COP 26: o mundo está acordando, ainda que tardiamente
Não se trata de pequenas mudanças cosméticas: precisamos mudar radicalmente os sistemas de produção e os padrões de consumo em todos os segmentos da economia e das sociedades em todo o mundo. Isso é um desafio enorme e ainda estamos no começo dessa jornada
Para analisar as perspectivas de uma COP é necessário entender que não se trata de apenas um evento. Frequento as COPs do clima desde 2005 (Montreal) e só depois de alguns anos é que descobri que se tratam, na verdade, de dois grupos de eventos. O primeiro grupo inclui as negociações diplomáticas, que tratam da produção de textos que são os resultados formais das Conferencias das Partes da Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas —nome oficial das COPs. O segundo grupo de eventos é o que há muitos anos defini como a “Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas”— nome inventado apenas para denominar as centenas de eventos técnicos, políticos, articulações e demonstrações de ativistas.
De uma maneira resumida, podemos dizer que as negociações diplomáticas, conduzidas por ministros, secretários e demais representantes dos países, são difíceis, burocráticas e lentas. Afinal não é fácil acordar um texto que envolve as perspectivas de países muito desiguais em diversos sentidos e que, em alguns casos, são inimigos entre si. É um enorme desafio construir um único texto, traduzindo diferentes línguas para o inglês, que é a língua oficial. Diante disso, não é possível esperar enormes saltos qualitativos: são avanços graduais e lentos. Esperar algo muito além disso é comprar um bilhete para a frustração.
Por outro lado, a “Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas” é extremamente dinâmica, plural e diversa. Manifestações de rua, especialmente dos jovens e indígena, criam uma excitação nos participantes e um clima de cobranças e pressão sobre todos, sobretudo para diplomatas, governos e empresas. As salas de reuniões, espalhadas pelos hotéis e espaços diversos da cidade e pelas salas na própria área oficial de eventos da COP, oferecem palco para empresas, governos, organizações da sociedade civil mostrarem seus avanços e planos para o futuro. Os encontros nos corredores e cafés cria oportunidades para novas conexões. O clima é de ação, otimismo e espirito construtivo.
Esses dois grupos de eventos possuem vasos comunicantes entre si nos cafezinhos e eventos sociais aonde os participantes não governamentais buscam dialogar com os diplomatas para obter informações sobre o andamento das negociações e tentar influenciar os seus resultados. Diante desse contexto e analisando os resultados parciais até o momento, podemos dizer que a COP 26 representará um marco importante para a história das negociações climáticas. A pressão dos jovens e lideranças de povos indígenas está aumentando, as lideranças empresarias se mostram mais engajadas e as organizações da sociedade civil se mostram mais criativas e empoderadas. Tudo indica que a grande maioria das lideranças políticas está ouvindo a mensagem de preocupação dos seus cidadãos. Podemos dizer que o mundo está acordando para a urgência das mudanças climáticas, ainda que tardiamente.
Desde a COP de Copenhague, em 2009, foi resolvido que o alcance das metas climáticas seria o fruto de compromissos individuais de cada país. Essa foi a essência do que foi definido no famoso Acordo de Paris, em 2015. Cada país submeteu a sua Contribuição Nacionalmente Determinada —NDC em inglês. O problema é que a soma dessas contribuições nos leva a uma trajetória de mudanças mais próxima dos 3 graus do que dos 1,5 graus que representam a meta proposta pelos cientistas do Painel Internacional das Mudanças Climáticas —IPCC em inglês. É, portanto, necessário que os governos ampliem as suas metas. Para isso, é essencial dar mais visibilidade à urgência climática para que as populações de todos os países votem em políticos compromissados com essa agenda. Isso é o ponto essencial para alcançarmos as metas que a ciência nos aponta.
Existem muitas razões para mantermos acesa a chama da esperança, como nos conclama o Papa Francisco. Primeiro, temos o engajamento crescente de estados e municípios na agenda do clima. Isso já está fazendo uma enorme diferença. Segundo, temos o fato da grande filantropia estar cada vez mais engajada com a agenda climática. Muitos doadores privados fizeram compromissos públicos de financiamentos expressivos, como foi o caso de Jeff Bezos. Terceiro, temos o engajamento do setor privado. Muitas empresas manifestaram metas ambiciosas para atingir a neutralidade das suas emissões. Por fim, temos o papel da sociedade civil que tem se mostrado o grande vetor de inovação e criatividade. Esse papel pode ajudar a romper a lentidão das burocracias dos mecanismos internacionais de financiamento e dos governos nacionais e subnacionais.
Além de mantermos acesa a chama da esperança a partir da COP de Glasgow, temos que ter consciência de que ainda falta muito para colocarmos nossas sociedades no rumo de uma economia verde e inclusiva. Não se trata de pequenas mudanças cosméticas —chamadas em inglês de greenwashing. Precisamos mudar radicalmente os sistemas de produção e os padrões de consumo em todos os segmentos da economia e das sociedades em todo o mundo. Isso é um desafio enorme e ainda estamos no começo dessa jornada.
A boa noticia é que as lideranças de todos os segmentos da sociedade estão acordando para as ameaças e oportunidades criadas pela crise climática. As soluções baseadas na natureza e a valorização dos povos indígenas têm merecido particular atenção. Essa é a mensagem parcial dos resultados da COP de Glasgow. Esperamos que os negociadores tenham avanços relevantes e que todos as lideranças sociais, empresariais, ambientalistas e a sociedade em geral arrastem os governos nacionais e subnacionais para ação. Afinal, o tempo de agir é agora.
Virgilio Viana é superintendente-geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e professor-associado especial da Fundação Dom Cabral (FDC).
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