Cardiologista Marcelo Queiroga assume Ministério da Saúde no pior momento da pandemia
Bolsonaro substitui general Pazuello, cuja gestão foi marcada por alinhamento incondicional com o Planalto e escalada da crise sanitária. Em entrevista, médico equilibra palavras para não contrariar novo chefe
Aviso aos leitores: o EL PAÍS mantém abertas as informações essenciais sobre o coronavírus durante a crise. Se você quer apoiar nosso jornalismo, clique aqui para assinar.
O médico cardiologista Marcelo Queiroga será o novo ministro da Saúde. Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, será o quarto titular da pasta na pandemia e assume no pior momento da crise sanitária, com recorde de mortes e do número de Estados com sistemas de saúde colapsados ou próximos ao colapso. Ele substituirá o general Eduardo Pazuello, cuja gestão foi marcada por alinhamento incondicional com o Planalto e problemas na organização da campanha de vacinação contra a covid-19. Em sua primeira entrevista após a nomeação, à emissora CNN, o cardiologista equilibrou as palavras para não contrariar o novo chefe, mas sua estreia contraria os governadores que impõe restrições de circulação pelo auge dos contágios no país. Disse que lockdown não pode ser “política de governo” e só deve ser aplicado em situações extremas ―sem precisar se estamos em uma situação extrema, com recordes de mortes. Um dia depois de criticar o uso da cloroquina contra a covid-19, já contraindicado pela Organização Mundial da Saúde, disse que médicos têm autonomia para prescrever tratamentos, mesmo sem eficácia comprovada.
O anúncio de que Queiroga aceitou o cargo foi feito pelo presidente Jair Bolsonaro assim que chegou ao Palácio da Alvorada em conversa com apoiadores no fim da tarde desta segunda-feira. A fala do presidente foi transmitida pelo canal bolsonarista no YouTube Foco do Brasil. Na ocasião, o mandatário elogiou o general Pazuello. “[Queiroga] tem tudo para fazer um bom trabalho, dando prosseguimento em tudo o que o Pazuello fez até hoje.” Sem detalhar, Bolsonaro diz que o seu Governo partirá para uma fase mais agressiva no combate ao vírus.
A nomeação de Queiroga encerra dias de fritura de Pazuello, em especial nas últimas 24 horas. O cardiologista diz que não é possível “inventar a roda” no combate à pandemia, mas terá no Planalto um obstáculo se quiser usar a fórmula que tem sido aplicada em todo o mundo para conter os danos da pandemia: isolamento social e uso de máscaras, por exemplo. O mais recente médico que havia passado pela pasta, o oncologista Nelson Teich, deixou o posto apenas 29 dias depois de assumi-lo justamente por divergências com Bolsonaro. Antes dele, o ministro era o ex-deputado federal e ortopedista Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), que também deixou o cargo por embates com o presidente.
Queiroga é próximo dos Bolsonaro ―o novo titular da Saúde participou da equipe de transição do Governo Bolsonaro―, mas ainda assim, antes desta segunda-feira e de sua nomeação, não escondia sinais de divergência. Em entrevista à Folha de S. Paulo neste domingo e já cotado para o cargo, ele afirmou ser contra a utilização da cloroquina, uma das obsessões de Bolsonaro, no tratamento da covid-19. Em imagens exibidas no Jornal Nacional, o médico defendeu o isolamento social como estratégia contra o coronavírus, quando Bolsonaro segue em campanha contra o confinamento.
Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$
Clique aquiOutro desafio de Queiroga será acelerar a vacinação no Brasil num contexto de disputa global por doses, uma corrida em que o país chega atrasado. Até o momento e mesmo tendo um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, o SUS, menos de 5% da população brasileira foi vacinada, contra índices robustos nos EUA (cerca de 20%) ou Chile (mais de 16%). À CNN, ele disse confiar no plano traçado até agora pelo Governo para comprar imunizantes pregou “união”.
O futuro ministro é ativo nas redes sociais. Em sua conta no Twitter ele costuma divulgar as ações da entidade que dirige e destaca encontros com políticos para tratar de questões de sua categoria. Neste ano, ele esteve com ao menos dois ministros de Bolsonaro, João Roma (Cidadania) e Gilson Machado (Turismo). Também em suas redes, ele deixa claro que um de seus exemplos na medicina é Adib Jatene (1929-2014), um dos mais respeitados cientistas do país que foi ministro da Saúde de Fernando Collor e de Fernando Henrique Cardoso.
Pressa de Bolsonaro e exposição nas TVs
Bolsonaro tinha pressa em anunciar um substituto de Pazuello principalmente porque a sua primeira opção, Ludhmila Hajjar, logo após rejeitar o convite, reforçou críticas ao Governo que ela já vinha fazendo ao longo da pandemia. Foi praticamente uma exposição das vísceras de Bolsonaro e Pazuello na TV. Em entrevistas para explicar as razões que a fizeram recusar o cargo, Hajjar disse que não havia convergências técnicas com o presidente Bolsonaro e afirmou que o novo ministro deveria ter autonomia para atuar.
“Acho que o cenário é bastante sombrio. O Brasil vai chegar rapidamente em 500.00, 600.000 mortes e não só isso, mas todo o impacto que esta doença terá em longo prazo, sequelas e consequências que não estão sendo pensadas”, afirmou Hajjar à emissora de TV Globo News. Antes, à emissora CNN Brasil, ela havia dito que sempre se dedicou à ciência. E, agora, não podia ser diferente. “Fiquei extremamente honrada com o convite, mas eu sou uma pessoa que pautei minha vida toda nos estudos e na ciência, vou continuar sendo assim e vou estar sempre à disposição do Brasil.” Ela disse ter sido perseguida nas redes sociais por apoiadores do bolsonarismo e que tentaram até invadir o seu quarto de hotel em Brasília.
A confirmação de Queiroga foi precedida de um ato de despedida de Pazuello, que há dias começara a perder força principalmente entre seus colegas militares que circundam o presidente. Eles querem minimizar os efeitos negativos à imagem das Forças Armadas depois da catastrófica condução da Saúde feita por ele com o aval de Bolsonaro. Dois sinais de alerta foram dados: a sinalização de que o Brasil pode assumir definitivamente a dianteira no número de mortes diárias por covid-19 ―tomando a posição dos Estados Unidos― e a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao tabuleiro eleitoral, já que o petista recuperou os seus direitos políticos e faz sombra ao presidente, com contundentes críticas ao Governo na gestão da emergência sanitária.
Pazuello sempre obedeceu Bolsonaro e está sob investigação da Polícia Federal pela crise do oxigênio em Manaus, um dos momentos mais dramáticos da crise, quando pessoas morreram sem o insumo na capital do Amazonas. Na entrevista coletiva na qual admitiu que estava de saída do cargo, o general enviou um recado: afirmou que durante uma guerra a manobra militar mais difícil ocorre quando se trocam as tropas de posição em meio a uma batalha. “A manobra mais difícil que temos de planejamento militar é substituição em posição, que é quando você está com sua tropa posicionada ou no ataque ou na defesa e você precisa substituir aquela tropa sem perder a impulsão ou sem perder a capacidade de defender. Então, eu posso afiançar a todos senhores, nós não vamos parar nem um minuto”.
O presidente prevê duas semanas de transição enquanto especialistas apontam as consequência ocupação por militares de cargos estratégicos do Ministério da Saúde. Caberá a Queiroga avaliar substituição da tropa. A troca no comando do ministério ocorre no auge da pandemia de covid-19 no Brasil. Na semana passada, o novo normal na contabilidade de mortos foi o de superar os 2.000 óbitos diários. Nesta segunda-feira, o país chegou às 279.286 mortes em decorrência do coronavírus ―são 10,5% de todos os casos do mundo, o Brasil concentra 3% da população mundial.
Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.