CPI vira palco para Witzel atacar Bolsonaro e acenar com informações sobre caso Marielle
Ex-governador do Rio afirma que seu desgaste com Governo federal começou quando mandou investigar caso de vereadora assassinada no Rio. Ele encerra depoimento antes do questionamento de senadores bolsonaristas, amparado por ‘habeas corpus’ do STF
O depoimento do ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, à CPI da Pandemia foi marcado por acusações ao Governo federal, bate-boca com o senador Flávio Bolsonaro e tentativa de transformar a sessão em palco para se defender do impeachment que sofreu este ano, numa sessão que serve de ponta de lança para fustigar ex-aliados do bolsonarismo. Em sua estratégia de defesa, Witzel se valeu de frases de efeito ―“estamos vivendo um chavismo de extrema direita”― e insinuações a Bolsonaro no assassinato da vereadora Marielle Franco e motorista Anderson Gomes. O ex-governador afirma que a perseguição contra ele pelo Governo federal começou quando mandou investigar o caso Marielle.
Ex-aliado do presidente, Witzel deu a entender que teria mais informações sobre as investigações da Polícia Civil no caso do depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, que, inicialmente, afirmou que um dos acusados do assassinato visitou a casa do presidente. O porteiro mudou sua versão dos fatos, supostamente após ter sido intimidado. “Só posso responder se a CPI adotar segredo de justiça, porque os fatos são graves”, afirmou o ex-governador ao pedir que isso fosse feito em uma sessão à parte. O ex-porteiro foi utilizado por Witzel como munição para provocar Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) num momento em que a troca de acusações começou a esquentar e o foco dos debates se afastou da pandemia. Os senadores chegaram a discutir se a presença de Flávio Bolsonaro não estaria intimidando Witzel. “Não se preocupe que não sou porteiro, não serei intimidado”, disse o ex-governador, antes de chamar o filho do presidente de “menino mimado e sem educação”.
Em rede social, Anielle Franco, irmã de Marielle, comentou o novo posicionamento de Witzel. “Na hora de apoiar a quebra da placa não colocou a culpa na minha irmã... Subiu, fez charminho, riu, e achou lindo! Agora quer usar o nome dela de escudo? Assuma seus atos @wilsonwitzel. Eu heim! Nos poupe de passar ainda mais raiva nesse país!”, afirmou citando a placa de rua com o nome da vereadora que foi quebrada pelo então candidato Daniel Silveira, que acabou eleito deputado federal pelo PSL. Witzel participou de evento onde a placa foi quebrada e chegou a pedir desculpas à família de Marielle.
Na hora de apoiar a quebra da placa não colocou a culpa na minha irmã... Subiu, fez charminho, riu, e achou lindo! Agora quer usar o nome dela de escudo? Assuma seus atos @wilsonwitzel Eu heim! Nos poupe de passar ainda mais raiva nesse país!
— Anielle Franco (@aniellefranco) June 16, 2021
Milícias contra o isolamento social
Foi o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que trouxe o tema das milícias para dentro da crise da covid-19 ao questionar Witzel sobre a atuação desses grupos paramilitares contra as medidas de distanciamento adotadas no Rio. O ex-governador confirmou a atuação das milícias, lembrando que o fato chegou a ser noticiado pela imprensa. Em abril de 2020, reportagem da TV Globo mostrou como comerciantes estavam sendo obrigados por milicianos a reabrir seus negócios para que pagassem taxas. O ex-governador afirmou que revelará, em reunião sigilosa que será pedida por Rodrigues, um fato gravíssimo, que envolve a intervenção do Governo federal. A CPI votará na próxima sexta-feira, 18, a realização de uma sessão secreta para ouvir Witzel.
Flávio Bolsonaro reagiu às críticas de Witzel, que insinuou logo no início de seu depoimento que o presidente é o “o único responsável pelos 450.000 mortos que estão aí” e por isso deveria ser “responsabilizado no Tribunal Penal Internacional” pelos atos que praticou. “O depoente tem a mão suja de sangue dos mais de 400.000 mortos, este sim é o grande culpado”, afirmou o filho do presidente. O senador disse ainda que o ex-governador estava na CPI nesta quarta “para fazer palanque” e afirmou que ele criou uma narrativa inexistente quando afirma ter sido perseguido até perder o cargo. Flávio Bolsonaro afirmou que Witzel é acusado de chefiar uma organização criminosa e disse que “corrupção mata”, ao que o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), rebateu: “falta de vacina também”.
Comparação com Lula
Witzel, que foi afastado do Governo do Rio em abril deste ano em um processo do impeachment, rasgou seu passado de entusiasta da Operação Lava Jato para se comparar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Olha, quanto tempo demorou para dizer que o presidente Lula estava certo? Que ele estava sendo julgado por um juiz parcial? Demorou, né? Mas nós vamos chegar lá”, afirmou. Criticou o Ministério Público, a quem acusa de ter sido politizado como um instrumento na “perseguição política” que sofreu até perder o cargo. Também falou de ciência e disse que pediu ao Governo Bolsonaro diversas vezes encontros para debater soluções conjuntas para enfrentar a pandemia da covid-19. “Ficamos desamparados do apoio do Governo federal, o que está documentado em diversas cartas”, disse ele.
No depoimento, o ex-governador afirmou várias vezes que seu desgaste com o Governo federal começou quando mandou investigar o caso Marielle, uma vez que, nunca fez oposição a Bolsonaro. “Fui acusado de forma leviana de interferir na polícia do Rio de Janeiro para que o caso Marielle fosse adiante. A partir daquele momento, percebi que o Governo federal e o próprio presidente começou a me retaliar. Não fui mais recebido no Palácio no Planalto. Tive dificuldade de falar com ministros, fiquei numa situação de vulnerabilidade por uma perseguição política”, disse.
Um episódio que ilustra essa perseguição, conforme o depoimento, foi uma reunião a convite do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. “Moro não quis tirar foto comigo e anunciar meu nome porque ele disse que não poderia dar publicidade à minha presença: ‘O chefe falou para você parar de falar que quer ser presidente, ou não vamos poder te atender em nada’, ele disse”, segundo Witzel. A frase do ex-ministro teria sido dita depois de Witzel informar que iria pedir de volta os delegados federais que atuavam no Rio por pedido do Executivo. “Não havia justificativa. O delegado Bernardo Barbosa descobriu mais de 1 bilhão de reais de desvio das OSS [Organizações Sociais de Saúde]”, disse. “O presidente me chamou de estrume, ditador, leviano, fez várias afirmações inaceitáveis, que eu jamais faria em relação a ele. Infelizmente, a postura do presidente foi de isolamento em relação a mim. Ele disse que o Governador do Rio tem que ser mais humilde. O que ele queria, que eu me ajoelhasse: ‘senhor soberano, me atenda’”, acrescentou Witzel.
A crise da saúde do Rio foi tema apenas do início do depoimento de Witzel na CPI, que começou com atraso por conta da votação que aprovou a quebra de sigilo telefônico e bancário de cinco empresários ―dentre eles Carlos Wizard, o apoiador de Bolsonaro que vem sendo apontado como integrado do chamado “gabinete paralelo” para assuntos da pandemia―, além das empresas produtoras da cloroquina e da invermectina, recomendadas no “tratamento precoce” do Ministério da Saúde. Witzel afirmou que “não houve desvio de dinheiro nenhum durante a pandemia”. “Eu só fui o primeiro. Depois de mim, outros governadores foram atingidos por investigações superficiais, rasas. Agora estão fragilizando os governos estaduais. Este é um objetivo do enfraquecimento do Estado democrático de Direito”, disse Witzel, que está proibido de ocupar cargos públicos por cinco anos. “Eu saí, e as OSS estão lá, operando livremente”, afirmou em relação às acusações de que teria recebido propina das organizações sociais privadas contratadas para administrar hospitais de campanha. “Eu quero saber para quem foi o dinheiro”, disse.
O depoimento terminou de supetão, quando Omar Aziz interrompeu a sessão em meio aos questionamentos do senador senador Eduardo Girão (Podemos-CE) sobre a compra de respiradores no Rio. Witzel utilizou o habeas corpus concedido pelo ministro do Supremo, Kássio Nunes Marques, que o liberou de prestar depoimento na CPI para encerrar sua participação. Esta é a segunda vez que um político se utiliza de um artifício para fugir dos questionamentos. Na semana passada, uma decisão da ministram Rosa Weber liberou o governador amazonense Wilson Lima (PSC) de ser ouvido pela comissão. Nesta quinta, a CPI aguarda o depoimento de Carlos Wizard, que ainda não confirmou presença.
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