Mais de 100 dias sem resposta sobre os três meninos desaparecidos de Belford Roxo

Familiares de Lucas Mateus, Alexandre e Fernando Henrique estão há mais de três meses sem respostas. Meninos sumiram no dia 27 de dezembro em município da Baixada Fluminense

Montagem com as fotos dos três meninos desaparecidos no dia 27 de dezembro, em Belford Roxo.Reprodução / Facebook
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Mais de três meses se passaram desde que os meninos Lucas Mateus, de 8 anos, Alexandre, de 10 anos, e Fernando Henrique, de 11 anos, desapareceram enquanto brincavam. A única coisa que se sabe é que pouco antes de desaparecer, naquele 27 de dezembro de 2020, se encontravam num campo de futebol perto do condomínio onde moram, no bairro Castelar, em Belford Roxo, município de meio milhão de habitantes da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Desde então seus familiares não têm notícias —verdadeiras— sobre o paradeiro deles. Um inquérito foi aberto, mas a investigação policial está parada e não sai do lugar.

O último fato relevante se deu há cerca de um mês, no início de março, quando o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) descobriu uma filmagem em que eles aparecem caminhando tranquilamente pela rua Malopia no dia em que desapareceram. As imagens já haviam sido apreendidas meses antes pela Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), responsável pela investigação em conjunto com o MP-RJ. Na ocasião, a polícia foi questionada e criticada pela demora em encontrar essa filmagem. “O Ministério Público é quem tem o equipamento que consegue limpar as imagens”, explicou por telefone a defensora pública Gislaine Kepe, que acompanha os familiares no caso.

Para ela, houve um equívoco por parte da polícia na hora investigar o desaparecimento dos três meninos. “O início da investigação pecou. No dia do desaparecimento, as famílias foram na delegacia, mas [os investigadores] falaram para que comparecessem de novo no local no dia seguinte. Eles deixaram passar um tempo precioso. O perímetro de busca aumenta com o passar do tempo”, explica ela. Em casos de desaparecimentos, a diretriz é a de que o registro e a busca precisam ser imediatos. “Essa demora ajudou na falta de resultados que temos agora.”

O caminho dos familiares em busca dos meninos desaparecidos está repleto de armadilhas e pistas falsas. Chegaram a ser vítimas de extorsão quando informados sobre uma possível localização dos meninos. Em 5 de janeiro, uma terça-feira, os parentes receberam uma pista de que as crianças estariam em uma sorveteria em Nova Iguaçu, município vizinho a Belford Roxo. Desatou-se então uma corrida desesperada. Durante a procura, uma avó e um tio das crianças sofreram um acidente de carro na Rodovia Presidente Dutra, com ferimentos leves. A cada ciclo de buscas frustrado, a angústia só aumenta.

A defensora pública afirma que a principal hipótese dos investigadores é o de que as crianças foram vítimas de traficantes de drogas da localidade. “Mas essa linha já vem de algumas semanas, e não se mostrou produtiva”, explica Kepe. Existe uma suspeita, conta ela, de que um dos meninos gosta de passarinho e teria pego o animal da gaiola de um traficante. “Mas não tem corroboração de provas, é um diz que me diz”.

Silvia Regina da Silva, avó de Lucas Mateus e de Alexandre da Silva, contou ao EL PAÍS em janeiro deste ano que soube por colegas das crianças que o trio desaparecido foi visto pela última vez na Feira de Areia Branca, que acontece na praça com o mesmo nome. Eles estavam comprando comida de passarinho, de acordo com o relato de colegas. A praça fica em uma avenida movimentada, com brinquedos e equipamentos para exercícios físicos. Os parentes também contam que os meninos costumavam brincar principalmente no campo de futebol próximo ao condomínio onde eles moram, na comunidade do Castelar.

Familiares e amigos das famílias já fizeram vários protestos em frente a DHBF cobrando resposta da polícia pelo desaparecimento dos três meninos. Falam de “descaso” das autoridades estaduais e reclamam da morosidade da polícia na busca por informações que solucionem o caso, argumentando que as investigações teriam outro andamento e repercussão midiática caso as crianças fossem brancas e ricas. De acordo com o censo de 2010 do IBGE, 83,6% da população de Belford Roxo é composta por pardos e pretos. O Mapa da Desigualdade 2020, da ONG Casa Fluminense, aponta que o índice de letalidade violenta (que soma de todas as mortes violentas) é de 63,9 por cada 100.000 habitantes no município ― para efeito de comparação, na cidade do Rio de Janeiro é de 28,4 por cada 100.000 habitantes. Em Belford Roxo, 89,1% das pessoas mortas por agentes do Estado eram negras no ano de 2019.

O EL PAÍS entrou em contato com a Polícia Civil do Estado do Rio e com o Ministério Público do Rio na última sexta-feira questionando como está o andamento das investigações, o que vem sendo feito desde que foram encontradas as imagens do dia do sumiço e se, depois disso, alguma nova linha de investigação foi adotada. Os dois órgãos enviaram uma resposta padrão por e-mail exatamente um minuto depois da solicitação —o que indica que é a mesma explicação que enviam para toda a imprensa.

A Polícia Civil assegurou os agentes iniciaram diligências “imediatamente após a comunicação do desaparecimento”, formalizando o primeiro depoimento e registrando a ocorrência. Também garante que a DHBF “continua as diligências e ações de inteligência buscando o esclarecimento do fato e o encontro das crianças”. Já foram mais de 80 ações, além da escuta de familiares e testemunhas. Por sua vez, a 1ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada dos Núcleos Duque de Caxias e Nova Iguaçu se limitou em dizer que, por ora, “não há novidade a ser divulgada e que as investigações prosseguem em conjunto com a DHBF”.

Enquanto isso, as famílias vem pedindo ajuda da população para encontrar as três crianças e contam com o auxílio da Fundação para a Infância e Adolescência (FIA), da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e da Comissão de Direitos Humanos da OAB, além de outras entidades do Estado.

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