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Para 90% dos brasileiros existe racismo no país e 52,7% vê impulso racista no caso Carrefour, diz Atlas Político

Levantamento mostra que a maioria da população reconhece o preconceito de raça no crime e aponta divisão ideológica profunda nas convicções sobre questões raciais no Brasil

Uma mulher protesta contra o assassinato de João Alberto Silveira Freitas em um Carrefour da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Em sua máscara, lê-se: "Vidas negras importam".
Uma mulher protesta contra o assassinato de João Alberto Silveira Freitas em um Carrefour da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Em sua máscara, lê-se: "Vidas negras importam".Antonio Lacerda (EFE)

Mais da metade dos brasileiros (52,7%) considera que o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, que foi espancado até a morte por seguranças de um Carrefour em Porto Alegre na noite de quinta-feira (19/11), foi motivado pelo racismo. É o que mostra uma pesquisa feita pelo Atlas Político, que ouviu 1.764 pessoas nos últimos dois dias, divulgada com exclusividade pelo EL PAÍS. “Decidimos fazer esse levantamento devido à imediata repercussão midiática e nas redes sociais sobre o caso. A evidência em vídeo, com imagens bastante gráficas e muito chocantes, tornaram esse crime emblemático”, explica Andrei Roman, cientista político e CEO da empresa de análise.

O homicídio do homem de 40 anos, diante de pelo menos 15 testemunhas que nada fizeram para defendê-lo, na véspera do Dia da Consciência Negra, mostra que a maioria esmagadora dos brasileiros ―90%, de acordo com a pesquisa― ouvidos pelo Atlas Político acreditam que existe, sim, racismo no país (5,7% dizem que não existe e 3,6% não souberam responder), uma posição diferente daquela que tem sido adotada pelo Governo do presidente Jair Bolsonaro.

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A man shouts "Black lives matter" during a protest against the murder of Black man Jo�o Alberto Silveira Freitas, which occurred at a different Carrefour supermarket the night before, outside a Carrefour supermarket in Brasilia, Brazil, Friday, Nov. 20, 2020, which is National Black Consciousness Day in Brazil. Freitas died after being beaten by supermarket security guards in the southern Brazilian city of Porto Alegre, sparking outrage as videos of the incident circulated on social media. (AP Photo/Eraldo Peres)
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Bolsonaro ignora impacto do caso Carrefour e segue negando racismo no Brasil
People attend a protest against police violence and racism, amid the coronavirus disease (COVID-19) outbreak, in Sao Paulo, Brazil, July 4, 2020. REUTERS/Amanda Perobelli
O Brasil é mais racista que os EUA?

No entanto, o levantamento também aponta a existência de uma divisão ideológica profunda nas visões sobre a questão racial no Brasil. De acordo com o Atlas Político, são justamente aqueles que votaram em Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 os que mais negam a existência de racismo na morte de João Alberto. 44% deles consideram que essa não foi a motivação do crime. Entre os eleitores de Fernando Haddad (PT), 84% acreditam que a discriminação racial foi o pivô do assassinato.

12% dos eleitores bolsonaristas também consideram que não existe racismo no país, enquanto apenas 0,3% dos eleitores de Haddad pensam o mesmo. Ainda assim, uma “maioria contundente” dos que votaram no presidente reconhecem a existência desse preconceito no Brasil: 84%.

Essa divisão ideológica fica mais evidente quando se fala na política de cotas raciais nas universidades públicas. No total, 46% dos brasileiros são a favor das cotas (39,7% são contra e 14% não sabem), mas 77% dos apoiadores de Bolsonaro são contra, enquanto 84% dos votantes de Haddad defendem essa política. “As cotas são, quiçá, o tema que mais marca a profunda divisão na sociedade brasileira quando se fala na politização das questões raciais”, avalia Roman.

No sábado, quando protestos antirracistas tomaram as ruas de várias cidades brasileiras para reivindicar justiça por João Alberto, o presidente da República usou o Twitter para dizer que os problemas do Brasil “são muito mais complexos e que vão além de questões raciais”. “Não adianta dividir o sofrimento do povo brasileiro em grupos. Problemas como o da violência são vivenciados por todos, de todas as formas, seja um pai ou uma mãe que perde o filho, seja um caso de violência doméstica, seja um morador de uma área dominada pelo crime organizado”, escreveu. “Como homem e como Presidente, sou daltônico: todos têm a mesma cor. Não existe uma cor de pele melhor do que as outras. Existem homens bons e homens maus”, acrescentou Bolsonaro.

Em seu discurso no encontro do G20, e sem fazer menção a João Alberto, o presidente afirmou que existem “tentativas de importar para o nosso território tensões alheias à nossa história”. De acordo com Bolsonaro, “luta por igualdade” ou “justiça social” são apenas tentativas de destruir a simpatia conquistada pela miscigenação de brancos, negros e índios no país, substituindo-a pelo conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre raças. “Tudo em busca de poder”, de acordo com a lógica presidencial, que encontra eco nas palavras do vice-presidente, Hamilton Mourão.

Mourão classificou como “lamentável” a morte de João Alberto, mas negou que o Brasil seja um país racista, ainda que a vítima seja negra e os autores do crime sejam brancos. “Eu digo para você com toda tranquilidade: não tem racismo. Eu digo isso para vocês porque eu morei nos Estados Unidos. Racismo tem lá. (...) Aqui o que existe é desigualdade”, afirmou. “Chega a ser irônico que os líderes do Executivo brasileiro, que sempre têm apenas elogios para os EUA, digam agora que o racismo é um problema de lá”, comenta o CEO do Atlas Político.

Violência policial

Um relatório da Rede de Observatórios da Segurança, grupo de estudos sobre violência nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Pernambuco, mostrou, em julho, que os negros representam 75% das pessoas mortas pelas forças policiais. No levantamento do Atlas Político, 65,5% acreditam que a polícia discrimina injustamente negros (25,6% acham que não e 8,8% não souberam responder).

Nos últimos dias, surgiram nas redes sociais e nos protestos antirracistas em diversas cidades comparações entre o assassinato de João Alberto no Carrefour e o de George Floyd, nos Estados Unidos. No final de maio, Floyd, um homem negro, desarmado, foi brutalmente asfixiado até a morte por um policial branco em Minneapolis, no momento em que era detido por suspeita de fraude. A cena foi gravada e viralizou no mundo, provocando indignação e uma onda de protestos não só nos EUA, mas também no Brasil.

Por aqui, após a divulgação das cenas de espancamento de João Alberto, um novo vídeo foi anexado na investigação do caso: nele, o homem de 40 anos aparece agredindo com um soco o segurança do Carrefour Giovane Gaspar da Silva, antes de ser golpeado até a morte. “A divulgação dessa cena torna difícil traçar um paralelismo direto com o caso de Floyd, porque já surge uma contra-narrativa de que a vítima começou as agressões, apesar, é claro, de nada justificar seu assassinato”, comenta o cientista político Andrei Roman.

Na pesquisa realizada pelo Atlas Político, 43,4% dos cidadãos acreditam que existe mais racismo nos Estados Unidos, enquanto 16% acham que a discriminação racial é maior no Brasil, e 32% consideram que ela é semelhante em ambos países. 8% não souberam responder. Alinhados com o presidente, 60% dos eleitores de Bolsonaro acreditam que o problema é maior nos EUA, enquanto a maioria dos que votaram em Haddad (53%) acreditam que ao racismo é semelhante nos dois territórios.




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