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Réquiem pelo Bolsa Família, o programa eficaz (e barato) contra a pobreza se despede do Brasil

Bolsonaro cancela o benefício criado pelo PT para substituí-lo por outro de maior valor, mas somente até depois das eleições de 2022 e gera insegurança

Ermanda Maria de Sena, a primeira usuária cadastrada no Bolsa Família, mostra seu cartão em janeiro de 2020 em sua casa, no interior de Alagoas.
Ermanda Maria de Sena, a primeira usuária cadastrada no Bolsa Família, mostra seu cartão em janeiro de 2020 em sua casa, no interior de Alagoas.Beto Macário
Naiara Galarraga Gortázar

No feriado prolongado de Finados, quando os brasileiros lembram seus mortos, o país também se despediu do Bolsa Família. A última transferência do programa que revolucionou a vida de milhões de pessoas caiu nas contas bancárias dos beneficiários na sexta-feira (29). Agora, mais de 14 milhões de famílias estão mergulhadas na incerteza e na dependência dos parlamentares. O plano do Governo é substituir o Bolsa Família por outro programa que já tem nome e promessa de valor, mas que, por enquanto, carece dos recursos necessários. Sua duração é limitada: somente até depois das eleições presidenciais de 2022, e exigirá o abandono temporário do teto de gastos.

Continuam as negociações com o Congresso para viabilizar o pagamento que substituirá o que foi durante anos o grande emblema dos anos de PT. Bolsonaro sempre teve o Bolsa Família na mira. Queria mudar o nome de qualquer maneira. Antes da pandemia, reduziu o número de beneficiários do subsídio. Criado há 18 anos pelo ex-presidente Lula, foi um dos maiores programas de transferência de renda do mundo. E um raro consenso neste Brasil polarizado, já que os economistas o consideram eficaz e barato.

Impressiona rever o que se conseguiu nessas quase duas décadas com um gasto de 0,5% do PIB: tirou milhões da extrema pobreza e da miséria (apenas em 2017, foram 3,4 milhões e 3,2 milhões, respectivamente), mitigou a insegurança alimentar e a desigualdade, aumentou a escolarização, reduziu a gravidez na adolescência, melhorou a saúde, criou empregos, etc. “É um investimento maravilhoso, a sociedade ganha multiplicado o que investe com o programa”, escreveu recentemente o economista Rodrigo Zeidan, após listar estudos acadêmicos que endossam as conquistas.

O Bolsa Família pagava direto em dinheiro, mas tinha exigências: entre elas, manter as crianças na escola e vaciná-las. Além disso, priorizava as mães. Esse legado sobreviveu até ao peso dos escândalos de corrupção que cercaram o PT. Agora, o plano de Bolsonaro é dobrar o valor atual (de 189 reais por mês) para 400 reais, mas só até dezembro de 2022. O teor eleitoral é evidente, já que o fim do programa coincidiria com a escolha do próximo presidente. E não se sabe o que vai acontecer depois com os brasileiros mais pobres.

Há meses está decidido que o benefício se chamará Auxilio Brasil, mas os enormes esforços para obter os recursos extras necessários ainda não frutificaram. Enquanto isso, os efeitos da paralisação, ainda que breve, seriam devastadores para 14 milhões de famílias do Bolsa Família.

Rozenilda, com 28 anos e um filho de dois, é um mar de dúvidas. “Estou sabendo que tem previsão de durar até 2022, fico insegura de, talvez em 2022, não estar mais disponível”, explica por telefone, na cidade de João Alfredo, do interior de Pernambuco. Ela destina para o pagamento de contas os 170 reais mensais que recebe há sete anos, como muitos na região. Não sabe se terá que fazer um novo cadastro para receber o valor. A burocracia, digitalizada em níveis inimagináveis, é um verdadeiro inferno para quem tem pouca instrução e acesso ruim à Internet. “Acho que o Bolsa Família deveria continuar, é um programa que vem dando certo há anos”, acrescenta.

Durante suas quase três décadas como deputado, Bolsonaro considerou o Bolsa Família uma máquina de compra de votos. “Temos que acabar, fazer uma transição [para acabar], com o Bolsa Família porque, cada vez mais, os pobres e ignorantes se tornam eleitores comprados pelo PT”, disse em 2011, no Congresso. No entanto, sua primeira reação à pandemia foi implementar um monumental programa de ajuda direta a quem perdeu sua renda, que também beneficiava quem recebia mensalmente o Bolsa Família. Para os extremamente pobres, era uma fortuna, o que melhorou a imagem do Governo.

Em pleno ano eleitoral, e para reverter seu minguante apoio entre os eleitores, Bolsonaro assume algo que até há pouco tempo era um tabu. O Governo terá que passar por cima temporariamente do teto de gastos. Mas agora é preciso que o Executivo e os grupos parlamentares que o apoiam encontrem a fórmula exata para financiá-lo. Tudo parece indicar que será tarefa delicada e que vai decidir a subsistência de milhões de famílias.

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