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Espancamento até a morte de cliente negro em um mercado põe sob lupa o racismo no Brasil

Vice-presidente da República chama de “lamentável” a morte de João Alberto Silveira Freitas por dois seguranças brancos em uma unidade do Carrefour, mas diz que “não existe racismo” no país

Na imagem, um protesto contra a morte de Freitas em Porto Alegre. No vídeo, o momento em que ele é espancado e morto no Carrefour.
Naiara Galarraga Gortázar
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Protesters hold placards and raise their fists as they protest against racism during a demonstration against Brazilian President Jair Bolsonaro and in support of democracy in Sao Paulo, Brazil June 7, 2020. Placards read: "Black lives matter". REUTERS/Amanda Perobelli
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A banalidade da morte num supermercado

A morte de um cliente negro por espancamento nas mãos de dois seguranças brancos em um supermercado na noite de quinta-feira, véspera deste Dia da Consciência Negra, foi um forte lembrete do racismo cotidiano no Brasil, refletido também nas mortes pelo coronavírus. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram como um dos agressores dá sucessivos socos no rosto de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, enquanto o outro o segura pelo pescoço em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Ambos foram presos. Ao comentar o caso, que provocou protestos e uma onda de comoção nesta sexta-feira, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, classificou-o como “lamentável”, mas negou que o Brasil seja um país racista, ainda que a vítima seja negra e os autores do crime sejam brancos. “Eu digo para você com toda tranquilidade: não tem racismo. Eu digo isso para vocês porque eu morei nos Estados Unidos. Racismo tem lá. (...) Aqui o que existe é desigualdade”, afirmou.

A polícia ainda investiga os detalhes do que ocorreu, mas segundo uma delegada citada pela imprensa local, os dois homens trabalhavam para o Carrefour e chegaram a pressionar a vítima com os joelhos quando ela já estava no chão. Os primeiros indícios colhidos pelos investigadores assinalam que tudo começou com uma discussão entre o cliente, que estava fazendo compras com sua esposa, e uma operadora de caixa, que chamou a segurança. João Beto, como era conhecida a vítima, foi levado para o estacionamento e lá morreu, após ser espancado. Uma equipe de resgate chegou a ser acionada, mas não conseguiu reanima-lo e ele faleceu ali mesmo. Os dois guardas, um deles policial militar, foram presos em flagrante. O Carrefour condenou imediatamente a agressão e anunciou o rompimento de seu contrato com a empresa terceirizada que empregava os seguranças.

O dia 20 de novembro, feriado em várias cidades brasileiras, é a data em que o país reflete, com dados e depoimentos, sobre a herança da escravidão, abolida há 132 anos. A data lembra a morte do Zumbi dos Palmares, que liderou uma sublevação de escravos. Este ano, a celebração da data, embora afetada pelo coronavírus, ganha força após os grandes protestos antirracistas nos Estados Unidos e o avanço —tímido— da eleição de prefeitos e vereadores negros no primeiro turno das eleições municipais, no domingo passado.

Pessoas próximas da vítima convocaram um protesto nesta sexta-feira em frente ao supermercado, fechado. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e os dois candidatos à prefeitura de Porto Alegre —Manuela D’Ávila (PCdoB) e Sebastião Melo (MDB)— se apressaram em condenar a agressão.

Imagem do momento em que João Beto foi espancado até a morte por dois homens brancos, enquanto uma mulher filmava a ação.
Imagem do momento em que João Beto foi espancado até a morte por dois homens brancos, enquanto uma mulher filmava a ação.EL PAIS

Foi nessa conjuntura que a brutal morte de Freitas ganhou as manchetes da imprensa. Uma relevância bem diferente da pouca repercussão que costumam ter os casos similares e as milhares de mortes que ocorrem todos os anos em operações policiais, tendo como alvo, principalmente, jovens negros de favelas.

Nesta sexta-feira também são notícia nacional as ameaças de morte contra a primeira vereadora negra eleita em Joinville, Santa Catarina —o Estado mais branco do Brasil, povoado no século XX por imigrantes alemães. Uma das ameaças dizia: “Agora só falta a gente matar ela e entrar o suplente que é branco”. Paradoxalmente, esse mesmo Estado elegeu em 1934 a primeira deputada negra, a educadora Antonieta de Barros. Pouco avançaram seus pares desde então, como ilustra bem o tuíte de um senador nesta semana: “O perfil do eleitor brasileiro é majoritariamente de mulheres, negras, com ensino fundamental e 37 anos. Já o perfil do eleito é: homem, branco, com ensino superior e 49 anos”.

Nestas eleições municipais, que em algumas cidades terão segundo turno no dia 29, os brasileiros elegeram mais vereadores negros do que nunca, mas o aumento é tímido, apesar das cotas: de 42% a 45%. Sua representação ainda está longe de seu peso real, porque constituem mais da metade da população. No Brasil, o termo negro também inclui, geralmente, as pessoas pardas. Como cabe a cada pessoa decidir como se declara, nestas eleições, milhares de candidatos mudaram de raça autodeclarada. Os partidos costumam burlar as cotas com candidaturas fraudulentas.

As estatísticas mostram sistematicamente que os negros brasileiros morrem mais cedo, vivem em piores condições, adoecem mais e ganham menos que seus compatriotas brancos ou nipo-brasileiros. Entretanto, estão sobrerrepresentados entre os desempregados e as vítimas da violência.

Aumentam os pedidos de boicote do Carrefour, que já se viu envolvido em um incidente diferente deste, mas que também causou revolta. Um vendedor de uma marca que oferecia produtos nos corredores de um de seus supermercados sofreu um infarto, morreu ali mesmo e os responsáveis pela loja cobriram o corpo com vários guarda-chuvas e o cercaram com caixas de cerveja até a hora do fechamento.

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