liberação das atividades econômicas não deveria ser uma decisão pautada pela situação de cada município. “Você não pode liberar se você tem uma conurbação ―junção de duas ou mais áreas urbanas. O Rio de Janeiro tem concentrado 80% dos leitos de UTI na capital, o que significa dizer que se você tiver um problema de contágio em Paracambi, na região metropolitana do Rio de Janeiro, as pessoas irão precisar ir para a capital”, explica. O mesmo pode acontecer nas cidades da região metropolitana de São Paulo. “Quando foram impostas as regras de isolamento, optou-se por uma regra igual em todo Estado porque há muita conurbação. Agora para abrir querem olhar cada município? Isso é pressão”, afirma o professor, que defende que os países que souberam administrar melhor o combate à pandemia ―como Itália, França e Espanha― trabalharam com regras unificadas, nacionais, principalmente durante o período de alto contágio da doença.
Catão avalia, ainda, que o impacto dessas aberturas iniciais para a economia é muito residual na atual conjuntura. “As pessoas não vão se sentir tranquilas para consumir, viajar, enquanto estiver aparecendo no noticiário diariamente mil mortes”. O professor cita que nem a Suécia, que adotou medidas mais brandas de quarentena ―registrando uma letalidade pela doença bem maior que os vizinhos―, conseguiu salvar a economia. A estratégia de ir contra a corrente não fará que o país escandinavo escape da recessão. A ministra das Finanças, Magdalena Andersson, alertou recentemente que a Suécia está enfrentando sua pior crise econômica desde a Segunda Guerra Mundial, com o PIB caindo 7% em 2020, informou a Bloomberg. O indicador é semelhante aos 7,5% que os especialistas preveem para a UE como um todo. E, de acordo com as últimas previsões, o desemprego aumentará e se aproximará de 10%. Portanto, a Suécia está se afastando dos países que ostentavam (ou quase) pleno emprego.
No Brasil, as expectativas para a retomada econômica tampouco são animadoras. A estimativa é que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro desabe 6,5% este ano, segundo as previsões mais recentes do mercado financeiro, e tenha uma recuperação tímida no ano que vem, ainda sob o impacto econômico das medidas de isolamento social.
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