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Governo Bolsonaro
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

COP26: ainda não chegamos lá

Após dois anos de pandemia sem negociações presenciais, a COP 26 chega atrasada e não demonstra a ambição necessária para o combate à crise climática, apesar de avanços

Extração de madeira na Amazônia.
Extração de madeira na Amazônia.NELSON ALMEIDA (AFP)

A COP 26 chega como um palanque de falsas soluções de governos e empresas que optam por atrasar a mudança sistêmica necessária para conter a crise do clima, em nome do status quo. Houve avanços, mas os países ainda estão longe de alcançar 1.5 graus Celsius até o fim do século para conter as piores consequências da crise do clima.

O texto final da Conferência cita a eliminação progressiva dos subsídios ao carvão e aos combustíveis fósseis que, apesar de insuficiente, já pode ser considerado um avanço. E o foco em uma transição justa é essencial. Nos últimos segundos das negociações, houve a mudança de uma palavra, que deixou o texto ainda mais longe de se livrar dessa energia do passado, mas a indústria de combustíveis fósseis não pode mudar o sinal que sai deste COP —a era do carvão está terminando. É do interesse de todos os países, incluindo aqueles que ainda queimam carvão, fazer a transição para energia limpa e renovável, e os países mais ricos precisam fazer mais para apoiar a mudança.

Também houve progressos para a adaptação climática. Os países desenvolvidos finalmente começam a responder aos apelos dos países em desenvolvimento por financiamento e recursos para lidar com o aumento das temperaturas. Houve reconhecimento de que os países vulneráveis estão sofrendo perdas e danos reais da crise climática, mas o que foi prometido está longe das necessidades dos territórios. Essa questão deve estar no topo da agenda dos países desenvolvidos, principalmente na COP 27, que será realizada no Egito em 2022. Há também apelo para reduções de emissões de 45% até o final desta década, o qual está em linha com o que precisamos fazer para permanecer abaixo de 1,5 °C, tendo a ciência como essencial. A questão é que as palavras no texto precisam ser implementadas de fato.

Além do texto final, nessa COP 26, mais de cem países, incluindo o Brasil, assinaram compromissos para reduzir em 30% a emissão de metano até o final da década, em relação a 2020. Um acordo voluntário para o fim do desmatamento até 2030, com a mobilização de 19,2 bilhões de dólares, também foi pactuado. Mais de 140 países, incluindo o Brasil, também prometeram ser carbono neutro até 2050. Segundo os estudos do Climate Action Tracker, no entanto, há um imenso vazio entre o que se é prometido nas Cúpulas e o que é, de fato, feito pelos países.

Ao se comprometer com metas longínquas e não responder aos apelos urgentes dos cientistas feitos no último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), o Climate Action Tracker estimou que ainda teremos um aumento da temperatura acima de 2 graus Celsius até o fim do século. Um aumento acima de 1.5 grau Celsius, meta que deveria ser única ao Acordo de Paris (hoje ainda há a meta de 2 graus Celsius), terá consequências catastróficas para a humanidade.

O governo brasileiro compareceu à COP com a segunda maior delegação entre os países, perdendo apenas para o Reino Unido, anfitrião do encontro. Uma delegação sem representação da sociedade civil nos espaços de negociação porque o governo Bolsonaro decidiu não credenciá-la. Contudo, não faltou credencial para grandes empresas irem até Glasgow fazer lobby para garantir compromissos fracos que não mudam seus modos maléficos de operação. Todos os soldados de Bolsonaro compareceram ao local para tentar recuperar a imagem desgastada internacionalmente, com anúncios sem qualquer base de sustentação em políticas públicas nacionais, que foram desmanteladas nos últimos três anos, com ajuda do Congresso Nacional.

O sistema ONU não é “alienígena” aos países, como o governo Bolsonaro gosta de acusar, ele é formado pelos países e está a serviço dos governos. É um espaço de facilitação de diversas negociações e avanços para cooperação internacional. Apesar dessa COP ter tido a maior delegação indígena de todos os tempos, não foi o governo brasileiro ou do Reino Unido que facilitou sua participação, mas sim a união de suas próprias forças em busca de direitos. A sociedade brasileira contou também com a representatividade das comunidades tradicionais, juventudes e movimentos sociais, como o negro e feminista, ou organizações não-governamentais. E teve uma participação marcante, apesar dos bloqueios do governo e da dificuldade logística imposta pela pandemia e falta de cooperação internacional para conter a doença.

Do atual governo brasileiro é difícil esperar algo diferente, mas a ONU precisa abrir suas portas para a sociedade civil. As negociações mais importantes do Acordo de Paris ainda são feitas a portas fechadas, à mercê das escolhas de governantes e do lobby dos que mais poluem. O mundo quer se tornar carbono neutro com compensação, à maneira que o mercado se autorregula: quem tem dinheiro paga para não se responsabilizar. É exatamente isso que devemos mudar, o compromisso deve ser coletivo, com prazos ambiciosos para mudanças sistêmicas. O mundo de agora já deveria ser composto por 100% de energias renováveis, investimentos para a agroecologia, abandono de energias fósseis, fim do desmatamento e financiamento para adaptação a países e populações em situação de vulnerabilidade que mais sofrem com a crise do clima.

Isso não está sendo feito no nível necessário para reverter a crise climática. O aviso para 2022 é que os países precisam voltar para casa e colocar em prática investimentos e políticas públicas participativas para cumprir as promessas que fizeram, e torná-las anualmente mais ambiciosas. Quanto ao Brasil, após três anos de desmontes socioambientais, é chegada a hora de mudanças, e as eleições precisam representar um país que deseja equidade e compromisso. Até lá, a luta continua.

Fabiana Alves é coordenadora de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil

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