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22 dias de angústia na busca por Lucas Mateus, Alexandre e Fernando Henrique em Belford Roxo

“Eu não consigo olhar para a minha filha porque a vejo chorando”, diz Silvia Regina, avó de duas das crianças desaparecidas em 27 de dezembro no município do Rio. Pistas falsas e até a prisão de um suspeito de pedofilia povoam rotina de angústia dos familiares, que cobram polícia

Crianças desaparecidas em Belford Roxo
Moradores do bairro Castelar em Belford Roxo fazem protesto na porta da DHBF cobrando resposta da polícia pelo desaparecimento de três crianças que sumiram no bairro de Areia Branca, também em Belford Roxo.Cleber Junior (Agência O Globo)
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“Eu não consigo olhar para a minha filha porque a vejo chorando. As irmãs ficam perguntando: ‘Cadê os meus irmãos? Cadê os meus irmãos?”, relata Silvia Regina da Silva, avó de Lucas Mateus, de 8 anos, e de Alexandre da Silva, 10 anos. Faz 22 dias, desde 27 de dezembro, que ela não sabe onde estão seus netos. Os meninos desapareceram enquanto brincavam junto de Fernando Henrique, 11 anos, em um campo de futebol perto do condomínio onde moram, no bairro Castelar, em Belford Roxo, município de meio milhão de habitantes da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Sua esperança reacende a cada mensagem, áudio e ligação que recebe com possíveis pistas do paradeiro dos meninos. Acredita que estejam vivos e precisando de ajuda. Mas as buscas até o momento, no entanto, têm sido em vão.

Os familiares das crianças contam estar recebendo muitas informações falsas desde que o caso veio à tona. Chegaram a ser vítimas de extorsão quando informados sobre uma possível localização dos meninos. Em 5 de janeiro, uma terça-feira, os parentes receberam uma pista de que as crianças estariam em uma sorveteria em Nova Iguaçu, município vizinho a Belford Roxo. Desatou-se então uma corrida desesperada. Durante a procura, uma avó e um tio das crianças sofreram um acidente de carro na Rodovia Presidente Dutra, com ferimentos leves. A cada ciclo de buscas frustrado, a angústia só aumenta. “A gente vai levando”, desabafa Silvia Regina, inconformada, com um semblante de exaustão.

A avó conta que soube por colegas das crianças que o trio desaparecido foi visto pela última vez na Feira de Areia Branca, que acontece na praça de Areia Branca. Eles estavam comprando comida de passarinho, de acordo com o relato de colegas, mas os investigadores da polícia no caso dizem que essa informação não foi confirmada. A praça fica em uma avenida movimentada, com brinquedos e equipamentos para exercícios físicos. Os parentes também contam que os meninos costumavam brincar principalmente no campo de futebol próximo ao condomínio onde eles moram, na comunidade do Castelar.

Após mais de 20 dias sem pistas, familiares e amigos das famílias reclamam da morosidade da polícia na busca por informações que levem até os meninos e solucionem o caso. “É muito descaso”, sintetiza Bombom, amiga dos familiares de Fernando Henrique, a criança de 11 anos desaparecida. Eles também reclamam que o caso teria outro andamento e repercussão midiática caso as três crianças fossem brancas e ricas. De acordo com o censo de 2010 do IBGE, 83,6% da população de Belford Roxo é composta por pardos e pretos. O Mapa da Desigualdade 2020, da ONG Casa Fluminense, aponta que o índice de letalidade violenta (que soma de todas as mortes violentas) é de 63,9 por cada 100.000 habitantes no município ― para efeito de comparação, na cidade do Rio de Janeiro é de 28,4 por cada 100.000 habitantes. Em Belford Roxo, 89,1% das pessoas mortas por agentes do Estado eram negras no ano de 2019.

“Como pai, imagino o quão difícil é este momento. Fiquem atentos às crianças na rua. Ajude-nos a localizar Lucas, Alexandre e Fernando”, disse o governador em exercício do Rio, Cláudio Castro (PSC), em 6 de janeiro ao anunciar a mobilização das forças de segurança do Estado para localizar as crianças.

Um suspeito de praticar pedofilia é preso

Especialistas em desaparecimento dizem que os primeiros dias de buscas costumam ser os mais importantes para solucionar casos como esses. A Delegacia Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), em Belford Roxo, já fez diligências em bairros da capital e em Belford Roxo, Duque de Caxias e Nova Iguaçu, mas nada encontrou sobre o paradeiro das crianças. Imagens de mais de 40 câmeras de segurança foram analisadas, mas em nenhuma delas apareceram as crianças desaparecidas.

Enquanto a polícia não apresenta progressos concretos, a história do desaparecimento das crianças vai se intercruzando com outros dramas, a situação de segurança de Belford Roxo e ameaças. Na terça-feira, dia 12, a reportagem do EL PAÍS acompanhou um dia na rotina das famílias em espera em torno da delegacia. Naquela manhã, o clima era tenso. Na noite anterior, um homem identificado como Leandro foi levado até a sede da delegacia responsável pelas investigações. Ele mora no mesmo condomínio que as crianças desaparecidas e foi apontado por familiares e outros moradores da região como responsável pelo desaparecimento delas. Esses moradores se baseavam em boatos espalhados por um enteado de Leandro. Ao longo do dia, circulou ainda informação de que o homem teria sido espancado por traficantes da região para que confessasse o crime, antes de ser levado à delegacia. A informação foi confirmada posteriormente pela própria Polícia Civil.

Na terça, enquanto homem negava seu envolvimento com o caso para a polícia, os familiares dos meninos esperavam impacientes. O ambiente começou a se agitar antes mesmo das 10h da manhã, depois que a esposa e um enteado do suspeito chegaram à delegacia. A mulher era apontada de ser cúmplice do marido pelas pessoas que acompanhavam de fora da delegacia. Outras pessoas foram se somando por volta de meio-dia aos familiares e amigos dos três meninos desaparecidos. “Poderia ter acontecido com os meus filhos. A gente quer uma solução. Ninguém fala nada e o tempo só passa. Não pode ser assim”, cobrou Jucilene Cateleano, uma das vizinhas que se somou ao grupo, comentando que os meninos desaparecidos brincavam com seus filhos e eram muito queridos.

Crianças desaparecidas em Belford Roxo
Montagem com as fotos dos três meninos desaparecidos no dia 27 de dezembro, em Belford Roxo.Reprodução / Facebook

O coro pedindo justiça foi recrudescendo durante à tarde, até que uma manifestação mais intensa começou. Um ônibus foi incendiado e a avenida Retiro da Imprensa, onde fica a delegacia, interditada. O batalhão de Choque da Polícia Militar foi acionado e a tensão foi se diluindo gradativamente.

Por volta das 16h, um comboio da delegacia foi fazer novas buscas em duas casas no bairro Hiterland, também em Belford Roxo, depois de familiares receberem mais um áudio dando a localização onde estariam os meninos. De novo, nada foi encontrado nos endereços.

Ainda na terça, e para acalmar os ânimos, a Polícia Civil distribuiu uma nota à imprensa dizendo que Leandro não tem relação com o caso e que se trata de “notícia falsa”. Horas depois, porém, o homem foi preso por supostamente armazenar vídeos de pedofilia no celular. Não está claro quem aparece nas imagens. Mas, de acordo com Alexander Macedo, coordenador de um conselho tutelar de Belford Roxo, as crianças abusadas no vídeo são enteadas do homem preso, “já estão em segurança e serão acompanhadas pela Rede de Proteção da Criança e do Adolescente”.

O advogado de Leandro assegura que o celular de seu cliente é compartilhado com a família e que os vídeos contêm cenas de atos vistos como “normais” pelo clã familiar, mas que foram interpretadas pela polícia como sendo “atos libidinosos”. Também informou que Leandro pagou fiança e responderá a acusação em liberdade. Reafirmou que não há provas materiais que indicam o envolvimento do homem no desaparecimento dos meninos.

O EL PAÍS entrou em contato com a Polícia Civil questionando detalhes da investigação do caso e o possível envolvimento do suspeito preso, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. O secretário da Polícia Civil, Alan Turnowski, inicialmente havia informado que não havia linha de investigação sobre o desaparecimento dos três meninos. Na última quarta-feira, afirmou que, agora, a polícia está investigando a participação de traficantes no sumiço como “principal linha de investigação”, de acordo com a informação publicada pelo jornal Extra.

O secretário cita que os eventos desta semana, como o relato do espancamento sofrido por Leandro ― “Amarraram e apresentaram para as famílias dos garotos desaparecidos como sendo o responsável pelo desaparecimento”― e a queima do ônibus a poucos metros da delegacia, levaram os agentes para esse caminho. Turnowski considera que a destruição do veículo teve “a incitação de pessoas ligadas ao tráfico de drogas”.

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“Eu quero meu filho”

Segundo os dados do Instituto de Segurança Pública, órgão vinculado ao Governo estadual, 3.042 pessoas desapareceram no Estado do Rio entre janeiro e novembro de 2020. Desse total, 769 registros são da Baixada Fluminense, sendo 90 somente no município de Belford Roxo.

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), presidida pela deputada estadual Renata Souza (PSOL), afirma ter tentado contato com as famílias, sem sucesso. Souza diz que o papel da comissão é fazer o encaminhamento do caso para órgãos como a OAB e a Defensoria Pública, para que as famílias tenham amparo jurídico, ou para serviços psicológicos junto à Secretaria de Saúde. Contudo, explica deputada, caberia à Secretaria de Direitos Humanos do Governo do Estado buscar os parentes de Lucas Mateus, Alexandre e Fernando Henrique. O EL PAÍS também entrou em contato com a secretaria estadual, mas também sem sucesso.

Exausta pela busca inglória pelos meninos, Hanna Jéssica da Silva, mãe de Alexandre, não consegue comer nem dormir. Sua voz é de desânimo e tristeza: “Eu quero o meu filho”.

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